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Paternidade da autonomia

Igor Outeiral(*) | 17/08/2022 13:50

"Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem tratar sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem ideias de formação, sem politizar não é possível” (FREIRE, 2007).

As palavras acima, ditas pelo educador e filósofo Paulo Freire, serviram de inspiração para escrever este texto, que traz a minha percepção sobre a influência da Universidade de Brasília (UnB) na vivência da paternidade.

O legado de Paulo Freire segue muito vivo na UnB. A Instituição consolidou-se como um ambiente que nos instiga a desenvolver o senso crítico e de reflexão sobre a realidade que nos cerca. A Universidade carrega, desde o começo, os ideais de autonomia, liberdade e participação. As novas práticas de gestão participativa contribuem muito para que o processo dialógico se fortaleça cada vez mais. Outro ponto importante são as ações afirmativas, que possibilitam que uma diversidade de pessoas tenham acesso à UnB. Essa transformação social tem reunido uma pluralidade de perspectivas dentro do campus, oxigenando o ambiente universitário e enriquecendo ainda mais o diálogo na comunidade universitária.

Tendo esse ambiente democrático e dialógico como referência, é que abordo a paternidade, adotando a autonomia e o diálogo como recursos na educação de minha filha. Como pai, tenho percebido a importância de uma comunicação de mão dupla, concedendo autonomia para as decisões. Nesse contexto, faço uma conexão com o pensamento pedagógico de Paulo Freire, mais especificamente, sobre os conceitos da educação dialógica, crítica e democrática. Segundo Freire (2011b), “o educador não é mais o que apenas educa, mas o que enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os argumentos de autoridade já não valem”. Nessa perspectiva, a criança se descobre como sujeito no processo educativo e nesse mesmo processo os pais também se aprimoram na missão paterna.

Na educação dialógica, estimulamos as crianças a não acumularem informações sem questionamentos, sem pensar sobre o que é aprendido. É verdade que esse processo exige paciência. Muitas vezes o imediatismo do dia a dia faz com que esqueçamos disso, adotando uma comunicação em que os pais falam e agem de uma posição hierarquicamente superior, sem valorizar o que os filhos pensam. É preciso entender que os filhos não estão a serviço dos progenitores, pelo contrário, eles nos ensinam muito mais que aprendem conosco.

Nesse caminho, o diálogo torna-se a melhor estratégia para identificar as necessidades das crianças, mas não é fácil. Somos desafiados diariamente, seja por falta de tempo ou mesmo de conhecimento. Passamos por dilemas que desafiam nossos limites para resolver questões urgentes do dia a dia. Para que eles cresçam, tecemos uma colcha de retalhos, entendendo que a educação tradicional transmitida pelos nossos antepassados – baseada em memorização do conhecimento e obediência – precisa ser substituída por conceitos mais empáticos sobre educação infantil.

Os novos tempos pedem uma educação mais humanista, que desenvolva a capacidade de julgamento, que valorize a criança como um ser autônomo, participativo, que convive bem e aceita as diferenças. Uma sociedade evoluída incentiva o protagonismo desde a infância, para que as crianças possam se expressar com mais alegria, liberdade e criatividade. Dentro dessa lógica, precisamos, por exemplo, incentivar mais as descobertas e as vivências sem fazer uso do “não”, ou seja, do julgamento prévio e, também, evitar expectativas sobre o que a criança vai ser quando crescer, para não tolir desejos e/ou tendências naturais.

O objetivo de todo esse esforço, paciência e amor para educar é que, lá na frente, nossos filhos tornem-se cidadãos autônomos, conscientes, empáticos e, sobretudo, com senso crítico para decidir sobre qual caminho da história seguir.


FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 50ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011b.

(*) Igor Outeiral é mestre em Design e servidor da Universidade de Brasília.

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