Mulheres na Ciência: há motivos para otimismo
Ainda são muitas as perguntas quando se trata de um tema tão importante como o da luta pela equidade profissional das mulheres neste século XXI. Quais ações são de fato mais efetivas para corrigir a desigualdade estrutural que permeia, em menor ou maior grau, todas as camadas da sociedade quando falamos de gênero? Na busca por respostas, aprendemos que não há soluções mágicas para acelerar a desconstrução de uma cultura milenar que ainda sustenta o “velho” e o “novo” patriarcado.
É um desafio à inteligência humana que ainda tenhamos que enfrentar os espantosos índices de violência contra as mulheres, com números crescentes de feminicídios, em um país que busca com tanto empenho afirmar-se como uma sociedade democrática.
Torna-se cada vez mais imperiosa a adoção de políticas públicas que apoiem e sinalizem os objetivos de redução da desigualdade. É preciso criar estímulos e divulgar exemplos que mostrem às meninas e adolescentes que a sociedade não mantém lugares fixos para quem nasceu homem ou mulher. Claro que houve avanços no Brasil nas últimas décadas, mas eles são insuficientes, e aqui também procuramos respostas.
Essas ações acontecem em um quadro complexo, primeiro porque os prejuízos da desigualdade estão distribuídos de forma diferente entre as classes sociais, penalizando muito mais as camadas pobres da população. Além disso, não raro, a desigualdade é incorporada pelas próprias mulheres. A pandemia pode servir de reflexão sobre o quanto as mulheres foram penalizadas, independente da condição educacional ou social.
Não há como estabelecer, da noite para o dia, novas posturas profissionais entre homens e mulheres. Mas há muitas experiências exitosas que precisam ser valorizadas e ganhar visibilidade. Nosso desafio é multiplicá-las em grande escala.
No campo da universidade e da pesquisa científica, os números da desigualdade são bem conhecidos e mostram-se resistentes a mudanças quando o objetivo é chegar ao topo das carreiras.
Levantamento recente do Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ações Afirmativas (Gemaa), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), referenda o que já se sabe sobre a presença das mulheres nos cursos de pós-graduação (veja aqui).
O trabalho abrange os 105.575 docentes vinculados aos cursos de pós-graduação em 80 áreas de conhecimento. Em somente 34% dessas áreas, as mulheres estão presentes em quantidades semelhantes ou superiores aos homens. No conjunto de docentes que dão aula nos cursos de pós-graduação, os homens correspondem a 58% do total.
A escala que compara as participações masculina e feminina nos cursos de pós-graduação tem no seu extremo as engenharias Naval e Oceânica, nas quais a presença masculina é de 96%. Na outra ponta da classificação está o curso de Fonoaudiologia, com forte predominância feminina (85%). Entre os dois, a constatação mais preocupante coloca à prova os esforços em busca do marco civilizatório que é a redução da desigualdade. As áreas incluídas na categoria STEM, da sigla em inglês para Science, Technology, Engineering and Mathematics, continuam, assim como no passado, um espaço majoritariamente ocupado por homens. Essa realidade está marcada de forma particular nas engenharias Elétrica (89%), Mecânica (86%), ou Aeroespacial (85%). Nas ditas ciências básicas, a comparação também segue comportamentos tradicionais, em um padrão onde a Física (85%) e a Matemática (78%) continuam com forte predominância masculina, preponderância que se reduz na Química (67%) e na Biologia Geral (45%).
O Prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher”, de 2022/23, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), foi uma demonstração de quanto as intuições educacionais e cientificas podem colaborar nesse processo. A edição voltada para meninas de ensino médio e de graduação registrou quase 500 candidatas indicadas, de diversos pontos do Brasil. Ações dessa natureza são um chamado às jovens com potencial para se tornarem protagonistas de um novo momento de afirmação da cidadania.
Visam mudar um cenário no qual milhares de mulheres que podem contribuir para a valiosa força de trabalho qualificada das universidades, fator essencial para uma sociedade que almeja abandonar o subdesenvolvimento, fazem suas opções baseadas em papéis não mais tradicionais. Importante destacar aqui o papel de muitos cientistas destacados engajados na equidade na ciência.
Vivemos claramente um processo de mudanças de mentalidades que vai rompendo a barreira do “pensamento tradicional”. Hoje, ao contrário do que ocorria no passado, tornou-se uma missão básica da universidade atuar como protagonista institucional nesse processo, criando condições para gestar um novo cenário de redução das desigualdades de gênero. Otimista, parabenizo todas as mulheres com a frase de um poeminha que escrevi em 2010: “Mulher, me encanto com as manhãs que me enchem de felicidade de ver o tempo passar, sem medo de velha ficar”.
(*) Vanderlan da Silva Bolzani é professora titular da Unesp.