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Os benefícios econômicos, sociais e federativos da reforma tributária

Francis Barbosa (*) | 16/07/2023 12:50

São de longa data as tentativas de aprovação de uma reforma no sistema tributário brasileiro. Há mais de 30 anos se almeja aprovação de uma proposta de reforma que efetivamente corrija as distorções econômicas, sociais e federativas associadas ao nosso sistema tributário. Nesse ínterim, inúmeros debates foram travados e projetos apresentados no Congresso Nacional, porém pode-se dizer que não lograram êxito no objetivo principal, por diversas razões, entre elas pela própria complexidade da temática e pelas incertezas inerentes a como os grupos de interesse seriam afetados pelas propostas. No jargão popular, todos querem reforma, mas ninguém quer perder com ela

Felizmente, todo esse histórico de tentativas e insucessos nacionais e a própria evolução e observância dos sistemas tributários de outros países contribuíram para que chegássemos a uma proposta madura de reforma tributária, nos moldes debatidos hoje. O cenário político atual e a própria pressão da sociedade por melhorias em nosso sistema tributário são elementos adicionais que jogam a favor de uma reforma de verdade. E, é claro, não podemos esquecer da ambição dos políticos de deixar um legado do mandato à população.

Do ponto de vista da teoria da tributação, há dois princípios essenciais a serem observados por qualquer sistema tributário: a neutralidade e a equidade. A neutralidade se materializa na não interferência dos tributos sobre as decisões de alocação de recursos realizadas pelo mercado. Em outras palavras, os recursos arrecadados pelo governo não devem alterar os preços relativos definidos pelo mercado, de forma a não gerar ineficiências econômicas e redução do nível de bem-estar da população. Isso sugere que os preços finais dos bens e serviços não sejam distorcidos pela tributação incidida nas diversas etapas da produção.

A proposta do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), já utilizado em mais de 170 países, pretende atender ao princípio da neutralidade. Nesse sistema, cada empresa pagará imposto somente do valor que adicionou ao produto ou serviço no processo de produção. Os tributos pagos nas etapas anteriores da produção, referente aos insumos, serão convertidos em créditos tributários. Dessa forma, elimina-se a tributação em cascata em gastos com energia, telefonia e transportes, por exemplo. Esse formato de tributação, por sua vez, tende a baratear o preço final ao consumidor ao longo do tempo, do qual se espera um impulso na demanda agregada capaz de alavancar o crescimento econômico nacional e gerar maior receita tributária, via ampliação da base de tributação.

A reforma prevê a criação de dois tributos no formato IVA. Um federal, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), e um estadual/municipal, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cujos recursos serão partilhados entre estados e municípios. A soma das alíquotas dos dois tributos é estimada em 25%, salvas as reduções e isenções de alguns bens e serviços. A ideia é que simplificar o sistema tributário, concentrando-o em apenas dois tributos, em substituição aos atuais PIS, Cofins e IPI (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal), além de unificar a legislação tributária

O princípio da equidade consiste em garantir uma distribuição equitativa do ônus tributário pelos indivíduos. O objetivo é dar um tratamento equiparado, em termos de contribuição, aos indivíduos considerados iguais (igualdade horizontal), e tratar diferenciadamente os desiguais (igualdade vertical), segundo critérios definidos. O estabelecimento desses critérios se pauta em dois princípios, o do benefício e o da capacidade de pagamento. O primeiro apregoa que a repartição do ônus tributário entre os indivíduos se dê proporcionalmente ao benefício auferido do uso de bens e serviços fornecidos pelo governo. O segundo recomenda que essa repartição considere as respectivas capacidades individuais de contribuição. São evidentes as dificuldades práticas inerentes aos dois princípios em agregar os iguais e separar os desiguais. Contudo, a essência deles é norteadora das propostas tributárias que visam à equidade.

A reforma tributária prevê a tributação zero nos produtos da cesta básica, um claro aceno ao princípio da equidade e à progressividade da tributação. A desoneração dos produtos da cesta básica seria de fundamental importância para as famílias mais pobres, haja vista que os custos desses itens essenciais comprometem relevante parcela de seus rendimentos. Uma alternativa aventada foi o “cashback do povo”, a devolução de parte do imposto pago pelas famílias, sobretudo às mais pobres. As duas propostas mencionadas são exemplos de aplicação do princípio da equidade. É mister pontuar que em ambas há o potencial de incremento do crescimento econômico nacional e geração de empregos via elevação do consumo das famílias mais pobres, cuja teoria keynesiana nos ensina ser de grande valia devido à alta propensão a consumir e aos efeitos multiplicadores da renda e do emprego.

Por fim, além dos princípios de tributação discutidos, está presente na reforma tributária a preocupação com a redução das disparidades regionais e socioeconômicas causadas pelas distorções de arrecadação entre os entes federativos. Entre as propostas para viabilizar essa justiça federativa tributária estão a arrecadação no local de consumo do bem ou serviço, a criação de fundos de combate à pobreza com a participação da sociedade civil, a definição dos critérios de partilha do Fundo de Desenvolvimento Regional, além da criação do Conselho Federativo. A governança do referido Conselho constitui-se um ponto delicado de negociação, dado que há dissenso sobre os interesses e poder de voto das 27 unidades da federação que o compõem.

Segundo análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) sobre uma versão preliminar da proposta de reforma tributária, ela beneficiaria as regiões menos desenvolvidas e os municípios mais pobres, sem necessariamente prejudicar os mais ricos. A estimativa é de benefício para 85% dos municípios brasileiros, diminuindo a desigualdade das receitas estaduais e municipais. Isso seria alcançado pela combinação de uma regra gradual de transição tributária e de aceleração do crescimento econômico oriundo da reforma

Embora ainda não saibamos o desfecho final do texto da reforma e seus reais impactos à sociedade ao longo da transição tributária, é meritória e louvável a iniciativa do Congresso Nacional e do governo de levar adiante essa pauta tão cara à história recente do país e que abre caminho para outras discussões relevantes à sociedade, como as mudanças na tributação de renda e de patrimônio, inclusive na tributação de grandes fortunas. Acompanhemos com otimismo o processo!

(*) Francis Régis Gonçalves Mendes Barbosa é professor de Economia da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, economista, Doutor em Desenvolvimento Regional e Agronegócio.

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