A consciência: uma visão ontológica da realidade
A ciência está baseada no axioma que estabelece que a natureza está constituída apenas por matéria e energia, as quais possuem consciência ou se tornam autoconscientes. Um claro exemplo dessa visão é a ideia de que a consciência é um epifenômeno da atividade cerebral.
Esta visão é sustentada pela proposição de que a realidade seria construída a partir de “blocos básicos” de matéria-energia, onde cada bloco possuiria um pouco de consciência como propriedade fundamental ou, alternativamente, após atingir um agrupamento com determinado número de blocos se tornariam “conscientes”. Esta ideia contrasta com a “visão ontológica não dualista” da realidade, a qual sustenta que tudo que existe é feito apenas de “um bloco indivisível de consciência” e matéria e energia são na verdade manifestações de uma única consciência.
Qual destes dois modelos explica melhor a realidade e nossas experiências cotidianas? Para responder essa pergunta vamos começar por algo irrefutável, independentemente de qualquer ideia metafisica, modelo, teoria ou visão de mundo. O que sabemos sem sombras de dúvidas é que existimos e que somos conscientes de nossa existência e de nossas experiências. Esta constatação nos conduz a seguinte questão: o que ou quem percebe as experiências? Quem é o sujeito, o “eu” das experiências? Embora não possamos definir aquele que percebe, podemos afirmar que existe, que está sempre presente em cada experiencia, é indivisível e inalterado pelas experiências, já que nenhuma mudança física, externa ou interna, de fato altera esse “eu” que percebe. Um enigma similar pode ser encontrado no conceito de “vida”. Se nos perguntássemos onde reside a “vida”, poder-se-ia concluir que a vida é mais uma propriedade, um princípio independente, irredutível e indivisível, presente em cada componente básico, desde as escalas atômicas, moleculares, inorgânicas até as maiores, orgânicas e mais complexas, do que associada a alguma estrutura material determinada. Uma outra conclusão óbvia é que esse “eu” que percebe não pode ser o cérebro o DNA, ou qualquer outra entidade material ou biológica, já que estas são formadas pelos mesmos blocos de matéria que está constituído todo o mundo, que é o objeto da experiência de esse eu.
Por outro lado, ao analisarmos o mecanismo subjacente a todas as experiências, podemos constatar que os objetos de nossas experiências são detectados pelos órgãos dos sentidos na forma de impulsos e transmitidos para o cérebro, onde mais tarde são “interpretados” e a partir dessa interpretação os objetos são “criados” pela mente. Esta análise nos leva a uma simples e clara conclusão, de que os objetos são apenas interpretações mentais subjetivas e consequentemente a localização dos objetos não está “fora”, mas na própria mente. Também é claro que os pensamentos e imagens formadas na mente não tem a capacidade de ver, ouvir ou sentir, ou seja, não podem ser auto conscientes deles mesmos.
Esta visão não dualista da realidade, encontra sustentação na interpretação de Copenhague da mecânica quântica desenvolvida por Niels Bohr e Werner Heisenberg, a qual propõe que antes da medição, o elétron não possui um estado físico real e existe apenas como um possível resultado de uma medição futura. Segundo John von Neumann, o colapso da função de onda, isto é, o desdobramento em um único estado específico a partir de um estado inicial formado pela superposição de auto-estados na presença de um detector–observador deve ocorrer em algum ponto entre o detector e a tomada de consciência do resultado dessa medição. Isto nos conduz às seguintes perguntas: em que ponto acontece e o que determina o colapso da função de onda? Em outras palavras, onde o elétron se torna “real”? e como? Neumann acreditava que o colapso da função de onda deveria ocorrer no momento da conscientização, conhecido com a "interpretação de von Neumann-Wigner”. Se esta interpretação estiver correta, os elétrons, átomos, moléculas e tudo o que percebemos, apareceria e se tornaria real, após a experiencia consciente. Estas interpretações questionam o papel da consciência e a conexão entre o subjetivo e a realidade objetiva. Entretanto, Heisenberg chegou à conclusão que o colapso da função de onda deve ser um processo contínuo entre o dispositivo de medição e a mente consciente e não é um evento repentino causado apenas por uma mente consciente, o que explicaria a consistência dos resultados experimentais entre diferentes observadores individuais, deixando em aberto esta questão. Já a visão ontológica de uma consciência não dualista da realidade proporciona uma explicação alternativa ao problema do surgimento de uma “determinada realidade” para vários observadores, através do colapso da função de onda por uma única consciência e observadores “aparentemente reais”, corrigindo o que poderíamos chamar de “mal-entendido da consciência”, possibilidade também sugerida pelo paradoxo do amigo de Wigner.
Em resumo, as evidências apontam para a hipótese de que todos os objetos de experiência, dos mais sutis até os mais grosseiros, como o DNA, o cérebro e até o corpo, simplesmente apareceriam na “tela da consciência”, o que nos conduz à pergunta: a que distância do conhecedor estão os objetos de experiência? A resposta seria distância nenhuma. Sendo assim, o mundo, o universo e tudo o que percebemos e experimentamos emergiria dentro desse “campo de consciência”. Metaforicamente os objetos de experiência poderiam ser definidos como “ondulações” no oceano da consciência.
Dentro desta nova visão não dualista da realidade, surge um novo paradigma, o paradigma da consciência, como o único, irredutível e fundamental princípio de toda a existência. Citando o físico e filósofo estadunidense David Bohm e um dos maiores exponentes indianos do não dualismo Nisargadatta Maharaj:
“O universo começa a parecer-se mais com uma grande ideia do que com uma grande máquina” - David Bhom
“O mundo que percebemos é feito de consciência, o que chamamos de matéria é apenas consciência" - Nisargadatta Maharaj
(*) Enrique Argañaraz é professor do Departamento de Farmácia da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília.