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Fiscalização de trânsito por guardas municipais

Márcio Almeida | 26/05/2023 09:00
Márcio Almeida é advogado e assina o artigo. (Foto: Divulgação)
Márcio Almeida é advogado e assina o artigo. (Foto: Divulgação)

Nesta semana o Congresso Nacional converteu a Medida Provisória (MP) 1153/2022 em projeto de lei e cujo conteúdo original, embora visasse alterar alguns aspectos do Código de Trânsito Brasileiro, dispunha somente sobre a prorrogação da exigência do exame toxicológico periódico, assim como quanto ao seguro de cargas e por fim quanto a cessões de Analistas de Infraestrutura e Especialistas em Infraestrutura Sênior nada abarcando sobre as competências de fiscalização de trânsito no âmbito dos Municípios, contudo, na conversão da MP, o texto recebeu diversas emendas e entre as quais a emenda prevista ao artigo 280 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro) com a adição do §5º que na prática coíbe o exercício do Poder de Polícia de Trânsito por Guardas Municipais. Um contrassenso!

Este “contrabando legislativo” que veda o exercício de Poder de Polícia de Trânsito por Guardas Municipais deve ser vetado pelo Presidente da República e motivos não faltam, primeiro, a proposta padece de interesse público, ao passo que Guardas Municipais para atuar na fiscalização de trânsito são capacitados e autorizados pelos órgãos executivos de trânsito contribuindo na organização das cidades e no respeito as leis de trânsito. A propósito, o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário de nº 658.570 de Minas Gerais reconheceu como constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive para imposição de sanções administrativas legalmente previstas, em consonância também ao disposto no artigo 5º, inciso VI, da Lei 13022/14 que atribui como competência das Guardas Municipais o exercício de fiscalização de trânsito.

Bem, não é somente por motivos de mérito da matéria que se inquina de ilegalidade o texto final da conversão da MP em Lei é também por imperativo constitucional do processo legislativo que aduz acerca da própria natureza das medidas provisórias, que exigem para a sua edição, não só a relevância da matéria como a urgência, de maneira que, a MP em questão, no tocante ao tolhimento das competências atribuídas para a fiscalização de trânsito carreadas às Guardas Municipais não detém a mínima urgência, do contrário, a urgência é para manter a atividade de fiscalização de trânsito também para os Guardas Municipais, pois a propósito, o último relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Status Report on Road Safety, informa que o Brasil detém o terceiro maior número de mortes no trânsito, o que impõe cautela em qualquer política que venha retirar agentes públicos da constante e necessária fiscalização de trânsito.

Por outro lado, o próprio Congresso Nacional por meio da Resolução nº 1, de 2002, prevê em seu artigo 4º, §4º “que é vedada a apresentação de emendas (em medidas provisórias em sede conversão para Lei) que versem sobre matéria estranha àquela tratada na Medida Provisória”,  ou seja, com fundamento em resolução do Congresso Nacional se tem a remansosa inconstitucionalidade da emenda em debate, ao passo que, a emenda que coibi guardas de realizar a fiscalização de trânsito não guarda qualquer afinidade ou relação com a matéria original da MP convertida.

Neste passo, o Supremo Tribunal Federal na ADI 5127 notificou o Congresso Nacional para que deixe de incluir em medidas provisórias editadas pelo Poder Executivo emendas parlamentares que sejam estranhas a matéria tratada na respectiva Medida Provisória, visando com isto por fim aos “jabutis” e ao “contrabando legislativo”. A relatora do caso, Ministra Rosa Weber, lembrou no voto que o uso de medidas provisórias se dá por motivos de urgência e relevância da matéria, cuja análise compete ao chefe do Poder Executivo. E, de acordo com a ministra, a jurisprudência do STF aponta no sentido de que, em se tratando de matéria sob reserva de iniciativa do Poder Executivo, há necessidade de pertinência temática entre a emenda parlamentar e o conteúdo da norma original, e salientou ainda que  mesmo que a matéria versada na emenda -  ainda que não sujeita à reserva de iniciativa do chefe do Poder Executivo -    deve levar em consideração a relevância e a urgência a merecer o rito especial do processo de conversão de medida provisória em lei.

Diante disto é dizer que é irreconciliável a constitucionalidade da emenda proposta que visa tolher a fiscalização de trânsito por parte de Guardas Municipais o que impõe o veto presidencial em relação a matéria que não guarda relevância e nem urgência, e adentrou no rito especial da MP por mera conveniência corporativa sem respaldo no interesse público. Conquanto, se assim o Presidente da República não agir, caberá a competente ação para expurgar do ordenamento tão nociva emenda em nome da segurança jurídica e da paz no trânsito.

Márcio Almeida Advogado

marcioalmeidaadvogado@gmail.com

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