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Comportamento

Tentei me matar 2 vezes, mas todos os dias luto contra esse monstro

Camila Mortari abre o jogo sobre um ano difícil, uma doença que ainda é tabu, mas que precisa ser discutida

Thailla Torres | 26/12/2022 07:29
Camila Mortari é jornalista e tem 31 anos.
Camila Mortari é jornalista e tem 31 anos.

A jornalista campo-grandense Camila Mortari lembra bem dos seus 12 anos, quando sentiu um vazio enorme que, anos mais tarde, descobriu ser um ponto inicial da depressão. Ela era, para muitos, a adolescente clichê que estava passando por uma fase “complicada”. Anos mais tarde veio a tentativa de suicídio, quando ela viveu um dos momentos mais delicados de sua vida.

Apesar da urgência em falar sobre o assunto, muitas vezes ela se depara com o silêncio e o tabu, por isso, ela é uma das personagens convidadas a falar sobre um 2022 que foi difícil, mas com muitos momentos de "ressignificação". Nesse caso, Camila abre o jogo sobre uma doença, que em diversos momento leva pessoas ao desespero que beira o insuportável, mas tem tratamento e precisa ser debatida.

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"Muitas vozes na minha mente dizem coisas em uma velocidade acelerada, depois uma pequena pontada no peito vem como um tiro, e uma ardência no corpo vai se alastrando. A mágoa então aperta meu coração como se alguém tivesse me esmagando. Todos os meus ossos se quebram sem se quebrar. Fico sem ar, sem voz, e sem vontade de viver.

Desmorono.

Pensei muito se deveria falar abertamente sobre esse assunto, “dar minha cara a tapa”, mostrar minha identidade, mas, quase sempre vejo títulos, postagens e matérias sobre depressão, ansiedade, Síndrome de Burnout, e é como se esquivássemos de falar sobre o suicídio ou a ideação suicida. Um tema delicado para escondermos e, sem dar nota ao sensacionalismo, urgente o bastante para ser debatido. Mesmo porque, no Brasil, em 2020, foram registrados 12.895 casos de suicídio, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Um aumento significativo em relação a 2012, quando foram registrados 6.905. No mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 703 mil pessoas se suicidaram em 2019.

Aos 12 anos, senti um vazio enorme que, anos mais tarde, descobriria ser um ponto inicial da minha depressão. Eu era, para muitos, a adolescente clichê que estava passando por uma fase “complicada”. Lembro-me de pegar um caderno e escrever o que estava sentindo, a carta foi endereçada a uma amiga e ficou guardada na minha memória com carinho, porque eu gostaria muito de voltar no tempo e falar para aquela menina não ter medo de procurar ajuda, mesmo que todos não a entendessem.

É exatamente por muitos não entenderem a dor da depressão, que isso vira um tabu. Conseguimos mensurar a dor de um câncer, a dor de uma febre, a dor de muitas doenças, mas não conseguimos ainda entender e acreditar no que a depressão é capaz de acometer. Disseram-me que era só uma fase da adolescência, ou falta de “carpir um lote”, de “lavar uma louça”, de arranjar o que fazer. Disseram-me também que poderia ser falta de Deus, que eu deveria ter mais fé, frequentar a igreja, um grupo, agarrar-me em algum santo. Foi aos 15 anos, que ao me cansar de tanta dor e tantos questionamentos, tentei pela primeira vez me matar. Eu já não aguentava mais sofrer e não encontrar uma saída. De lá para cá, foram anos de tratamento, algumas recaídas, uns anos de “cura”, terapias, remédios, porém, ainda percebia que o assunto sobre a depressão e o fato de eu ter tentado suicídio, era de pouco entendido, tanto por mim, quanto pelas pessoas ao meu redor.

“Precisamos pontuar que nem toda pessoa depressiva possui ideação suicida. Existem pessoas que cometem o ato suicida sem ter histórico de transtorno mental. Alguns sintomas de Depressão Maior como: humor deprimido (sem esperança, tristeza, vazio); perda de interesse ou prazer; perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta; insônia ou hipersonia; fadiga ou perda de energia; sentimento de inutilidade ou culpa excessiva inapropriada; pensamentos recorrentes de morte (não somente o medo de morrer) são indicativos para uma ideação suicida”, discorre o Psicólogo e Mestre em Psicologia da Saúde, Sylvio Tutya.

O psicólogo ressalta ainda que a “pessoa passou por um episódio de dor, vai em busca de um “refúgio”, pela visão psicanalítica, essa impulsividade que colocamos sempre está ligada a uma impulsividade do inconsciente e não de uma necessidade de acabar com a vida, mas de fugir de uma dor existencial”, finaliza.

"E eu diria para as pessoas que conhecem alguém deprimido ou com impulso suicida, a ajuda médica é imprescindível, mas o acolhimento é um dos principais remédios".
"E eu diria para as pessoas que conhecem alguém deprimido ou com impulso suicida, a ajuda médica é imprescindível, mas o acolhimento é um dos principais remédios".

No meu caso, a depressão anda de mãos dadas com a ideação suicida. Em janeiro deste ano, voltei para casa depois de semanas de alegria, rodeada da família e amigos, amor e carinho. Num piscar de olhos, me vi na UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Aos trinta anos, cheia de planos e vontade de viver, fui ‘cortada’ ao meio pela depressão, definhando meu corpo colocando em minha mente que um dos motivos para cessar minha dor, seria parar de respirar. Eu tentei me matar pela segunda vez.

Algumas pessoas dizem para eu pensar na vida “aqui” fora e nas pessoas que me amam, como se eu fosse capaz de controlar a minha doença em uma fala fugaz. “Pare imediatamente de doer, eu diria”. Eu diria tantas coisas, na verdade. Me pego em um dia feliz, fazendo projetos e no outro estou deitada no chão lutando contra um monstro dentro de mim. Hoje, com a terapia, remédios, rede de apoio, exercícios, hobbies, consigo mensurar os sintomas, me ajudar na prevenção de uma certa crise. Aqui eu ressalto a importância do tratamento e, sobretudo, a importância em compreender: a depressão é uma doença! Ela não escolhe ‘cara’, idade, classe social.

Acho engraçado ninguém dizer para uma pessoa com câncer parar de ter câncer. Entretanto, eu posso dizer para as pessoas de fora que estejam passando por algum tipo de frustração e que estejam percebendo os próprios sintomas, buscar ajuda médica, se cercar de pessoas amáveis. E eu diria para as pessoas que conhecem alguém deprimido ou com impulso suicida, a ajuda médica é imprescindível, mas o acolhimento é um dos principais remédios. Ouvir sem julgamento, buscar compreender, não “forçar a barra” e dar espaço se torna importante.

O amor me salva todos os dias, lutar e ver alguém acreditando em mim também”.

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