Vamos aprender a lavar mais as mãos com essa pandemia?
Grande parte de nossa compreensão sobre a importância da higiene na saúde humana foi conquistada a duras penas. Há menos de 180 anos não tínhamos o costume de lavar as mãos, não tínhamos nem a real noção dos milhares de microrganismos que reproduziam, viviam e morriam bem nas nossas palmas. As consequências disso, obviamente, eram desastrosas; baixa longevidade, má qualidade de vida e, quase sempre, o agouro de morrer por alguma infecção. O hospital era o pior lugar para se estar, os médicos cirurgiões e clínicos (e suas mãos) espalhavam germes igual fogo em palha. Contudo, graças ao suor e às lágrimas de muitos, aprendemos bastante. A higiene é essencial para que tenhamos uma vida com menos doenças e o hábito de lavar mãos é a grande estrela.
Neste momento, estamos testemunhando o terrível impacto que o Novo Coronavírus (Sars-CoV-2), um inimigo “invisível”, pode causar. A higienização massiva de superfícies e das mãos, além do uso de máscaras e do distanciamento social, são métodos eficazes para diminuirmos o alastramento do vírus. Com isso, pouco a pouco, não esquecer a máscara antes de sair de casa, lavar as mãos constantemente e usar álcool em gel viraram hábitos (pelo menos para a maioria) no chamado “novo normal”. No entanto, e depois? Vamos manter esses hábitos quando a pandemia acabar?
Acredito que as chances sejam boas de conservarmos certas práticas sutis, mas altamente eficazes na prevenção de doenças infecciosas. Como um estudo francês, infelizmente, demonstrou, 73% dos indivíduos saem do banheiro com as mãos contaminadas (90% pela bactéria Escherichia coli que pode causar infecção intestinal, urinária, entre outras) e que a probabilidade de uma pessoa não lavar as mãos, estando sozinha, em um banheiro público, é de 50%. Será que os nossos amigos franceses são tão diferentes de nós, brasileiros, nesse quesito de higiene? Pode apostar que não! Uma pesquisa elaborada pelo Hospital Universitário (HU) de Jundiaí, no município de São Paulo, revelou que 51% dos entrevistados declararam não lavar suas mãos após utilizar o sanitário.
A Organização Mundial da Saúde é bem clara ao afirmar que lavar as mãos salva vidas. Mas, por quê? Uma série de estudos científicos, dos últimos 20 anos, direcionam para uma redução expressiva do número de doentes pela higienização das mãos, uma vez que há uma diminuição da quantidade de germes circulantes nas mãos após o ato. O número de pessoas que sofrem de diarreia infecciosa pode ser reduzido em até 40% (quando se trata de pessoas com deficiência imunológica acometidas por diarreia, em até 60%). Da mesma forma, o número de novos casos de gripe comum e resfriados pode ser reduzido em até 20%. A morte por diarreia infecciosa constitui uma das principais causas de morte no mundo, principalmente, de crianças de países pobres. Ao todo, aproximadamente, dois milhões de crianças ao redor do mundo morrem, anualmente, por conta disso.
Como a psicologia do comportamento nos ensina, manter um hábito é mais fácil do que criá-lo. Aproveitar, portanto, essa prática de higiene das mãos adquiridas pela pandemia como recurso para instituir, de fato, uma cultura eficiente de higienização das mãos pode ser feito, mas requer disposição tanto do governo, quanto dos cidadãos. Reforçar esses comportamentos com políticas públicas (a boa e velha propaganda) e outras ações de promoção de saúde para conscientizar a população, além de um foco educacional maior, em crianças pequenas, podem servir como verdadeiras alavancas culturais.
A célebre frase da Imperatriz Maria Leopoldina ao Imperador Dom Pedro I para que ele proclamasse a Independência do Brasil sintetiza a minha opinião: “o fruto está maduro, colha já, senão apodrece (...)”. Vivemos um momento ímpar para instituirmos uma concepção duradoura sobre a importância da higienização das mãos. Podemos prevenir muitos casos de doença, caso mantivermos este hábito; cabe somente a nós decidir.
(*) Eduardo de Sousa Martins e Silva é acadêmico de Medicina pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM)