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Cidades

Juiz nega indenização à família de indígena morto em desocupação

Oziel Gabriel morreu durante ação comandada pela PF e sumiço de bala impediu identificação de autor do tiro

Por Anahi Zurutuza | 20/09/2023 11:37
Corpo foi retirado para autópsia e velório que começou no dia 30 de maio, na pequena varanda da casa de Oziel, só terminou em 3 de junho. (Foto: Campo Grande News/Arquivo)
Corpo foi retirado para autópsia e velório que começou no dia 30 de maio, na pequena varanda da casa de Oziel, só terminou em 3 de junho. (Foto: Campo Grande News/Arquivo)

A Justiça Federal negou indenização de R$ 1 milhão à família de Oziel Gabriel, indígena terena que morreu aos 30 anos durante a desocupação da Fazenda Buriti, no dia 30 de maio de 2013. O juiz Dalton Igor Kita Conrado, da 1ª Vara Federal de Campo Grande, também negou R$ 500 mil exigidos como reparação por danos morais coletivos à comunidade.

Três familiares de Gabriel entraram com a ação de indenização em 2019, seis anos após a morte. Além do valor requerido a título de reparação, um dos filhos, que tinha menos de 18 anos, exigiu o pagamento de pensão alimentícia por parte da União.

“Fato é que, o sofrimento vivido pela comunidade, por saber que a terra que retomaram é de seu povo, e verem um guerreiro (em seus dizeres) perder sua vida lutando pela vida do povo Terena, causa verdadeiro alarme em relação às ações do Estado Brasileiro. Os Terena de Buriti sentem-se inseguros e desprotegidos, sofrem a dor e a perda de um jovem de 30 anos, casado, e pai de 2 filhos. Por todo o exposto, excelência, é reluzente o dever de o Estado indenizar a família e comunidade pela perda de Oziel Gabriel. A dor não será remediada com isso, mas a indenização devolverá a eles o sentido da justiça”, argumentaram os advogados que representam a família, dentre eles, Luiz Henrique Eloy, hoje secretário executivo no Ministério dos Povos Indígenas.

Oziel Gabriel foi velado na Aldeia Indígena Córrego do Meio, onde o indígena vivia (Foto: Vanderlei Aparecido/Arquivo Campo Grande News)
Oziel Gabriel foi velado na Aldeia Indígena Córrego do Meio, onde o indígena vivia (Foto: Vanderlei Aparecido/Arquivo Campo Grande News)

O magistrado que analisou os pedidos entendeu, contudo, que a morte aconteceu durante confronto armado e que policiais – da PF (Polícia Federal), que comandava a ação, e da Cigcoe (Companhia Independente de Gerenciamento de Crises e Operações Especiais) da PM (Polícia Militar) – agiram no cumprimento do dever legal. A tropa de choque, formadas pelas duas forças de segurança, tinha a missão de cumprir ordem de reintegração de posse, expedida em maio daquele ano.

“Conclui-se que a morte do índio Oziel Gabriel se deu em uma situação de confronto/resistência imposta ao cumprimento da ordem judicial de desocupação, bem como em razão da agressão dirigida aos policiais no estrito cumprimento de seus deveres legais”, registrou Conrado.

A PF, que investigou a morte, concluiu inquérito sem indiciar nenhum dos agentes envolvidos, até porque a bala que atingiu Oziel Gabriel sumiu, conforme a investigação, no trajeto entre a fazenda e o hospital, o que impediu que fosse identificado de qual arma partiu o tiro – da PF, dos policiais militares ou de alguma arma manuseada pelos próprios indígenas.

O extravio do projétil também foi levado em consideração na decisão do juiz da 1ª Vara Federal. “Em outras palavras, não houve a identificação de qual arma de fogo partiu o disparo que matou o Sr. Oziel, não restando comprovado, portanto, a existência do alegado ato ilícito comissivo praticado por parte da ré. Assim, embora lamentável a morte do índio Oziel Gabriel, não há que se falar em indenização por danos morais ou em pensionamento aos autores”.

Conflito aconteceu em campo aberto, na área rural de Sidrolândia (Foto: Campo Grande News/Arquivo)
Conflito aconteceu em campo aberto, na área rural de Sidrolândia (Foto: Campo Grande News/Arquivo)

O conflito – No dia 15 de maio de 2013, grupo de indígenas entrou na Fazenda Buriti, em Sidrolândia, que pertence ao ex-deputado estadual Ricardo Bacha. A terra fazer parte dos 17 mil hectares identificados como de ocupação tradicional do Povo Terena na região e era reivindicada pelas comunidades da região.

No mesmo dia, a Justiça Federal determinou a saída dos terena. Na ocasião, foi feito um acordo para que a área fosse desocupada até 15 horas de 18 de maio. Ele não saíra e avançaram na ocupação, chegando à sede da propriedade.

A PF (Polícia Federal) chegou a enviar efetivo para o local, mas a reintegração de posse foi suspensa pela Justiça até o dia 29 de maio, data da audiência para tentativa de acordo.

Após quatro horas de negociação, não houve entendimento e o juiz federal José Ronaldo da Silva determinou o cumprimento da reintegração de posse. Em caso de desobediência, foi fixada multa de R$ 10 mil para cada pessoa que permanecesse na propriedade.

A decisão judicial foi cumprida no dia 30 de maio, feriado de Corpus Christi. Os terenas relatam que equipes da PF e da PM chegaram às 6h. Houve resistência e a situação acabou em confronto. A desocupação terminou às 15h.

A PF informou que três policiais ficaram feridos. No colete balístico de um deles foi encontrado um projétil. Os terenas atearam fogo a imóveis da fazenda. Dezoito índios foram detidos, sendo três adolescentes.

Oziel Gabriel foi baleado no abdômen. Ele foi levado pelos companheiros até o Hospital Beneficente Elmíria Silvério Barbosa. No meio do trajeto, o carro onde era transportado desgovernou e a vítima, inconsciente, foi levada de carona por um avicultor que passava pelo local. Ele morreu no hospital. A notícia foi recebida pelos parentes com protesto e gritos de “guerreiro”.

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