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Cidades

Infância em MS: 43% ficam sem acesso a esgoto e 30 mil vivem na pobreza extrema

Pesquisa é sobre direitos básicos: renda, educação, informação, água, saneamento e moradia

Por Aline dos Santos e Idaicy Solano | 10/10/2023 11:00
Crianças brincam em ponto com descarte irregular de esgoto em Campo Grande. (Foto: Marcos Maluf)
Crianças brincam em ponto com descarte irregular de esgoto em Campo Grande. (Foto: Marcos Maluf)

No comparativo dos retratos da infância entre 2019 e 2022, Mato Grosso do Sul melhorou ao conseguir reduzir de 66,3% para 63,3% o percentual de crianças e adolescentes em situação precária.

Mas os números também mostram que o Estado vai mal nos quesitos saneamento e pobreza monetária. São 332,6 mil (43,96%) meninos e meninas que convivem com problemas que vão de acesso a banheiro a esgotamento sanitário.  Ou seja, são crianças que moram em domicílio com banheiro compartilhado com pessoas de fora do lar ou utilizam fossa rústica.

Na privação de renda, o total também é preocupante: 26,08% estão na pobreza intermediária (ao menos 116,9 mil). Conforme o relatório, a dimensão renda diz respeito ao número de crianças e adolescentes vivendo abaixo de um nível mínimo de recursos para satisfazer suas necessidades (R$ 541 mensais por pessoa em áreas urbanas e R$ 386 em áreas rurais).

Outros 30,4 mil (4%) se enquadram no pior cenário: a privação extrema. Quando a renda por pessoa é inferior a R$ 220 na cidade e R$ 180 em áreas rurais.

Os dados são do relatório “Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência no Brasil”, divulgado pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância)  nesta terça-feira (dia 10).

O levantamento analisa a pobreza em suas múltiplas dimensões, incluindo a falta de acesso a seis direitos básicos: renda, educação, informação, água, saneamento e moradia.

No quesito educação, em Mato Grosso do Sul, são 11,35% pessoas até 17 anos com privações em 2022. A moradia é problema para 7,96%. Enquanto que acesso à água e informação (internet e televisão) tiveram melhores resultados, respectivamente, 1,53% e 1,52% de privação.

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Insuportável - O cheiro insuportável de esgoto marca o dia a dia de moradores na região do Parque do Sol, em Campo Grande.

"Os caminhões de esgoto jogam tudo aí. Tem gente que joga lixo ali, joga cachorro. Então, a preocupação é essa, porque às vezes ele tá limpinho, mas tem dia que o cheiro está insuportável por conta desse esgoto”, afirma a dona de casa Priscilla Rodrigues, 28 anos.

Ela tem filhas de 7 e 10 anos e se preocupa para que as crianças não se aproximem do córrego. Local perigoso, sujo, cheio de mato e mal iluminado. Mas, o curso de água acaba se transformando em ponto de lazer para muitas crianças. No mês passado, um menino de 14 anos morreu afogado no Rio Anhanduí

“Querendo ou não, num calor desses, eles vão procurar alguma coisa. Nessa parte aqui do bairro tem sempre alguém monitorando, porque é perigoso uma criança morrer afogada, igual a esse menino. E tem as doenças. A gente não vai perto do córrego, mas nunca se sabe o que pode vir pelo ar", diz Priscilla.

Autônomo na construção civil, Kleydmann Vinícius da Silva Elias do Nascimento, 29 anos, relata os cuidados para que os filhos de sete anos fique bem distante da água fétida.

“Umas duas, três horas da tarde, [você] escuta a criança gritando lá embaixo, pulando nessa água aí. E é fedido, é fedido demais. A gente não deixa [ele ir no córrego], a gente está sempre com ele”.

O aposentado Antônio Vicente, 75 anos, conta que já viu casos de crianças com corpo, pés e mãos “pipocados” depois de nadarem na água poluída.

 Antônio Vicente, 75 anos, conta que já viu casos de crianças com corpo "pipocado". (Foto: Marcos Maluf)
 Antônio Vicente, 75 anos, conta que já viu casos de crianças com corpo "pipocado". (Foto: Marcos Maluf)

É um perigo essa gurizada na beira do córrego. Essa água aí é suja, é poluída. Um rapazinho ali veio, tomou banho nessa água, e pipocou o corpo dele todo. Nós temos que evitar que as crianças entrem aí. E ainda fica muito mau cheiro”, afirma Antônio.

Direito mais violado – No cenário nacional, Mato Grosso do Sul acompanhou o Brasil na redução da chamada pobreza multidimensional. No País, o percentual de meninas e meninos nesta situação caiu de 62,9% (2019) para 60,3% (2022). “Tal percentual corresponde a 31,9 milhões de crianças e adolescentes brasileiros privados de um ou mais direitos, de um total de 52,8 milhões no País”, informa a pesquisa.

Na educação, o País ainda convive com a herança da pandemia de covid, quando as aulas presenciais foram interrompidas diante da emergência sanitária.

“Entre as privações analisadas, chama atenção a piora recente na dimensão de educação, especialmente no que diz respeito ao analfabetismo. A proporção de crianças de 7 anos de idade que não sabem ler e escrever saltou de 20% para 40% entre 2019 e 2022 – trazendo um alerta para a urgência de políticas públicas coordenadas em nível nacional, estadual e municipal para reverter esse quadro”, destaca a pesquisa do Unicef.

Banheiro rudimentar e sem telhado em favela de Campo Grande. (Foto: Paulo Francis)
Banheiro rudimentar e sem telhado em favela de Campo Grande. (Foto: Paulo Francis)

 A exemplo de Mato Grosso do Sul, o saneamento básico é gargalo nacional. “O relatório destaca, também, a renda necessária para uma alimentação adequada – que foi impactada pela alta nos preços dos alimentos – e a questão do saneamento básico, que, embora apresente alguma melhora, continua sendo a privação que impacta mais meninas e meninos no País”.

Não à toa o termo saneamento vem acompanhado do complemento básico. O esgotamento sanitário adequado é fator que contribui para a eliminação de vetores, enquanto melhorias sanitárias domiciliares estão diretamente relacionadas com a redução de doenças, como diarreias e verminoses.

De acordo com Santiago Varella, especialista em Políticas Sociais do Unicef no Brasil, o saneamento é o direto das crianças mais frequentemente violado no Brasil.

 Ainda de acordo com ele, a pobreza na infância e adolescência vai além da renda, e precisa ser olhada em suas múltiplas dimensões.

“Estar fora da escola ou sem aprender, viver em moradias precárias, não ter acesso a renda, água e saneamento, não ter uma alimentação adequada e não ter acesso à informação são privações que fazem com que crianças e adolescentes estejam na pobreza multidimensional”, afirma o especialista.

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