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Pandemia: a quarta onda e nova variante

Luiz Carlos Dias (*) | 01/12/2021 08:30

O mundo começa a enfrentar uma "quarta onda" da covid-19 e uma nova variante do vírus, que continua evoluindo, apareceu. O vírus já ceifou a vida de mais de 5.2 milhões de pessoas no mundo (quase 615 mil só no Brasil), números bem subnotificados. A Europa, que tem muitas vacinas e boa parte da população que se nega a se vacinar, voltou a ser o epicentro da pandemia. Vários países estão adotando fortes medidas de restrições sanitárias. O aumento de casos registrados na Europa se deve ao relaxamento nas medidas de segurança sanitária não farmacológicas, como o uso de máscaras, às aglomerações permitidas em locais abertos e fechados com pouca ventilação, aliado à baixa taxa de vacinação em alguns países.

O que está acontecendo na Europa é uma prévia do que poderá acontecer no Brasil em 2022, antes mesmo da chegada do inverno, então é preciso vacinar a população brasileira até alcançarmos o percentual de 95% de pessoas vacinadas com duas doses e com a dose de reforço para os grupos prioritários. Se ocorrerem aglomerações nas festas de final de ano e no carnaval, poderemos voltar a repetir, em 2022, medidas de restrição de movimento, como lockdown, com consequências ainda mais graves. O uso de máscaras, principalmente em locais fechados e com pouca ventilação, o distanciamento físico e a proibição de aglomerações são essenciais para diminuir o espalhamento de novas variantes do vírus. Aglomerações aumentam muito a probabilidade de contágio e surtos podem ocorrer em populações suscetíveis, principalmente nos não vacinados.

Ômicron - a nova variante de preocupação

Cientistas sul-africanos detectaram uma nova variante do vírus Sars-Cov-2 e divulgaram o resultado para o mundo de forma ética e transparente. Essa nova variante de preocupação foi batizada de Ômicron pela Organização Mundial da Saúde/OMS. A Ômicron é a 15ª letra do alfabeto grego e se junta às variantes Alfa, Beta, Gama e Delta, na lista de variantes de preocupação (VOC, Variants Of Concern, em inglês). A Ômicron é a variante com o maior número de mutações preocupantes detectadas até agora. Dados preliminares mostram que ela possui cerca de 50 mutações, sendo pouco mais de 30 mutações na proteína S (Spike). Dessas mutações na proteína S, cerca de 10 tem características que podem afetar sua transmissibilidade, ou seja, apresentam potencial para o vírus infectar mais facilmente as células humanas (as células ECA-2). Essas 10 mutações ocorrem na região conhecida como domínio de ligação ao receptor (Receptor Binding Domain, sigla RBD), que o vírus usa para se ligar nas células humanas.

As vacinas em uso contra a covid-19 têm como alvo justamente essa parte da proteína S, as proteínas no domínio de ligação ao receptor. Os anticorpos neutralizantes produzidos pelas vacinas reconhecem esta parte da proteína S. Foram mutações nesta proteína, por exemplo, que tornaram a variante Delta mais contagiosa. A Ômicron mostra uma taxa de evolução superior às variantes anteriores, com mais mutações na proteína S. Essa nova variante apresenta algumas mutações em comum com as variantes anteriores, mas também apresenta mutações novas que não tinham sido observadas previamente. Os cientistas vão precisar de algumas semanas para compreender o nível de transmissão e a virulência da Ômicron.

Como ocorrem as mutações

As mutações ocorrem ao acaso, pois o vírus está tentando se adaptar ao organismo do hospedeiro, os seres humanos. Esse processo é bem rápido devido a simplicidade genética do vírus. Com sua alta capacidade de utilizar a maquinaria genética nas nossas células para se multiplicar, quanto mais o vírus se espalhar e mais pessoas forem infectadas, mais mutações vão ocorrer.

Esta é uma evolução natural. Novas mutações podem ocorrer nos milhares ou milhões de cópias que o vírus gera no organismo humano. Quando estas mutações ocorrem e fornecem ao vírus uma vantagem seletiva em termos evolutivos, ele começa a se espalhar de forma mais rápida. Então, se um conjunto de mutações levar a uma versão mais transmissível, o vírus pode se replicar mais rapidamente e temos aí uma variante de preocupação.

Eu creio que em algum momento, o coronavírus chegará perto de seu limite evolutivo, pois existe um ponto de estabilização na genética do vírus. Mas não podemos correr riscos, então é fundamental vacinar mais rápido toda a população mundial para impedir o processo de evolução do coronavírus.

Apesar de ser considerada uma variante de preocupação pela OMS, ainda não sabemos se a Ômicron levará a aumento da transmissibilidade, se vai alterar a epidemiologia da covid-19, se será mais virulenta ou letal, se vai mudar a apresentação clínica da doença ou se vai diminuir a eficácia das vacinas. No Brasil, a Ômicron terá que brigar por espaço com a Delta, que hoje já responde por cerca de 90% dos casos de covid-19 no país, segundo a rede genômica da Fiocruz. A nova variante também terá pela frente uma população que está aderindo à vacinação. Isso nos traz confiança, mesmo assim precisamos vacinar rapidamente a população para atingir algo próximo de 95% de imunizados, incluindo adolescentes e crianças de 5-11 anos, quando tivermos vacinas aprovadas para essa faixa etária. Vamos precisar manter as medidas não farmacológicas, o uso de máscaras, o distanciamento físico, evitar locais fechados e com pouca ventilação, aumentar a testagem, isolar os infectados e monitorar seus contatos imediatos, além da necessidade de realizar vigilância genômica para monitorar o aparecimento de variantes.

As vacinas vão funcionar contra a nova variante?  

As vacinas em uso contra a covid-19 foram desenvolvidas quando outras variantes estavam circulando no mundo, mas todas são eficazes contra todas as variantes que vieram depois, a Alfa, Beta, Gama e a Delta. Mesmo que algumas percam um pouco de eficácia com a primeira dose, elas recuperam a eficácia com a segunda dose e com a dose de reforço. Por isso, é fundamental completar o esquema vacinal. Os grupos prioritários devem tomar as doses de reforço. As vacinas são, junto com as medidas não farmacológicas, nossa melhor estratégia contra todas as variantes do vírus. E nós temos plataformas de vacinas versáteis que vão permitir atualização para as cepas das novas variantes, caso seja necessário. Além disso, no futuro, certamente teremos vacinas mais robustas, que podem produzir anticorpos de mucosa, anticorpos IgA, quem sabe protegendo da infecção.

Eu creio que seja pouco provável que a nova variante Ômicron se propague com força entre as populações já vacinadas, pois nós já vimos que as vacinas ajudam a diminuir a transmissão da variante Delta em pessoas vacinadas. A ciência já acumulou evidências que permitem afirmar que pessoas não vacinadas, quando infectadas, têm maior carga viral e transmitem mais, enquanto pessoas vacinadas, caso sejam infectadas, tem covid mais leve, a doença dura menos tempo, elas transmitem menos e por menos tempo, pois tem menor carga viral. Com maior cobertura vacinal, menor a transmissão, menor o risco de novas mutações, pois a capacidade evolutiva do vírus é menor em pessoas vacinadas, ou seja, o vírus sofre menos mutações em pessoas vacinadas. O vírus sofre mutações se continuar se espalhando livremente em populações não vacinadas, então é fundamental diminuir ao máximo o número de pessoas não vacinadas. Mesmo que pessoas vacinadas sejam infectadas, os casos mais graves vão continuar acontecendo entre os não vacinados.

Ao vacinar, nós treinamos o nosso sistema imunológico para produzir anticorpos neutralizantes (que reconhecem pedaços da proteína S e se ligam nessa parte do vírus, neutralizando o vírus) e anticorpos não neutralizantes, que se ligam a outras partes do vírus. Esses anticorpos neutralizantes são proteínas, moléculas químicas, aminoácidos, que podem reconhecer inclusive mutações que ocorram nesta parte da proteína S. A proteína S, no seu domínio de ligação ao receptor, tem centenas de aminoácidos e a maior parte deles fica lá, mesmo nas variantes de atenção como a Ômicron. Alguns poucos aminoácidos mudam nesta região, mas talvez não de forma a modificar muito a resposta de proteção conferida pelos anticorpos neutralizantes produzidos pelas vacinas. Então esses anticorpos podem reconhecer essas novas variantes de preocupação, a não ser que ocorram dezenas de mutações, o que não parece ser o caso. Além dos anticorpos, existe ainda uma resposta celular que tem um papel fundamental, reconhecendo células infectadas pelo vírus.

Essa nova variante pode ser mais transmissível que a Delta e, se for o caso, a tendência é que a Ômicron se espalhe, pois, em locais com baixa taxa de vacinação, as pessoas não vacinadas se tornam susceptíveis a receber o vírus. Nós precisamos realmente nos preocupar caso a taxa de transmissibilidade da Ômicron seja muito alta, bem acima de 1 e comece a infectar pessoas imunizadas, causando casos graves, internações e óbitos nas populações totalmente vacinadas.

O momento pede cautela, vamos aguardar a dinâmica da doença com essa nova variante, mas devemos lembrar que, para combater as variantes anteriores, o mais importante foi avançar na vacinação, mantendo as medidas não farmacológicas. A preocupação deve ser vacinar todo o mundo. O mais rápido possível.

O que não podemos aceitar, nesse momento, é que o Brasil permita a entrada de pessoas não vacinadas vindas de outros países. Nós já estamos nessa luta insana contra inimigos internos que defendem o vírus. Nós lutamos contra o criminoso movimento antivacinas, contra o negacionismo científico, contra os pseudocientistas, contra os médicos que não seguem a ciência, contra alguns pseudojornalistas e ex-atletas, políticos e líderes religiosos defensores da farsa do kit covid para tratamento precoce, da ozonioterapia e outras falsas terapias inócuas contra a covid-19.

Para a segurança de nossa população, precisamos exigir passaporte de vacinação, testando todos que entram no país por terra, ar e mar. O controle nos aeroportos é essencial, pois é principalmente através do tráfego aéreo que essas variantes chegam e se espalham pelo País, criando cadeias de transmissão internas. Temos que cobrar do Governo Federal e do Ministério da Saúde, a proteção de nossa população, exigindo a defesa de posições e políticas sanitárias embasadas na ciência para proteger o cidadão brasileiro.

Restrições direcionadas aos países de origem da nova variante não são a melhor estratégia, pois as pessoas podem vir de pontos secundários, onde já ocorre a transmissão.

Vacinação lenta nos países de baixa renda preocupa

O Brasil tem uma cobertura vacinal satisfatória, estamos próximos de atingir 75% de vacinados com uma dose e 63% com duas doses ou com a dose única da Janssen. Mas cerca de 25% da população sem nenhuma dose, é muita gente, são cerca de 54 milhões de pessoas.

No entanto, esta situação é ainda mais complicada nos países de baixa renda. O mundo fracassou miseravelmente em distribuir vacinas de forma justa e teremos que lidar com as ameaças de novas variantes de preocupação. Hoje, cerca de 40 países de baixa renda continuam com uma cobertura de primeira dose de vacinas menor que 10% de suas populações. Segundo o site ourworldindata, há apenas 5.9% de pessoas vacinadas com pelo menos uma dose nos países africanos e no Oriente Médio. Na América, o Haiti tem apenas 1% de sua população vacinada. A enorme desigualdade na distribuição de vacinas permite que o vírus circule livremente nas populações mais vulneráveis nos países de baixa renda, onde as taxas de vacinação são baixíssimas.

Há uma enorme inequidade na distribuição de vacinas. Se os países mais pobres não forem vacinados, a pandemia não vai acabar e teremos que ficar abrindo e fechando fronteiras por anos. E vamos continuar perdendo vidas para a covid-19. Some a isso o egoísmo e a falta de empatia de pessoas que têm acesso às vacinas em países de renda média ou alta, mas que se recusam a serem vacinados por ignorância ou qualquer outra razão mesquinha. Esses países têm a obrigação moral de vacinar suas populações e enviar vacinas para as populações mais vulneráveis. Um dos maiores aprendizados dessa pandemia é que se uma nova variante mais transmissível surge, a tendência é que ela se espalhe pelo mundo. Com o aparecimento da Ômicron, nós deveríamos estar observando centenas de aviões saindo dos países de renda média e alta, levando vacinas para essas populações. Infelizmente não estamos. E não basta ter vacinas, é preciso garantir acesso, fazer a vacina chegar nos braços das pessoas, ter estratégias de logística e de comunicação efetivas.

Flexibilização no uso de máscaras

Alguns estados brasileiros estão pensando em liberar a obrigatoriedade do uso da máscara em ambientes externos. Eu acredito não haver problema em liberar o uso de máscaras em ambientes abertos e sem aglomeração neste momento. Eu escrevi: “ambientes abertos e sem aglomeração”. Mas a população precisa ser esclarecida e entender a importância do uso da máscara nos cenários de risco, que são as aglomerações e os ambientes fechados. O uso da máscara e o respeito ao distanciamento físico deve continuar obrigatório em áreas internas e no transporte público, inclusive dentro das estações e terminais de ônibus. E essa decisão deve ser revista caso haja uma piora dos números da pandemia nas próximas semanas.

Algumas dicas:

- A covid-19 é transmitida principalmente pelo ar, por meio de partículas bem pequenas que permanecem flutuando em ambientes com pouca ventilação. Então, evite compartilhar o mesmo ar com outras pessoas em um ambiente sem ventilação, pois você não tem a menor ideia se alguém está contaminado. Use máscara PFF2, N95 ou cirúrgica de 3 camadas, bem ajustadas ao rosto.

- Em locais abertos, com aglomeração, mesmo com boa ventilação, o risco de transmissão existe e você não deve dispensar a máscara.

- Em locais abertos, sem aglomeração, o risco de transmissão é bem menor e você pode dispensar a máscara.

E o Carnaval 2022

Eu não vejo sentido em se programar atividades de carnaval em 2022, em um país que até o momento deixou para trás, cerca de 615 mil brasileiros (óbitos subnotificados), que perderam a vida para a covid-19. Um evento como o carnaval no país inteiro é uma ótima oportunidade para o vírus pular junto, fazer a festa, saltar de pessoa para pessoa e iniciar novo surto levando a aumento da transmissão comunitária. É preciso preservar a saúde, segurança e a vida da população brasileira, incentivando a vacinação inclusive de nossas crianças de 5 a 11 anos, pois logo teremos vacinas aprovadas para essa faixa etária, mantendo as medidas não farmacológicas. Estamos todas e todos muito desgastados, mas precisamos ter calma. A pandemia não acabou, não tem data para acabar e não vai acabar por decreto de nenhum político.

(*) Luiz Carlos Dias é Professor Titular do Instituto de Química da Unicamp.

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