Em defesa da autoajuda
A pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil" revelou um fenômeno alarmante. Pela primeira vez na história, a maioria dos brasileiros declarou não ter lido sequer parte de um livro nos últimos três meses. Essa constatação representa uma perda de quase sete milhões de leitores em relação à última edição da pesquisa, realizada em 2019, indicando um afastamento crescente da leitura em nosso país. Os dados, que refletem uma tendência de longo prazo, apontam para uma crise multifacetada com raízes profundas.
O sistema educacional brasileiro enfrenta desafios estruturais que comprometem a formação de leitores desde a infância. A ausência de incentivos à leitura, aliada a currículos que muitas vezes não dialogam com a realidade dos alunos, cria barreiras ao desenvolvimento do hábito literário. Soma-se a isso a desvalorização cultural da leitura, vista por muitos como algo supérfluo, em contraste com as demandas imediatas da vida cotidiana. Políticas públicas insuficientes para democratizar o acesso aos livros, especialmente em comunidades carentes, também contribuem para agravar o problema.
Outro aspecto que merece destaque é a influência das tecnologias digitais. Redes sociais, aplicativos de mensagens e plataformas de streaming têm moldado novos padrões de consumo cultural, oferecendo entretenimento rápido e superficial. Isso reduz o tempo e a disposição das pessoas para leituras mais profundas e reflexivas, como as que os livros proporcionam. Paralelamente, a literatura popular – que poderia servir como uma porta de entrada para novos leitores – é frequentemente desdenhada pelas elites culturais. Livros de autoajuda e de temática religiosa, por exemplo, são vistos com preconceito, apesar de seu impacto positivo em muitos segmentos da população.
A literatura de autoajuda, em particular, desempenha um papel fundamental na formação individual e coletiva. Suas mensagens de superação, disciplina e autorresponsabilidade promovem valores que transcendem o indivíduo, ao incentivar a construção de estruturas sociais mais inclusivas e colaborativas. É importante ressaltar que, ao estimular a individualidade – o reconhecimento das características únicas de cada pessoa – esses livros não promovem o individualismo, que se caracteriza pelo egoísmo e pela desconexão social. Pelo contrário, eles ajudam a fortalecer vínculos coletivos ao mostrar como talentos e limitações individuais podem se complementar para alcançar objetivos comuns.
Os livros religiosos, por sua vez, têm a capacidade de transmitir valores éticos e morais que favorecem a convivência social e o bem-estar coletivo. Ao desvalorizar essas formas de literatura, as elites intelectuais acabam não apenas restringindo o acesso das massas à leitura, mas também perpetuando um ciclo de exclusão cultural. Reconhecer a importância dessas obras é fundamental para resgatar o hábito da leitura em um país onde ela está em declínio.
Para reverter esse cenário, é essencial adotar uma abordagem inclusiva e abrangente. É preciso valorizar todos os gêneros literários, reconhecendo o potencial transformador de cada um, e investir em políticas públicas que incentivem o hábito de ler, em todos os níveis. Reformular a educação, integrando práticas pedagógicas que estimulem o prazer pela leitura e a diversidade literária, é um passo crucial. Além disso, aproveitar as tecnologias digitais para ampliar o acesso a e-books e audiolivros pode ajudar a atrair novos públicos.
O declínio da leitura no Brasil não é apenas um reflexo dos problemas educacionais e culturais, mas também um alerta sobre a necessidade de promover uma transformação coletiva. Livros de autoajuda e livros religiosos têm um papel indispensável nesse processo, ao oferecer ferramentas que incentivam tanto o crescimento individual quanto a coesão social.
Resgatar a leitura como hábito cultural é mais do que um desafio; é uma oportunidade de construir uma sociedade mais justa, equilibrada e solidária.
(*) André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito pela USP; especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social e mestre em Economia Política pela PUC/SP; Cientista Político pela Hillsdale College; doutor em Economia pela Princeton University; Comendador Cultural, Escritor e Professor.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.
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