Em junho de 68, por Valfrido M. Chaves
Piscou, o tempo passou! Foi em meados de junho, e o regime militar caminhava para maior “endurecimento”, sob a justificativa do “combate à subversão”.
A “luta armada” se ensaiava, os “movimentos de massa” com protestos relâmpagos e passeatas assustavam o todo-poderoso regime.
O “Correio da Manhã”, “o Pasquim” eram redutos de resistência democrática ao autoritarismo e censura vigentes. Ainda não se falava em “terrorismo”, tortura, desaparecimentos.
Véspera de provas, o “movimento estudantil” se recolhia. Numa quinta feira, de tarde, na pensão, terminara de resolver uma tarefa de matemática financeira, quando me avisaram: “tem uma pessoa procurando por Você ... tá de terno...”
Voltei uma semana depois, na madrugada de sexta para sábado, logo após a “Passeata dos cem mil”. “Conhecera” alguns quartéis, PF, Dops, Galeão. Não foi um passeio, mas poderia ser bem pior, como verá o leitor.
Eu estava numa lista de uns 20 alunos da Escola de Sociologia e Política, da PUC-RIO, vi a lista na PF. Precisavam pegar 3 ou 4, passaram na casa de um, pensão de outro, até completar.
Haveríamos de compor um vasto “quadro de subversivos” que estaria armando um golpe comunista e diante do qual o Costa e Silva estaria dando moleza.
Assinaríamos um IPM sabe-se lá de que tamanho, justificativa para um golpe da linha dura, um golpe no Golpe. A coisa foi iniciada com nossa prisão e a de uns duzentos estudantes na Reitoria da Praia Vermelha, estes levados para o campo do Botafogo e logo soltos.
Foi uma provocação e, na sexta feira, houve uma verdadeira batalha na Av. Rio Branco. A PM foi mandada sem munição, para apanhar, como apanhou. Seria a senha para o golpe que não houve, porque o comandante do Rio deu prá trás.
Cheguei nessa sexta num quartel em Campinho, vi os tanques serem municiados, receberem combustível, fui interrogado. A prontidão já durava dias, ninguém entendia o por quê. Sábado cedo, vi a soldadesca sair de traje passeio, acabara a “prontidão”, a ameaça subversiva, o golpe.
Fomos mandados para o Galeão, uns trinta pés-de-chinelo, de onde, na sexta da “Passeata dos cem mil”, fomos mandados para o Dops e libertados. Nessa época o Parasar, conforme denuncia que abortou a missão, teria recebido ordens de preparar-se para jogar subersivos no mar.
Se os chilenos faziam, como poderíamos ficar para trás? Fato é que estávamos ali, no Galeão, no jeito... Ainda em 68 a “Frente de Esquerda da PUC”, da qual fazia parte, que organizava os movimentos de massa, foi dissolvida pela liderança, pois esta concluira que tais movimentos estavam apenas propiciando o crescimento da “direita progressista”, ou seja, o movimento pela redemocratização e não a substituição da ditadura militar por outra, totalitária, marxista-leninista.
Foi quando partiram para os “aparelhos” acreditando que, na ditadura militar, haveria mais chance de obterem adesão à sua causa. Fui testemunha, eu estava lá. Mas esta é uma “Verdade sem Comissão”, caro leitor.
Além de descortinar a barbárie da repressão, tal comissão abordará o aspecto antidemocrático da luta armada? Mostrará algum documento dos promotores desse movimento mostrando o empenho na redemocratização? Colherão meu depoimento? Duvido.
(*) Valfrido M. Chaves é psicanalista.
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