Demência é tudo igual?
Você sabe o que Tony Bennett, Robin Williams e Bruce Willys têm em comum? Além de serem celebridades, todos foram diagnosticados com algum tipo de demência. A demência não é uma doença específica, mas sim um termo geral para a capacidade cognitiva prejudicada. Cognição é um termo que se refere à nossa capacidade de lembrar, pensar ou tomar decisões que interferem nas atividades cotidianas.
Demência não é tudo igual, mas um termo guarda-chuva que abriga várias doenças diferentes. Tony Bennett tem a doença de Alzheimer, a forma mais comum de demência. Robin Williams teve um tipo diferente de demência, chamada demência com corpos de Levy. Essa forma é menos frequente, e a ausência do diagnóstico pode ter contribuído para a morte do ator, que cometeu suicídio em 2014. Recentemente soubemos que outro ator, Bruce Willys, foi diagnosticado com demência frontotemporal, também menos prevalente e menos conhecida. Existem outros tipos, como demência vascular, demência da doença de Parkinson e demência mista, com a presença de dois tipos concomitantes.
Cada demência tem uma característica mais marcante. No Alzheimer, comumente a memória é inicialmente afetada; na demência com corpos de Levy, alucinações visuais, mudanças imprevisíveis na concentração e no pensamento estão presentes. Já na demência frontotemporal, o sintoma mais comum são mudanças na personalidade, no comportamento e no julgamento.
Em nosso país, cerca de 2 milhões de pessoas vivem com alguma forma de demência, e esse número irá triplicar até 2050, como resultado do envelhecimento da nossa população. Esse número pode estar subestimado, já que o diagnóstico é sempre difícil e muitas vezes não é feito da maneira correta. No Brasil, por exemplo, mais de 70% das pessoas com demência não são diagnosticadas ou recebem diagnósticos imprecisos.1 Esse cenário nos mostra que a doença deve ser uma prioridade em saúde pública.
Mas é importante saber que as demências são, muitas vezes, preveníveis. O avançar da idade é o principal fator que aumenta as chances de ter a doença, e isso não podemos evitar. Mas existem outros fatores de risco que podem ser modificados. Um importante estudo publicado em 20202 identificou 12 fatores de risco modificáveis, que são responsáveis por 40% dos casos de demência no mundo. Em outras palavras, se pudermos prevenir esses fatores, teremos 40% a menos de demência no mundo. Os fatores são: baixo nível de escolaridade, perda de audição, traumatismo craniano, hipertensão, consumo excessivo de álcool, obesidade, fumo, depressão, isolamento social, inatividade física, exposição à poluição do ar e diabetes.
E cada um pode fazer a sua parte. Em nível individual, podemos buscar estratégias que estão ao nosso alcance e que já mencionamos nos textos anteriores da coluna: praticar exercício físico, que seja prazeroso para promover adesão por longo tempo; ter uma dieta mais equilibrada; participar de atividades que proporcionem o convívio social; buscar um propósito de vida; aprender algo novo ao longo da vida – uma nova língua, testar novas receitas, aprender um ritmo de dança, praticar um novo esporte, viajar para lugares novos, escrever um diário... São tantas possibilidades e não há limites para o que se pode aprender na fase adulta e da velhice!
Já em nível governamental, é importante promover ações de prevenção, melhorar o diagnóstico, treinar os profissionais de saúde e oferecer cuidados imediatos e, em longo prazo, que atendam às necessidades das pessoas com demência.
São ações viáveis e algumas delas podem mudar a cultura de uma sociedade. Por exemplo, as propagandas de cigarro há algumas décadas – os leitores mais velhos lembrarão – estimulavam o hábito de fumar, com cenas mostrando o quanto era “legal” ser fumante. Isso mudou no Brasil após os anos 2000, com novas leis que criaram várias restrições como a proibição de fumar em ambientes fechados, o aumento considerável dos impostos e do preço dos cigarros, além das fotos mostrando os efeitos nocivos do fumo nas embalagens.
Por que não temos, por exemplo, impostos mais altos sobre alimentos menos saudáveis, campanhas publicitárias que expliquem a importância da atividade física, cidades com mais espaços destinados à prática de exercícios e escolas ensinando as crianças e os adolescentes sobre o processo de envelhecimento? Em um país que envelhece rapidamente como o Brasil, essas ações serão fundamentais para reduzir o grande impacto econômico e social que as demências já produzem.
(*) Marcia Regina Cominetti é docente no Departamento de Gerontologia da UFSCar.