Eficiência do ar-condicionado, uma emergência
O ar-condicionado está se tornando artigo de primeira necessidade em muitas regiões do Brasil. Em meio a verões cada vez mais intensos, o crescimento na demanda vem acompanhado de gastos significativos de energia, com impactos econômicos e ambientais. No contexto de mudanças climáticas e crise econômica em que vivemos, a oferta de sistemas mais eficientes é a melhor alternativa para reduzir esses impactos e, ao mesmo tempo, possibilitar que os brasileiros tenham melhor qualidade de vida. Infelizmente, a política brasileira de eficiência energética não reflete essa importância.
Estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) mostra que, entre 2005 e 2017, o consumo de eletricidade no setor residencial, motivado especificamente pelo uso do ar-condicionado, aumentou cerca de três vezes mais do que o crescimento do consumo total do segmento. Estima-se que, nesse período, a posse do aparelho pelas famílias tenha mais do que duplicado.
No mesmo estudo, o órgão de planejamento alerta para o fato de que a presença dos equipamentos nos domicílios ainda é relativamente baixa no país, o que sugere uma demanda potencial que deverá ser atendida no futuro. A EPE trabalha com a perspectiva de que 60% dos domicílios brasileiros terão ao menos um aparelho desse tipo em 2030, contra entre 15% e 20% hoje.
A adoção de sistemas mais eficientes é a principal alternativa para conter os impactos econômicos e ambientais dessa expansão. As projeções da EPE indicam que a demanda por eletricidade devido ao uso de condicionadores de ar pelas famílias pode crescer 5,4% ao ano e atingir 48 TWh em 2035. Por outro lado, caso venham a ser implementados índices mínimos de eficiência mais rigorosos ao longo desse horizonte, seria evitado o consumo de 15 TWh em 2035, ou equivalente a uma usina de 3,5 GW. Em termos de emissões de gases de efeito estufa, seriam 6,3 milhões de toneladas a menos de CO2, ou o equivalente a cerca de 16% das emissões associadas à geração de eletricidade no país em 2019, conforme dados do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG).
Também vale destacar que os sistemas tendem a contribuir com o aumento do consumo no horário de pico no começo da tarde — quando as temperaturas são mais altas —, exigindo, portanto, não só aumento da produção de energia, como da infraestrutura necessária para sua transmissão e distribuição. A principal medida para alcançar altos níveis de eficiência nos aparelhos de ar condicionado usados no país diz respeito às mudanças no Projeto Produtivo Básico (PPB) da Zona Franca de Manaus (ZFM), região que concentra quase toda a produção desses equipamentos. Por isso, foi com grande preocupação que recebemos a notícia do cancelamento, pelo Ministério da Economia, da Consulta Pública nº 67, de 1º de dezembro de 2020, relativa à alteração do PPB dos modelos do tipo split produzidos na ZFM.
Essa consulta seria fundamental justamente por colocar a eficiência energética dos equipamentos a serem produzidos na zona franca como um critério para que seus fabricantes consigam obter ou manter benefícios fiscais. Na prática, isso significa que as empresas seriam estimuladas a produzir os equipamentos com o mais elevado índice de eficiência possível. Destaque, nesse sentido, para os aparelhos com a tecnologia inverter, que proporciona economia de até 60% no consumo de energia em relação aos convencionais.
A consulta também era uma oportunidade de aperfeiçoamento para que haja periodicamente a publicação dos resultados da política de incentivo fiscal, de modo que a sociedade conheça seus resultados e benefícios para o desenvolvimento do país. Mas, com o cancelamento do processo, esses debates foram suspensos sem nenhuma explicação. Ainda em 2020, encaminhamos correspondência ao Ministério da Economia pedindo esclarecimentos sobre os motivos da suspensão da consulta e questionando sobre a previsão de realização de um novo processo do tipo, ainda sem resposta.
Diante da importância do tema, reconhecida inclusive pelo órgão de planejamento do setor elétrico, reforçamos a urgência de que o processo seja retomado. O Ministério da Economia não pode simplesmente ignorar a questão esperando que o tempo passe: é preciso agir com urgência para garantir que os subsídios à produção na ZFM sejam minimamente recompensados pela disponibilidade no mercado nacional de aparelhos de ar-condicionado mais eficientes que, uma vez instalados, não representem gastos excessivos de energia.
(*) Clauber Leite é coordenador do programa de Energia e Sustentabilidade do Idec.