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Bullying: Olhar para nós, não apontar o dedo para outros

Francisco José Rengifo-Herrera e Gabriela Mietto / Jornal UnB | 07/04/2023 13:45

Bullying é uma palavra que escutamos com muita frequência. De fato, isso pode até criar uma espécie de “naturalização”. Assim como ocorre com o racismo ou a violência intrafamiliar, devemos estar a postos para agir de forma pertinente diante de qualquer indicador.
O bullying é uma ação violenta porque machuca a pessoa alvo. É uma agressão direta ou velada, sempre intencionada (ou seja, se faz de forma consciente e deliberada). Essas agressões não são isoladas, mas repetitivas ao longo do tempo e quem agride tem (ou é visto) como alguém mais poderoso. O agressor submete o outro a partir do amedrontamento e o medo extremo.

Outro aspecto importante é que o bullying pode ser Direto: as ações são evidentes, explícitas e verificáveis. No Indireto (ou relacional) é sutil e exige aguçar os sentidos porque se dá de forma velada: exclusão social, rumores e calúnias para atingir a vitima são indicadores. Além do bullying, com o advento das redes sociais temos uma importante presença de ações agressivas se utilizando dessas formas de interação social: o cyberbullying ou bullying virtual.

É comum pensar que o bullying é um problema de uma criança “problemática”. Porém, a falta de empatia que leva às agressões não surge internamente de um ser “mau” que precisa ser “punido” para que “aprenda valores”. Outras vezes pensamos que é um problema de uma “família desestruturada” o que gera análises levianas sobre a realidade do agressor e sua família.

É claro que o agressor não pode se colocar no lugar do outro e por isso faz o que faz, porém, não há crianças boas e más: há crianças que vivem contextos e histórias que produzem enormes dificuldades para eles resolverem suas relações com outros. Crianças agredidas por pais ou familiares, pessoas pressas em círculos de violência cotidiana e agressão e cujos relacionamentos estão rompidos e esvaziados.

Porém, há também uma sociedade que exalta o individualismo, a competição e o sucesso (passar por cima de outros custe o que custar) como indicadores de poder e controle. O maniqueísmo da nossa sociedade (os bons contra os maus) se tornou um critério moral para selecionar quem se parece/pensa como nós e quem é diferente.

Pensamos que o problema para resolver a violência escolar é ensinar valores, porém é o caminho direto para dar tudo errado. Amor, paz, perdão, justiça e outras categorias complexas não podem ser ensinadas como aritmética ou botânica. Os valores não são dons individuais que nascem com as pessoas, são sentimentos que guiam nosso comportamento e que incorporamos ao longo da nossa vida. Agimos de forma preconceituosa sem termos clareza da razão que a justifique. Virar o rosto, trocar de calçada, murmurar ao ver alguém são indicadores de valores que não queremos reconhecer como parte de nós.

O preconceito é um valor (não construtivo), porém é nosso, é intencional e sempre carecemos de critérios racionais para sentir e agir dessa forma. Nós, você e as pessoas que ainda não leram nem lerão esse texto somos preconceituosos em alguma dimensão. Porém, pode ser que alguns de nós (não todos) sejamos sensíveis ao outro e agimos de forma empática (valor construtivo) quando vemos sofrimento, dor ou injustiça. Mas, nada disso nos torna bons. Os valores são ações que exibimos na vida cotidiana, nas relações mais simples de contato com outros. Não são cartazes que “mandam” fazer a “coisa certa”.


Como Charlie (do filme A Baleia) disse para seus alunos que “precisam uma maneira de dizer a verdade”, o enfrentamento ao bullying exige de nós falar sobre o assunto: não se trata de um problema individual. Nós, como você, somos corresponsáveis por termos construído uma sociedade baseada em exclusão, seleção por classes, na competição custe o que custar e na obtenção de poder para benefício próprio. Nossos valores não são mais coletivos, porém, individuais.

Na atualidade, por exemplo, muitas vezes não tem sido suficiente que as famílias reconheçam que seus filhos são bons em algo, eles têm de ser melhor do que os outros em muitas habilidades ao mesmo tempo. Nossas metas não incluem ninguém, apenas nós e os que se parecem conosco, desde que não tirem o brilho ilusório que pensamos não poder ser compartilhado. O bullying nasceu dessa sopa primordial e só nos resta agir de forma diferente ou teremos que esperar que essa sopa primordial da nossa sociedade defina o seu rumo autodestrutivo.

Incluir, acolher, coconstruir, dialogar (de forma infinita) e construir acordos baseados em consensos são alguns dos caminhos. A escola deve ser lugar para acolher, abraçar e escutar quem está perdido na sordidez imposta por outros e por uma vida tingida por dores, agressões, negligências e irresponsabilidades. Nós podemos ser para outros a alternativa para que a sordidez imposta abra o caminho para a dignidade oferecida. Julgar o agressor é fácil, agir de forma sistêmica, coletiva, colaborativa é algo que faz parte do esquecimento que seremos.

(*) Francisco José Rengifo-Herrera é professor do Departamento de Teoria e Fundamentos (TEF/FE). Doutor em psicologia do desenvolvimento humano e saúde pela Universidade de Brasília.

(**) Gabriela Mietto é professora do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento (PED/IP). Doutora em psicologia do desenvolvimento e escolar.

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