Magistrados fecham ano como 2018: caçam penduricalho para inflar salário
No ano passado, quando ainda estava em vigor o auxílio-moradia, os benefícios custaram R$ 23,8 milhões
“Todo trabalhador recebe auxílio-transporte. As outras carreiras de Estado, como do Ministério Público e da Defensoria Pública, recebem”, afirma o presidente da Amamsul (Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul), juiz Eduardo Eugênio Siravegna Júnior.
A declaração hoje ao Campo Grande News foi para explicar porque os juízes, que iniciam a carreira com salário de R$ 27.365, precisam do benefício. O valor é bem acima do salário mínimo, os R$ 998 que balizam a vida de todo trabalhador. Para magistrados, o vale-transporte, em debate no ano de 2018, poderia chegar a R$ 6 mil.
A tentativa de obter benefício foi a polêmica da magistratura do TJ/MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) no ano passado. Contudo, a busca por “penduricalhos” que engordam o valor do contracheque se repete ano a ano.
Desta vez, neste fim de 2019, a discórdia é protagonizada pelo Projeto de Lei 277/2019, que prevê gratificação por “acervo processual”, o acúmulo de ações. O bônus nasceu em 33%, conforme proposta do Judiciário, mas uma emenda proposta na Assembleia Legislativa sugere 20%. A tesoura entrou em ação para tentar tornar o projeto mais palatável para a sociedade, desconcertada com o novo gasto público.
No ano de 2009, portanto há uma década, reportagem do Campo Grande News mostrou que magistrados de Mato Grosso do Sul recebiam auxílio-moradia apesar de terem casa, leia-se mansões, em Campo Grande.
À época, o montante somava R$ 7 milhões anuais em verbas públicas, equivalente, também em 2009, à construção de quase 300 imóveis populares. A explicação para a situação foi de que as residências não eram casa própria.
De cara nova - Em 2018, conforme o Portal da Transparência do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), alimentado com dados do Tribunal de Justiça, o auxílio-moradia aos magistrados de Mato Grosso do Sul custou R$ 15,6 milhões. O benefício deixou de ser pago, mas o Sindijus (Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul) aponta que a gratificação em debate na Assembleia é uma nova versão de auxílio-moradia.
“A gente bateu muito nisso. Magistrados com casa e recebendo o auxílio-moradia. Todo ano tentam criar um auxílio-moradia disfarçado. O auxílio-transporte foi barrado e agora estão querendo criar essa gratificação. É um absurdo, principalmente no momento que estamos vivendo, de conter gastos”, afirma o vice-presidente do Sindijus e coordenador-geral do Fórum de Servidores Públicos, Fabiano Reis.
Barrado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o vale-transporte para os magistrados chegou a ser aprovado na Assembleia Legislativa. Segundo o presidente da Amamsul, Eduardo Siravegna, o benefício do auxílio-transporte ficou em suspenso.
Quanto à gratificação de 33%, o presidente da Amamsul disse que as explicações já foram divulgadas por meio de nota. Para explicar a proposta, a associação alegou déficit de 49 juízes e falta de dinheiro por parte do Tribunal de Justiça para preencher as vagas abertas, o que estaria sobrecarregando os magistrados.
Conforme cálculo do Judiciário estadual, o impacto financeiro do pagamento da gratificação chega a R$ 1.071.296,59. Juízes não recebem hora-extra, mas além do subsídio, que chega a R$ 35.462 no topo da carreira, quando se chega ao cargo de desembargador, recebem indenizações e vantagens.
O Painel de Remuneração dos Magistrados, disponível no portal do CNJ, informa que até julho deste ano, o total de pagamentos do TJ/MS para juízes e desembargadores foi de R$ 78 milhões. Com descontos, o valor líquido totalizou R$ 55,6 milhões. O quesito indenizações somou R$ 7,9 milhões até julho, com pagamento de auxílio-alimentação, auxílio-saúde e ajuda de custo. No ano passado, quando ainda estava em vigor o auxílio-moradia, os benefícios custaram R$ 23,8 milhões.
No Portal da Transparência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, a remuneração dos magistrados é divulgada na lista com todos servidores, totalizando 55 páginas. O acesso exige que o cidadão informe seu nome completo, CPF e data de nascimento.
Acima das exigências, consta o seguinte texto: “Diante das publicações na imprensa a respeito dos salários dos servidores e magistrados do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, esclarecemos que nenhum dos seus colaboradores, juízes ou desembargadores recebe acima do teto constitucional”. A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa do TJ/MS, mas não obteve retorno até a publicação da matéria.