Juiz nega indenização à família de indígena morto em desocupação
Oziel Gabriel morreu durante ação comandada pela PF e sumiço de bala impediu identificação de autor do tiro
A Justiça Federal negou indenização de R$ 1 milhão à família de Oziel Gabriel, indígena terena que morreu aos 30 anos durante a desocupação da Fazenda Buriti, no dia 30 de maio de 2013. O juiz Dalton Igor Kita Conrado, da 1ª Vara Federal de Campo Grande, também negou R$ 500 mil exigidos como reparação por danos morais coletivos à comunidade.
Três familiares de Gabriel entraram com a ação de indenização em 2019, seis anos após a morte. Além do valor requerido a título de reparação, um dos filhos, que tinha menos de 18 anos, exigiu o pagamento de pensão alimentícia por parte da União.
“Fato é que, o sofrimento vivido pela comunidade, por saber que a terra que retomaram é de seu povo, e verem um guerreiro (em seus dizeres) perder sua vida lutando pela vida do povo Terena, causa verdadeiro alarme em relação às ações do Estado Brasileiro. Os Terena de Buriti sentem-se inseguros e desprotegidos, sofrem a dor e a perda de um jovem de 30 anos, casado, e pai de 2 filhos. Por todo o exposto, excelência, é reluzente o dever de o Estado indenizar a família e comunidade pela perda de Oziel Gabriel. A dor não será remediada com isso, mas a indenização devolverá a eles o sentido da justiça”, argumentaram os advogados que representam a família, dentre eles, Luiz Henrique Eloy, hoje secretário executivo no Ministério dos Povos Indígenas.
O magistrado que analisou os pedidos entendeu, contudo, que a morte aconteceu durante confronto armado e que policiais – da PF (Polícia Federal), que comandava a ação, e da Cigcoe (Companhia Independente de Gerenciamento de Crises e Operações Especiais) da PM (Polícia Militar) – agiram no cumprimento do dever legal. A tropa de choque, formadas pelas duas forças de segurança, tinha a missão de cumprir ordem de reintegração de posse, expedida em maio daquele ano.
“Conclui-se que a morte do índio Oziel Gabriel se deu em uma situação de confronto/resistência imposta ao cumprimento da ordem judicial de desocupação, bem como em razão da agressão dirigida aos policiais no estrito cumprimento de seus deveres legais”, registrou Conrado.
A PF, que investigou a morte, concluiu inquérito sem indiciar nenhum dos agentes envolvidos, até porque a bala que atingiu Oziel Gabriel sumiu, conforme a investigação, no trajeto entre a fazenda e o hospital, o que impediu que fosse identificado de qual arma partiu o tiro – da PF, dos policiais militares ou de alguma arma manuseada pelos próprios indígenas.
O extravio do projétil também foi levado em consideração na decisão do juiz da 1ª Vara Federal. “Em outras palavras, não houve a identificação de qual arma de fogo partiu o disparo que matou o Sr. Oziel, não restando comprovado, portanto, a existência do alegado ato ilícito comissivo praticado por parte da ré. Assim, embora lamentável a morte do índio Oziel Gabriel, não há que se falar em indenização por danos morais ou em pensionamento aos autores”.
O conflito – No dia 15 de maio de 2013, grupo de indígenas entrou na Fazenda Buriti, em Sidrolândia, que pertence ao ex-deputado estadual Ricardo Bacha. A terra fazer parte dos 17 mil hectares identificados como de ocupação tradicional do Povo Terena na região e era reivindicada pelas comunidades da região.
No mesmo dia, a Justiça Federal determinou a saída dos terena. Na ocasião, foi feito um acordo para que a área fosse desocupada até 15 horas de 18 de maio. Ele não saíra e avançaram na ocupação, chegando à sede da propriedade.
A PF (Polícia Federal) chegou a enviar efetivo para o local, mas a reintegração de posse foi suspensa pela Justiça até o dia 29 de maio, data da audiência para tentativa de acordo.
Após quatro horas de negociação, não houve entendimento e o juiz federal José Ronaldo da Silva determinou o cumprimento da reintegração de posse. Em caso de desobediência, foi fixada multa de R$ 10 mil para cada pessoa que permanecesse na propriedade.
A decisão judicial foi cumprida no dia 30 de maio, feriado de Corpus Christi. Os terenas relatam que equipes da PF e da PM chegaram às 6h. Houve resistência e a situação acabou em confronto. A desocupação terminou às 15h.
A PF informou que três policiais ficaram feridos. No colete balístico de um deles foi encontrado um projétil. Os terenas atearam fogo a imóveis da fazenda. Dezoito índios foram detidos, sendo três adolescentes.
Oziel Gabriel foi baleado no abdômen. Ele foi levado pelos companheiros até o Hospital Beneficente Elmíria Silvério Barbosa. No meio do trajeto, o carro onde era transportado desgovernou e a vítima, inconsciente, foi levada de carona por um avicultor que passava pelo local. Ele morreu no hospital. A notícia foi recebida pelos parentes com protesto e gritos de “guerreiro”.