Como estão campo-grandenses no epicentro da pandemia
Em Nova Iorque e em Milão, eles falam sobre os dias que transformaram cidades conhecidas por atrair turistas do mundo todo
A jornalista Eliane Oliveira sentia ontem o peso da sexta semana de confinamento em Milão, a cidade que é o epicentro da Itália na pandemia do coronavírus, ao receber a informação de que o País chegava ao número de 919 mortos em um dia, o maior já registrado desde que a doença se esparramou no País, tendo a Lombardia, região onde reside, como a situação mais dramática, com 541 óbitos ontem.
Nos últimos dias, chegou a viralizar uma mea culpa do prefeito de Milão, Giuseppe Salla, lamentando não ter reconhecido da Covid-19 e lançado a campanha Milão não para. A cidade é um famoso ponto turístico e um dos carros-chefe na economia do País. A campanha foi veiculada por poucos dias, logo se viu a situação dramática e ele mudou o discurso.
Eliane já havia relatado o drama dos moradores ao Campo Grande News dias atrás, depois que vieram à tona imagens de caminhões do exército transportando corpos para sepultamento ou cremação em outras cidades, diante do exaurimento dos serviços nos locais onde faleceram. Ontem, além dos números, para ela o cenário era mais triste. Uma das vizinhas perdeu o pai para a Covid-19. “Não podem vê-lo, nem fazer o funeral. Não podem nem dar roupa pra vestirem o corpo.”
E os moradores da Itália ainda não sabem quando a curva da doença vai começar a cair, para que possam ver o horizonte de quando as restrições poderão reduzir.
A jornalista conta que é a única pessoa que sai de casa, somente para comprar alimentos, com cuidados extremados, uma vez que o marido é transplantado renal e a contaminação traria risco de vida. “Compro o mais que posso, controlo o que a gente come, para não ter desperdício”. Ela ainda traz os alimentos para vizinhos idosos, que não podem sair.
Para tentar frear a proliferação, o governo limitou as saídas somente para situações essenciais. Quem for encontrado nas ruas em situações diferentes, será multado e até alvo de ação penal.
Cidade que nunca dorme – Eternizada nos filmes e canções, Nova Iorque, “que nunca dorme”, virou uma cidade fantasma, na descrição de Tatiana Fialho, campo-grandense que há 21 anos mora nos EUA. Ela tem um filho de filho de 14 anos, conta que as aulas foram suspensas há uma semana. Havia previsão inicial de que seria até dia primeiro de abril, mas ontem o governador do estado de NY avisou que vai postergar até a metade do mês de abril a retomada.
O estado de NY registra o maior número de casos de contaminação pelo coronavírus, com mais de 200 mortos ontem. Os Estados Unidos nos últimos dias se tornaram o epicentro da doença no mundo, somando mais de 100 mil contaminados, superando os números da China. Depois de ensaiar uma retomada das atividades econômicas, ou mesmo a promessa de que o faria em breve, ontem o mundo viu as imagens de um Donald Trump compungido, agradecendo a união de democratas e republicanos, tradicionais rivais políticos, e anunciou um esforço de guerra contra o “terrível vírus”, citando o volume de pessoas se voluntariando e empresas que contribuirão. O País anunciou um plano emergencial superior a 2 trilhões de dólares para socorrer a economia e os trabalhadores.
Tatiana relata que as autoridades locais diariamente atualizam as informações para que as pessoas acompanhem a evolução da doença e as medidas sendo adotadas.
Considera que por estar na cidade que viveu o 11 de setembro, com a derrubada das torres gêmeas por terroristas, os nova-iorquinos e demais resistentes aceitam melhor situações de resignação. Disse que não vê debates sobre a necessidade ou não das medidas de isolamento. “NYC está uma cidade fantasma”, sintetiza.
Conta que tudo está fechado, na manhã de sexta-feira tentou caminhar um pouco no parque com o filho, que antes permitia estacionar o carro na área interna, agora somente a pé é possível acessar e as pessoas devem manter distância de dois metros umas das outras. Disse que ficaram pouco tempo, para o jovem jogar bola. “Tenho que cuidar da cabecinha do meu filho. Ele fica muito em casa, acaba tendo medo de sair e se contaminar.”
Sobre o fato de estar no epicentro, considera que por Manhattan ser uma cidade muito populosa acabou disparando no número de casos, além de o País ser mais populoso que a Itália, que vinha sendo o local com maior número de casos no Ocidente. Mas opina que o isolamento precoce poderia ter ajudado a reduzir o número de casos.
Tatiana relata que os mercados também criaram regras, com uma fila de espera com marcas no chão onde as pessoas devem se posicionar para evitar proximidade. Nas gôndolas, não há escassez de produtos, explica.
Perto de Manhattan, onde trabalha, está outro campo-grandense, Alexandre Heretier, 47 anos, comissário de vôo e bancário. Ele conta que levou um susto há poucos dias, quando a irmã gêmea, que também mora na região, testou positivo. Ela não teve uma forma grave da doença, seguindo a ordem de repouso e isolamento por duas semanas, que ainda não terminaram, não permitindo que eles se encontrem.
Vivendo há 26 anos nos Estados Unidos, Alexandre conta que também fica uns dias fora de Manhattan e vai para a vizinha New Jersey, perto da praia, onde há um clima melhor e é possível distrair a mente.
Lá, as medidas de isolamento também são severas, resumindo-se a serviços de saúde, postos de combustíveis, farmácias e mercados. Ele conta que os vôos estão suspensos sem data para retomada, tendo remuneração assegurada pela companhia aérea por dois meses. Seu outro trabalho, em banco, em Manhattan, segue somente para serviços internos e horários reduzidos.
Em Jersey, conta que há muitos condomínios habitados somente por idosos, uma vez que há tradição que os jovens saiam cedo de casa para residir sozinhos e isso se reflete no estilo de vida das famílias. Então, complementa, os idosos têm muita autonomia e sempre circularam muito, com ônibus somente para eles. Tudo isso parou. Idosos não podem mais sair. As listas de compras são entregues e o coletivo traz e deixa os produtos a cada um.
Mercados e farmácias reduziram o horário de atendimento e só entram grupos de dez pessoas. Os serviços de entrega de refeições, como uber eats e ifood, acabaram suspensos, conta, diante do medo de que poderiam ser veículo de transmissão da doença. Alexandre conta que quem encomenda refeição precisa ir até o restaurante e a embalagem é colocada no porta-malas ou banco traseiro dos carros, num excesso de cuidado a fim de evitar novas contaminações pela Covid-19.
Na cidade onde está, há toque de recolher entre 19h30 e 5 da manhã. Conforme o campo-grandense, as pessoas estão lidando bem com as limitações.