Baixa população quilombola em MS ocorre por fatores históricos, diz pesquisador
Censo 2022 revelou estatística inédita de população remanescente de quilombos no Brasil
Em pesquisa inédita, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelou que 1,3 milhão de quilombolas vivem no Brasil. Mato Grosso do Sul possui a segunda menor população de remanescentes de quilombos (2.546), em números absolutos. Fatores sócio-históricos podem explicar a menor presença de tais pessoas, na comparação com outros estados, mas também ajudam a entender a demografia sul-mato-grossense.
Segundo dados do Censo Demográfico 2022, o Estado tem população maior apenas que o Distrito Federal (305). Em comparação ao total da população, Maranhão (3,97%) tem maior percentual proporcional de quilombolas. Nesse mesmo aspecto, Mato Grosso do Sul tem o sexto menor número, cerca de 0,09%. A média nacional é de 0,65%.
O pesquisador do Nupri (Núcleo de Pesquisas Internacionais) da USP (Universidade de São Paulo) e professor da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), Daniel Afonso da Silva, explica que as regiões brasileiras tiveram diferentes formas de escravidão, de resistência e de realidade pós-escravidão.
“Se comparar ao resto do Brasil, tivemos número relativamente pequeno de uso da mão de obra escravizada e um fluxo muito grande de escravizados que foram traficados para Minas Gerais ou Goiás. Ou mesmo para o interior de São Paulo. É uma questão histórica, da baixa intensidade de escravos na região, e há uma projeção da realidade de hoje.”
Outro fator é que a economia principal no Estado tem relação com o setor agropecuário, de forma diferente da praticada durante a escravidão. “Como se tem intensidade muito grande da agricultura e, agora, do agronegócio, essa realidade de patrimonialismo quilombola tende a ser dissipada no tempo”.
Em outras palavras, como a exploração agrícola é mais intensa e dinâmica no Estado e região, os focos de resistência quilombola, que já eram baixos, tendem a ser dissipados.
O pesquisador avalia que essa proporção não é “desimportante ou irrelevante”, mas sim que representa fenômeno muito importante: Mato Grosso do Sul tem maioria de sua população branca e é preciso avaliar, dentre a população preta ou parda, quantos se reconhecem em movimentos negros.
Divulgação inédita
Foi a primeira vez em que o IBGE apurou o número de quilombolas no Brasil. Para Silva, dados deveriam ter sido levantados antes, mas vêm em momento oportuno. “Os dados são importantes. A dimensão do Censo 2022 é muito importante. Mas sua maior relevância se deve ao fato de que, pela primeira vez, o IBGE faz esse tipo de levantamento”.
Por conta de ser o IBGE, a gente deve reconhecer que é o estado brasileiro que está reconhecendo um certo tipo de fenômeno e se interessando, no sentido de promover, em algum momento, o melhoramento das políticas públicas desse fenômeno, chamado de remanescentes de quilombos”, diz o pesquisador e professor Daniel Afonso da Silva.
Ela avalia que, após a Lei Áurea, a manutenção de ideias racistas e até escravistas fez com que a situação se tornasse muito complexa. “É uma questão histórica multisecular e ficou ainda mais complexa a partir de meados do século XIX e no pós-escravidão. Há um percentual bastante expressivo, do ponto de vista não numérico, mas de resistência da escravidão, que vem, pelo menos, desde Zumbi dos Palmares”.
“Depois, com o fim da escravidão, você tem a manutenção dessa ideia de resistir ao que sobrou da escravidão”, diz Silva.
Ele comenta que, para avaliar aspectos da sociedade, é preciso, inicialmente, medi-los. “O levantamento permite aos cidadãos brasileiros e, principalmente, ao estado brasileiro e suas várias agências de políticas públicas, a ter visão mais clara e mais precisa no que tange a condição da realidade dessas pessoas”.
Segundo o IBGE, 1.145 (44,97%) dos remanescentes estão em territórios quilombolas do Estado e os demais 1.401 (55,03%) estão fora desses locais.
O pesquisador observa que os direitos dos quilombolas estão previstos na Constituição Federal, promulgada em 1988, além de terem respaldo na convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Na legislação brasileira, o artigo 216 determina que todos os territórios quilombolas um dia reivindicados ou operacionalizados devessem ser tombados enquanto patrimônios nacionais. Além disso, o artigo 68 determina a necessidade de reconhecimento de títulos de terras a moradores de quilombos.
“Assim, o levantamento permite ao estado brasileiro saber das demandas: quem são e se há necessidade mais que urgente de reconhecimento de títulos de terra. Além disso, um melhoramento das políticas públicas”.
Conforme o Censo, Campo Grande possui 735 quilombolas, seguido por Corumbá (371), Jaraguari (285), Nioaque (253) e Rio Brilhante (227). No total, 21 municípios do Estado têm população quilombola. Os outros 58 não têm, de acordo com o levantamento.
Uma das principais comunidades do Estado fica justamente na Capital - a Tia Eva, que leva o nome da mulher que, junto a outras pessoas pretas, chegou na região onde está situada a cidade, por volta do século XIX.
Apesar de a versão oficial dizer que o mineiro José Antônio Pereira liderou comitiva que se instalou, de forma pioneira, em agosto de 1875, pesquisas recentes apontam que Tia Eva já estava fixada no território quando o migrante chegou em solo campo-grandense.
A historiadora Alisolete Antonia dos Santos Weingärtner, em publicação na Revista Arca de outubro de 1995, identificou que a história oral admite que, antes de Pereira chegar, já havia a comunidade negra no Cascudo, hoje Bairro São Francisco, contemporânea à chegada dos primeiros desbravadores descendentes de portugueses.
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