Revitalização e interculturalidade das línguas indígenas
Uma pergunta que desencadeia o tema da situação das línguas indígenas no Brasil não é simples de ser respondida: todos os indígenas falam Tupi-Guarani?
Tupi-Guarani é um dos troncos linguísticos indígenas, então não seria apenas um idioma e, conforme a localidade, abrange grupos étnicos específicos. Outro fato importante e histórico é a imposição da língua portuguesa pela catequização de nossos povos: a resistência das línguas indígenas infelizmente não foi possível para todos os povos remanescentes.
No Brasil, são 305 etnias diferentes e 274 línguas nativas nos registros do Censo de 2010. Após o ano internacional das línguas indígenas promovido em 2019 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, não houve mudanças significativas que impactassem os não indígenas.
Em um olhar por dentro da Universidade, percebe-se a falta de interesse da própria comunidade acadêmica de conhecer as pesquisas feitas por indígenas e da relevância científica neste sentido. As pessoas em geral se acomodaram com o que foi ensinado há tempos nas escolas pelos livros didáticos.
Nesse sentido, existe a necessidade de a comunidade acadêmica buscar formação sobre os povos indígenas no Brasil, com recorte específico para o Rio Grande do Sul. Isso já é possível na disciplina Encontro de Saberes, disponibilizada semestralmente pela UFRGS.
Faltam projetos de extensão com protagonismo de professores universitários indígenas, como a mestra Iracema Kaingang, que possui reconhecimento na comunidade indígena, mas não podemos dizer que haja o mesmo reconhecimento da UFRGS, já que não foi reconhecida com o título de notório saber pelos anos de serviços prestados e formação de professores e estudantes de diversas áreas.
Existe vontade de compartilharmos nossos conhecimentos na Universidade; no entanto, é difícil romper barreiras do racismo institucional e fomentar pesquisas na área de Linguística para revitalização das línguas indígenas. Muitos educadores têm atuado de maneira voluntária juntamente com professores efetivos e pós-graduandos da UFRGS – uma minoria destes é indígena das ações afirmativas.
É difícil haver diálogo com o atual governo em vistas do desmonte no cenário da Educação em vários aspectos: na Educação Indígena tivemos a retirada da representação no Conselho Nacional da Educação. Isso é um grande retrocesso, visto que não respeita nossa luta e direitos constitucionais.
Para revitalizar as línguas indígenas são necessárias ações no contexto da Universidade, com a valorização das culturas indígenas e a ampliação das políticas públicas. É importante também conhecer pesquisadores indígenas como Márcia Nascimento, Kaingang, cuja tese intitula-se Evidencialidade em Kaingang: descrição, processamento e aquisição, defendida na área da Linguística na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela também realiza pesquisas relacionadas à revitalização das línguas indígenas brasileiras com base no Kohanga Reo (ninho de línguas), uma parceria entre a Universidade de Massey (Nova Zelândia) e a UFRJ.
Projetos como este, de intercâmbio e interculturalidade com experiências de povos de outros continentes, como os Maori na Nova Zelândia, exigem investimento público, assim como apoio da população.
Existem outras iniciativas independentes que em tempos de pandemia têm sido alternativa para muitos indígenas e seus coletivos, principalmente para a compra de alimentos. Saberes ancestrais são ensinados em plataformas online, como YouTube, Instagram e Google Meet.
Neusa Poty Quadros, por exemplo, ministra um curso de Língua e Cultura Guarani online. Ela é Guarani Mbya, moradora da Tekoa Palmeirinha, educadora, mãe, liderança indígena e integrante da Comissão Guarani Yvyrupá.
Já o grupo de artes Dyroa Baya se propõe a apresentar com qualidade lendas, mitologias e benzimentos, que são conhecimentos ancestrais, para deixá-los às futuras gerações em vídeo e áudio.
Reivindicar nosso espaço e protagonismo é passo importante na luta pela Educação Indígena, no sentido de criar tessituras para a valorização de culturas milenares de Abya Yala. Os não indígenas colaboram ao aderir a esses projetos para novas epistemologias plurais e descolonizadas.
(*) Raquel Rodrigues Kubeo é mestranda em Educação da UFRGS