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Cidades

Mesmo proibidos, abortivos são vendidos por mensagem e enviados pelos Correios

A venda de Cytotec sem receita médica é crime previsto pelo Código Penal com pena de até 20 anos

Geniffer Valeriano | 24/08/2023 12:36
Venda do medicamento é permitida apenas com apresentação de receita médica (Foto: Reprodução)
Venda do medicamento é permitida apenas com apresentação de receita médica (Foto: Reprodução)

Classificada como crime pelo Código Penal, a venda de remédios abortivos sem receita médica é feita até por aplicativo de mensagens com muita facilidade e agilidade. Recentemente, dentre as mais diversas solicitações de anúncios comerciais do Campo Grande News, a oferta desses medicamentos chamou atenção da equipe de reportagem.

Se passando por uma jovem interessada na compra, repórter do Campo Grande News iniciou a conversa pelo número de telefone com DDD 34, do estado de Minas Gerais. Antes mesmo de dizer qual medicamento era procurado, a resposta recebida já foi direcionada para uma pessoa que seria gestante.

“Seja bem-vinda. Espero poder ajudá-la, neste momento confuso, nervoso, difícil e de muito receio. Vamos lá… para iniciar… Qual sua idade? Está com quantas semanas? Qual cidade e estado que você é?”, diz o texto da mensagem.

Após as informações, uma tabela com a quantidade de unidades do medicamento é apresentada junto ao valor. Ainda explicam que dão suporte durante o uso da medicação e oferecem brindes, sendo absorventes e duas unidades de mifepristona, outro medicamento que pode induzir o aborto.

Para uma gestação de 16 semanas, são cobrados R$ 1.150,00, já incluso o valor do frete. Com envio realizado pelo Sedex, o vendedor promete agilidade na entrega.

Tabela enviada pelo vendedor, com indicações para compra de medicamento (Foto: Direto das Ruas)
Tabela enviada pelo vendedor, com indicações para compra de medicamento (Foto: Direto das Ruas)

O remédio indicado foi o Cytotec, que pode ser utilizado nos tratamentos de úlceras e indução do parto. Em rápida pesquisa na internet, é possível encontrar a orientação de não fazer o uso sem orientação médica, principalmente durante a gravidez.

Garantindo “risco 0” para a compradora e na tentativa de realizar a venda, a atendente ainda enviou prints de mensagens de outras clientes. Ao ser questionada sobre o tempo de ação do medicamento, foi recomendado utilizá-lo em conjunto com um outro remédio, para ter resultado em cerca de 2 a 8 horas.

Foi explicado que os produtos seriam enviados em embalagens discretas, dentro de caixas de maquiagens ou de outros produtos. Utilizando de caixa alta, a vendedora enfatiza que não existe a possibilidade de a retirada ser feita pessoalmente e nem de o pagamento ser realizado após o recebimento dos medicamentos. Para o pagamento foram oferecidas sete maneiras, incluindo boletos bancários.

Dizendo que os efeitos colaterais seriam poucas cólicas, foi recomendado um dia de repouso, podendo voltar à rotina no dia seguinte. Quando foi expressada a preocupação de fazer uso dos medicamentos, a orientação foi: “Recomendo que caso for mesmo fazer o uso. Que não perca mais tempo”, assim encerrando a conversa.

Além dos remédios abortivos, outras medicações também são vendidas pela “farmácia virtual”, neste mesmo número de telefone que a reportagem entrou em contato. Alguns para tratamentos de obesidade, ansiedade e até anabolizantes. Os medicamentos oferecidos através do contato feito pela reportagem precisam de receita médica.

O contato que oferece os comprimidos foi procurado em um segundo momento pelo Campo Grande News, momento em que a repórter se identificou e questionou a venda feita de forma ilegal. A resposta foi: "só revendo. Vendas já pararam, anúncio pausado".

Um dos prints enviados para mostrar a eficácia do medicamento (Foto: Direto das Ruas)
Um dos prints enviados para mostrar a eficácia do medicamento (Foto: Direto das Ruas)

Por meio de nota, os Correios informaram que mantém parceria com os órgãos de segurança pública para evitar o tráfego de itens proibidos, por meio do serviço postal. Ainda foi dito que os empregados atuam de forma diligente para identificar postagens em que o conteúdo esteja em desacordo com a legislação. Quando algum objeto com conteúdo proibido ou ilícito é detectado, a empresa aciona os órgãos competentes.

Também foi informado que possuem métodos de monitoramento que são aprimorados, periodicamente, com base em informações apresentadas pelos órgãos de segurança e de fiscalização. Muitas das operações de combate a ilícitos começam por meio do processo de fiscalização não invasiva dos Correios, como uso de raio X.

“A empresa tem priorizado investimentos em ações preventivas para fortalecer a integridade dos serviços postais. As instituições parceiras são responsáveis por dar encaminhamento às operações investigativas”, finaliza a nota.

O que dizem os médicos - A presidente da Sociedade de Obstetrícia de Mato Grosso do Sul, Rita Tavares dos Santos, explicou que o método traz grandes riscos para a vida da gestante e do bebê, se a gestação for continuada.

O remédio vendido pelo aplicativo de mensagens é utilizado para induzir o parto. Assim, a medicação serve para auxiliar na produção prostaglandina, substância produzida quando o corpo entra em trabalho de parto. Logo, o medicamento traz um efeito de relaxamento do útero, tendo dilatação e estimulando a contração do órgão.

“Isso é muito grave, muito grave, por vários aspectos, né? [...] Então quando a mulher usa pra induzir um abortamento, ela corre o risco de ter esses efeitos de relaxamento do colo e contração do útero e levar a uma hemorragia. Uma hemorragia que se não for atendida corretamente conforme tem que ser imediatamente, ela morre por conta dessa hemorragia. Então o efeito da Cytotec, que pode acontecer se caso ela use, isso é mais raro, mas pode acontecer, caso ela use e não consiga induzir o abortamento, ele pode induzir uma má-formação do bebê”, relatou.

A médica afirma que a medicação é extremamente controlada, inclusive quando usada em hospitais, sendo de uso exclusivo médico. Rita Tavares também explica que é considerado aborto quando a idade gestacional do feto é de 20 a 22 semanas ou se os fetos pesem até 500 gramas.

Ela [a medicação] é de uso restrito do profissional médico, de indicar e fazer a introdução, fazer a medicação do medicamento no paciente. [...] Se o bebê tiver mais de 500 gramas ou se tiver de 20 a 22 semanas, dependendo da literatura, não é abortamento. Por isso que eles usam essa medicação falando que é para causar aborto até 19 semanas, mas um fetinho de 19 semanas ele é totalmente perfeito e ele não mata o bebê. Ele induz o parto, a expulsão de um feto vivo que morre depois por falta de oxigênio na hora que ele é expelido. Extremamente cruel”, pontuou.

Apesar de o aborto ser um crime previsto no código penal brasileiro, a médica diz que não há registros de quantos casos acontecem por dia ou anualmente. Isso acontece pois quando uma paciente chega ao hospital, após ter feito uso dessa medicação e ter tido alguma intercorrência, elas não relatam ao médico por saberem que a prática é proibida.

“Então não cabe ao médico omitir assistência, porque o médico tem a obrigação de prestar assistência, mas a paciente omite que ela está infringindo a lei. Então a gente não consegue saber a realidade em relação a que frequência com que isso ocorre, como que é que acontece”, disse.

Exame de gravidez mostra feto na barriga de uma mãe, em Campo Grande. (Foto: Arquivo/Campo Grande News)
Exame de gravidez mostra feto na barriga de uma mãe, em Campo Grande. (Foto: Arquivo/Campo Grande News)

Crime - No Brasil, o aborto só não é considerado crime em três circunstâncias: quando a gravidez é de risco à vida da gestante; se a gravidez é resultante de violência sexual; e em caso de anencefalia fetal, conforme o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu em 2012.

Já se ele é provocado ou intencional, seja pela mulher grávida ou por terceiros, é considerado crime e tipificado no Código Penal. Geralmente, a mulher que pratica ou permite aborto é vulnerável e acaba decidindo por interromper a gravidez por más condições financeiras ou mesmo questões emocionais.

Vale ressaltar que a mulher que não deseja ficar com a criança também tem a opção de ao invés de abortá-la, entregá-la para adoção ao fim da gestação e pode pedir ajuda através do número (67) 3317-3548, da Vara da Infância, Juventude e do Idoso, que mantém o projeto "Dar à luz", que pode ser acessado clicando aqui.

Já nos casos em que o aborto é permitido, a mulher pode buscar ajuda no Hospital Universitário em Campo Grande, bastando ligar para os números 3345-3066 ou 3345-3062.

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