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Quantas oportunidades a quem já demonstrou inaptidão com a terra e a vida?

Por Frederico Daia Firmiano e Silvia Adoue | 29/02/2012 06:44

As famílias do acampamento “Alexandra Kollontai”, de Serrana, na região de Ribeirão Preto, ocuparam no sábado, dia 11, e pela 6a vez, a Fazenda Martinópolis, de 1.817 hectares, onde funcionou, a partir de 1975, uma usina de açúcar e álcool . Esse povo, organizado pelo MST, está acampado já faz 4 anos.

A área da fazenda já foi maior. E a exploração data de mais de um século. Foi fazenda de leite, café, amendoim, milho, arroz, com casa de fubá e rapadura. Contam os ex-colonos que um ramal das linhas férreas da Mogiana atravessava os cultivos, e a “Maria Fumaça” se detinha numa estação pequena. Num dos limites da fazenda, corre o rio Pardo. Hoje só tem cana, excetuando um pequeno roçado de milho e soja. Porém, bem no meio, na baixada, uma área fica sem cana, sem milho, sem rapadura, sem arroz. Mal cresce o mato. Dizem os velhos que ali era a senzala, lugar cheio de pedras, onde ainda se podem ver as argolas nas quais os escravos ficavam acorrentados.

Com a imigração, dentro da Martinópolis, se instalaram duas colônias, a São Pedro e a Bebedor, que abrigaram 40 famílias. E havia uma estradinha com duas carreiras de flamboyant, que unia as colônias com a sede.

Lembram os velhos colonos que foi em 1972 que virou fazenda de cana, começou a contrair dívidas e, em 1975, com o Pró-álcool, conseguiu se reerguer. Chegou a ter mais de 1000 trabalhadores durante os períodos de safra. Lá pelo ano de 1995 foi o início da decadência. Passou a dever aos trabalhadores (sofrendo inúmeros processos trabalhistas) aos empreiteiros e ao fisco, segundo consta no Cadastro da Dívida Ativa do estado de São Paulo. Por esse último motivo, corre um processo na Vara Pública de Ribeirão Preto. Procuradoria Geral do Estado.

A Usina Martinópolis e a Fazenda Martinópolis foram arrendadas pela Usina Nova União quando já estavam afundadas em dívidas. A empresa arrendatária encarregou-se de fazer ainda mais dívidas, continuou com a sonegação de impostos, conforme consta no Cadastro da Dívida Ativa do Estado de São Paulo, e deixou de pagar os trabalhadores, como o indicam os processos trabalhistas que tem que enfrentar. Mas as suas façanhas não ficam por aí. Os cortadores de cana eram contratados por meio de gatos. Consta, segundo informação da FUNAI de Mato Grosso do Sul, que 300 eram indígenas de Mato Grosso do Sul.

O Ministério do Trabalho acompanhou e fez a denúncia. Esta informação foi divulgada no jornal A Cidade, de Ribeirão Preto, e no jornal Hoje Em Dia, de Belo Horizonte. A Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região investiga a Nova União por driblar os compromissos trabalhistas: o transporte e o alojamento eram precários, faltavam equipamentos de segurança no trabalho, o ganho por produtividade levava os cortadores à exaustão, não se pagavam as contribuições legais, demitiam-se os trabalhadores em caso de greve. (Esta informação foi divulgada pelos jornais A Cidade e A Tribuna, ambos de Ribeirão Preto.) Além disso tudo, a monocultura produziu um enorme passivo ambiental, e a usina foi multada pela CETESB, que fiscaliza e autua em favor da proteção ambiental no estado de São Paulo.

O imbróglio não fica por aqui. O labirinto de irresponsabilidade e ocultamento inclui o arrendamento da empresa arrendatária, a Nova União, entre outras, pela Prince Partner Empreendimentos e Participações Ltda. A lisura desta empresa pode ser avaliada pelo fato de constar como sócio o nome de Humberto Duarte Lopes, jovem investidor que morreu com 4 anos de idade, e que, mesmo depois de desencarnar, recebeu em sua conta corrente o valor de R$ 600.000,00, depositados por Ari Natalino, na época dono da empresa Petroforte. Ari Natalino, também falecido, foi considerado chefe de uma quadrilha investigada por várias CPIs do Congresso Nacional, conforme denúncia apresentada pelo 15º Promotor de Justiça da Comarca de São Paulo Arthur Migliari Jr. em agosto de 2007 perante o Ministério Público Estadual na 18a Vara Cível de São Paulo, Capital.

No início de fevereiro, a juíza da Vara Cível de Serrana, Andréia Schiavo, acatou o pedido de recuperação judicial feito pela Nova União, apesar da usina nem ter processado a safra de 2011/2012. A juíza deu 60 dias para a consultora Deloitte Touche Tohmatsu, nomeada administradora judicial, apresentar o plano de recuperação da usina. Foram 5 as empresas que se uniram para solicitar a recuperação judicial: Nova União Açúcar e Álcool, Agropecuária Campo Limpo, Agropecuária Ipê, Santa Maria Agrícola e Sociedade Agrícola Santa Mônica.

Quantas oportunidades serão dadas a quem já demonstrou inaptidão para lidar com a terra, a vida, os trabalhadores?

Muitas das famílias que disputam a área, para fins de reforma agrária, gastaram parte da sua vida para construir a riqueza da usina. Dona Maria, por exemplo, filha e neta de colonos, que lembra da estradinha dos flamboyants. Seu Silva, que também foi empreiteiro, recrutava 60 trabalhadores por safra, teve que vender os ônibus para pagar os que contratou, e nunca conseguiu reaver um tostão do dinheiro devido pela empresa. Seu João, que chegou a ser ensacador e terminou embaixo da ponte. Descendentes de caboclos, de trabalhadores escravos, de imigrantes italianos que vieram para cuidar das plantações do café, de migrantes nordestinos atraídos pela colheita da cana e pelo boom do Pró-alcool. Eles olham para essa terra onde ficou parte do seu sangue.

E, hoje, gentes de todos os estados. Ex-posseiros expulsos de Mato Grosso e Paraná, pelos pastos e pela soja. O povo das periferias que desbordam de desemprego. Todos imaginam o milho, a melancia, o feijão, as cambuquiras despontando, as bananeiras, uma linha de café do lado da mangueira. Bem ali, onde hoje corre só a vinhaça que envenena a terra. Querem um rio Pardo limpo, onde possam pescar.

(*) Frederico Daia Firmiano e Silvia Adoue sao pesquisadores dos movimentos sociais. Juntos, elaboraram o Dossie Movimentos Populares.

 

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