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Cidades

Aplicação da Lei Henry Borel gera impasse entre juízes

Como a nova lei traz mudanças nos processos, juízes questionam qual deve julgar

Maristela Brunetto | 04/02/2023 11:07
Juízes levam ao TJ casos da Lei Henry Borel para definição de quem deve julgar. (Foto: Marcos Maluf)
Juízes levam ao TJ casos da Lei Henry Borel para definição de quem deve julgar. (Foto: Marcos Maluf)

A Lei nº 14.344/2022, chamada Lei Henry Borel, em homenagem ao menino carioca que morreu no começo de 2021, criou um sistema de mecanismos de proteção às crianças assemelhado ao que a Lei Maria da Penha assegura às mulheres vítimas de violência no âmbito doméstico e familiar. Ela traz uma cadeia de ações para garantir a integridade e um ambiente confiável aos pequenos e aos adolescentes e também medidas protetivas e maior rigor na punição dos agressores.

O impedimento de  aplicar medidas que abrandam penas e outros aspectos da lei acabaram desencadeando uma série de conflitos entre juízes de Campo Grande sobre quem seria competente para deferir medidas preventivas e cuidar das ações penais referentes a casos de violência, deixando situações paradas à espera da palavra final do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.

O que seriam regras para favorecer a proteção das crianças acaba gerando atraso no andamento dos casos até que haja solução ao impasse. A reportagem do Campo Grande News consultou o Diário da Justiça e identificou cerca de 50 situações de conflitos de competência entre juízes que foram parar nas três turmas criminais do TJMS no período entre 1º de outubro e a edição do dia 6 de fevereiro, que já está disponível na internet, incluindo situação com pedido de concessão de medida protetiva.

A Lei Henry Borel, a exemplo do que ocorreu com a Lei Maria da Penha em 2006, determina que punições mais leves, como apenas a multa ou a entrega de cestas básicas, não podem ser aplicadas para crimes cometidos contra crianças, sejam eles com penas mais elevadas ou mais mesmo curtas, como nos crimes de maus tratos e lesão corporal leve.

Diante disso, com o afastamento de medidas previstas na Lei nº 9.099, que criaram os Juizados Especiais para os chamados crimes de menor potencial ofensivo, que recebem processos com delitos com penas de até dois anos, juízes destas varas em Campo Grande passaram a redistribuir os processos e estabeleceu-se o conflito com juízes criminais.

Desembargadores do TJ delimitam a aplicação da lei, aplicada desde maio de 22. (Foto Marcos Maluf)
Desembargadores do TJ delimitam a aplicação da lei, aplicada desde maio de 22. (Foto Marcos Maluf)

Na consulta, é possível verificar que a maioria dos conflitos levados ao TJ partiu da 7ª Vara Criminal, ao receber processos vindo dos juizados. As turmas do TJ têm decidido que as mudanças na lei só alteram a aplicação das penas, impossibilitando as medidas mais brandas para crimes descritos no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) exclusivamente, e devolvem às varas do Juizado os delitos menos graves. Com isso, há uma tramitação mais simplificada que em um processo comum. Esse entendimento acaba não alterando a situação para os delitos que envolvam violência física, porque não estão no ECA, mas no Código Penal.

O Tribunal também definiu que as novas medidas, por serem mais graves, não podem atingir réus que cometeram delitos contra crianças em data anterior ao início da vigência da lei, em maio de 2022. A Constituição Federal determina que leis penais mais graves não podem retroagir.

Nos temas levados ao TJ, houve ainda situação envolvendo medida protetiva de urgência. Neste caso, que foi remetido à 5ª Câmara Cível do TJ, a decisão foi de fazer uma integração com a Lei n.º 13.431/2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha, e define a criação de juizados especiais, sendo que enquanto não houver um, cabe à vara das medidas protetivas da Lei Maria da Penha julgar os pedidos em favor de crianças e adolescentes. Assim, a Câmara determinou a remessa do caso à 3ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Campo Grande.

A reportagem tentou obter informação do TJ se haveria alguma mudança nas competências de juízes para evitar conflitos referentes à Lei Henry Borel, entretanto não obteve resposta. Também não conseguiu apurar se a Vara que cuida das medidas protetivas para mulheres assumiu as situações que envolvem crianças que precisam de proteção com urgência, como afastamento do agressor, colocação em outra família, até mesmo prisão é prevista na Lei Henry Borel.

Essa semana, o pai de Henry, Leniel, falou sobre seu empenho em ver a lei mais divulgada e bem aplicada para a proteção das crianças, ao comentar sobre o caso da menina de dois anos que morreu em Campo Grande no dia 26 de janeiro, em decorrência de agressões no ambiente doméstico. Ele defendeu que o poder público deve qualificar os servidores para que apliquem os avanços da legislação.

A Lei definiu uma série de medidas a serem seguidas pela rede de atendimento às crianças,  como a articulação das ações e o compartilhamento de informações e outros meios de evitar e enfrentar a violência. As medidas protetivas foram asseguradas na esfera policial, onde chegam as ocorrências de violência e surgem situações com evidência do risco à saúde e vida, e na esfera judicial, onde é possível a concessão sem nem mesmo ouvir o Ministério Público, devendo ser decidida em até 24 horas.

Ela ainda traz novos crimes, como o de omissão por aqueles que tomam conhecimento de situação de violência e não informam, com pena de seis meses a 3 anos de detenção, e de violação da medida imposta- pena de 3 meses a dois anos de detenção.

O texto também prevê que União, Estados e municípios podem criar programas de compensação para vítimas, denunciantes e testemunhas.

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