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Parabéns Manoel de Barros!

Por Pedro Espíndola* | 19/12/2011 18:17

Em toda a obra de Manoel de Barros, mais de 20 livros publicados de 1937 até o último, “MANOEL DE BARROS – Poesia completa”, lançado recentemente, as palavras subvertem a ordem estabelecida, na semântica, na sintaxe e no significado propriamente dito. Quando este último não agrada, neologisa...

Ele confere novos usos para velhas palavras e novas palavras para velhos usos.

Citar exemplos não resolve nem ajuda. Lendo é que se penetra no mundo da transgressão vocabular (maravilhosa) do poeta.

A palavra, até chegar ao ponto de uso, tem que passar por rigorosos testes. “Sou mais a palavra ao ponto de entulho. Amo arrastar algumas no caco de vidro, envergá-las pro chão, corrompê-las, - até que padeçam de mim e me sujem de branco”.

“Gosto de viajar por palavras do que de trem”.

“Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina”.

Mesmo sabedor de que “Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria”, não resisto e cito:

“Onde eu não estou, as palavras me acham”.

“Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos”

“Uma palavra abriu o roupão para mim” e assim se sucede nas quase 500 páginas do Poesia completa. As 23 linhas da ENTRADA formam texto que mostra muito bem que “Não tem margens a palavra”.

Como seria bom para a alma se todos pudessem se apropriar da poesia de Manoel de Barros. Seriam mais felizes.

Fui abençoado, participando de uma aventura poética.

Em 1993 José Mindlin veio a Campo Grande para conhecer pessoalmente o poeta e propor a edição limitadíssima de um livro/arte. Deu certo.

Fui encarregado de fazer o meio de campo, receber e ciceronear o maior bibliófilo do país.

Foram dias culturalmente enriquecedores.

Acertou-se então a publicação do LIVRO DAS IGNORÃÇAS,

com apenas 300 exemplares.

Uma vez impressos, os livros foram encaminhados para mim, para serem levados ao Manoel, para serem numerados e assinados. Logo em seguida fui chamado para mandá-los de volta para São Paulo. Só que tive uma surpresa: o poeta me disse que havia encontrado dois erros e que os corrigiu.

No capítulo UMA DIDÁTICA DA INVENÇÃO, Poema I, a primeira linha diz: Para apalpar as intimidades do corpo é preciso saber: E não era nada disso e sim: Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber: (...)

No Poema VII, saiu: onde a criança diz: eu escuto voz dos passarinhos., quando o certo é: (...) onde a criança diz: eu escuto a cor dos passarinhos.(...)

Com a letrinha miúda, corrigiu os 300 exemplares...

Em importante reunião, o poeta, o editor e eu chegamos à conclusão que a moça que digitou os poemas cismou que não é possível apalpar as intimidades do mundo ou escutar a cor dos passarinhos.

Ao poeta é permitido “apalpar as intimidades do mundo” e escutar a cor dos passarinhos e esta licença nos presenteia com a possibilidade do “verbo adquirir espessura de gosma” e “escrever o rumor das palavras” e não “ser sandeu de gramáticas”.

O poeta faz 95 anos hoje. Parabéns para nós que por tê-lo.

Entretanto, comemorar nem pensar. A cultura no e do nosso Estado é pouco valorizada.

Com o título de DESABAFO CULTURAL, publiquei, tempos atrás, neste espaço, o texto abaixo:

Um poeta deste calibre, conhecido, reconhecido, reverenciado e aplaudido no Brasil inteiro e no mundo, mas pouco valorizado entre nós.

Em meados de 2006 (ano em que o poeta completou 90 anos) verifiquei que nada, absolutamente nada, seria feito para comemorar a data. Muitos tentaram. Ninguém conseguiu apoio. Sugeri então a publicação de um livro alusivo ao aniversário.

A Prefeitura Municipal de Campo Grande e Fundação Manoel de Barros (a duras penas) apoiaram e patrocinaram o projeto.

O livro “CELEBRAÇÃO DAS COISAS – Bonecos e Poesias de Manoel de Barros – 90 anos do poeta”, que deveria ser lançado em dezembro daquele ano, só saiu em dezembro de 2007, ou seja: um ano depois, na verdade no aniversário de 91 anos Livrarias do Rio, São Paulo, Belo Horizonte e de outras capitais venderam o livro.

E Campo Grande? Duas compraram, duas não quiseram e duas só aceitavam em consignação, com o seguinte argumento: “Livro regional só em consignação”, ao que eu respondia:

- Manoel de Barros não é regional, é universal.

Em uma delas, a maior, com duas lojas grandes, optei por deixar em consignação, mais para possibilitar aos interessados encontrar o livro, já que me perguntam:

- Em que livraria encontro?

Quatro meses depois, pela primeira vez, passei na tal livraria. Tava perto e resolvi dar uma olhada. Enquanto aguardava para falar com o gerente, dei uma olhada geral nas prateleiras. Não encontrei um exemplar sequer do livro que, diga-se de passagem, é diferenciado. É de formato pequeno (12X17 cm.), acondicionado num estojo e impresso em papel especial.

Assim que o gerente me atendeu, cumprimentei e comentei:

- Que bom!!! Todos os livros do Manoel de Barros foram vendidos.

- Não, não é bem assim...

- Mas eu olhei por aí tudo e não vi nenhum,

- Está aqui, quer ver? Rodou a loja toda, comigo atrás, e não achou. De repente, não mais que de repente, na parte inferior de uma gôndola, atrás dos livros de fato expostos, num lugar impossível de se ver, uma vendedora mostrou, lá estavam, escondidinhos. (Os lugares mais nobres são destinados à sub-literatura)

Indignado falei:

- Desse jeito vocês não vão vender mesmo... Acho uma falta de respeito cultural tratar com esse descaso um poeta da magnitude de Manoel de Barros.

(*) Pedro Espíndola é técnico agrícola e jornalista

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