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Cidades

Na corrida armamentista de MS, campeã de vendas é pistola de R$ 4 mil

Dados da Polícia Federal mostram aumento inédito no registro de novas armas no Brasil e em Mato Grosso do Sul

Izabela Sanchez | 10/07/2020 13:03
Pistola e acessórios roubados de uma casa em Dourados em maio (Foto: Divulgação)
Pistola e acessórios roubados de uma casa em Dourados em maio (Foto: Divulgação)

O Brasil se arma três vezes mais do que se armou nos últimos cinco anos. É o que mostram os dados da Polícia Federal, que indica 73.985 novas armas registradas de janeiro a junho deste ano em todo o país. Em Mato Grosso do Sul foram 1.226 armas registradas até junho, três vezes mais do que foram registradas no mesmo período em 2019. O reflexo é o boom do mercado e por aqui, a preferida é a pistola semiautomática, que custa cerca de R$ 4 mil.

O mês de maior pico no registro de novas armas de fogo junto à polícia federal foi em maio, com 368 novas unidades. Em todo o ano de 2018 foram 326 novas armas registradas. De janeiro à junho de 2019, 193 armas.

Os números acompanham o clima bélico na política, já que o uso da arma de fogo voltou às tribunas do país com toda força e foi parte do mote que elegeu Jair Bolsonaro (sem partido) à presidência. No ano passado, uma série de decretos avançou e em seguida retrocedeu no assunto, e por fim, o governo enviou projeto ao Congresso, que ainda não virou lei.

De qualquer modo, qualquer cidadão comum deve ser avaliado na Polícia Federal para ter uma arma. Mesmo com flexibilização, o processo tende a ser rígido e demorado.

Em Mato Grosso do Sul foi justamente o “cidadão comum” o maior proprietário das novas armas registradas em 2020, segundo dados da Polícia Federal. Em seguida, os servidores públicos que tem porte por prerrogativa da função, a exemplo dos policiais.

Só este ano, até junho, 1.226 novas armas (Arte: Thiago Mendes)
Só este ano, até junho, 1.226 novas armas (Arte: Thiago Mendes)

Em tese, parte dos decretos de Bolsonaro ainda valem, mas não deixam de seguir a lei máxima sobre isso no Brasil: o Estatuto do Desarmamento, de 2003.

É preciso lembrar que posse é diferente de porte. A posse é manter a arma em casa ou no local de trabalho – se a pessoa for o responsável legal da empresa -, e o porte, é levá-la por aí.  Praticamente, ainda hoje, apenas agentes públicos tem essa autorização de porte.

O próprio Estatuto já determina que a posse é permitida “para quem apresenta efetiva necessidade”, tem mais de 25 anos, sem antecedentes no crime, residência comprovada, ocupação profissional, capacidade técnica e aptidão psicológica. Todos esses requisitos são avaliados pela Polícia Federal, que dá a palavra final no pedido de posse.

O porte chegou a ser flexibilizado para uma série de categorias em decreto de maio, mas em junho, novos decretos não especificaram categorias e apenas mantiveram a ampliação do porte para os chamados CACs (Colecionadores, Atiradores Esportivos e Caçadores). Diferente de outras categorias, quem autoriza, registra e acompanha os CACs é o Exército.

Essa categoria chama a atenção na discussão atual e foi alvo de projeto próprio no legislativo, que autorizou e regulamentou o porte. Atualmente, outra coisa que mudou são os tipos de armas permitidas, a quantidade e as munições, que também foram flexibilizadas por decretos e lei.

Agora, o novo debate se volta à investida do presidente sobre a fiscalização e o controle de munições. Bolsonaro revogou portarias que aprimoravam o rastreamento de armas e munições.

A matéria das portarias havia sido elaborada por um Comitê Técnico do Exército, depois de exigência do Ministério Público Federal e do Tribunal de Contas da União porque, na prática, as portarias serviam para dificultar o acesso do crime organizado a munições e armamentos que são exclusivos das forças policiais.

Excluídas logo depois de entrarem em vigor, a canetada repercutiu mal e o Exército lançou consulta pública que tem sido chamada de “fachada”, pois não foi divulgada e “ouviu” a sociedade apenas entre os dias 29 de junho e 5 de julho.

Mercado em MS – Em Mato Grosso do Sul, os números de registros, na maioria, são de armas novas de empresários. É o que explica Gilberto de Andrade, proprietário de uma loja que comercializa armas de fogo em Campo Grande há 40 anos.

Ele afirma que o aumento chamou a atenção com 50% a mais nas vendas, este ano, em relação aos anos anteriores. Gilberto conta que “desde o pequeno empresário até o grande fazendeiro de todas as regiões do Estado” fazem parte da clientela.

Balas de fuzil, parte de um arsenal de guerra que a Polícia Federal apreendeu de criminosos (Foto: Divulgação)
Balas de fuzil, parte de um arsenal de guerra que a Polícia Federal apreendeu de criminosos (Foto: Divulgação)

“Isso está acontecendo em virtude da insegurança, em virtude da fragilidade de hoje. Quanto maior a dificuldade de trabalho, maior o desemprego”, comenta ele, sobre o aumento da criminalidade, mas logo emenda “que óbvio que é justificativa”.

O que ele fala é o que também explicam levantamentos e especialistas: mais crise, mais crimes. “E aí as pessoas ficam amedrontadas, isso é a nível Brasil e mundial. Imagina, o cidadão, a insegurança que isso traz, ele tem que se precaver”, diz.

A preferida até agora, ao menos na loja de Gilberto, tem sido a pistola semiautomática, que custa R$ 4 mil, no mínimo. O motivo? A capacidade de disparos: de 10 a 19 tiros, diz Gilberto. Em segundo lugar, o clássico revólver calibre 38, mais em conta, de R$ 2,6 mil, mas que também pode ser encontrado em preços mais salgados de R$ 6 mil.

Arma é assunto sério – É o que comenta Gilberto, que faz questão de destacar que não é tão simples assim adquirir e que por aqui, "a Polícia Federal é rígida no controle". Essa rigidez, para ele, é o que faz com que os números de novos registros em 2020 sejam bem menores do que na região sul, por exemplo.

“Porque agora temos que ter muita precaução, arma é um assunto muito sério. Às vezes adquirir uma arma não é o melhor caminho. Todo cidadão que compra uma arma antes tem que ler, verificar a legislação, tomar todas as precauções efetivas, porque às vezes a pessoa acha que a arma vai ajudar, mas ela pode trazer muitas consequências”, comenta.

Por outro lado, Gilberto acha que toda a questão “tem muita politicagem”, e que os crimes que as pessoas acompanham na imprensa têm armas do “submundo”.

“Ter uma arma é atestado de boa conduta”, diz.

“Se você não tiver sua ficha criminal exemplar, não consegue. Essa politicagem de colocar como se todo marginal entrasse numa empresa e comprasse uma arma de fogo não ocorre. Tem que passar por exame psicológico, a federal é bem rigorosa, tem que comprovar que tem uma ocupação lícita”, elenca ele.

E por fim, não é todo mundo que tem R$ 4 mil sobrando. “A lei não mudou, continua as mesmas exigências. Antigamente, sem leis, o volume de arma que se tinha é muito maior em percentual do que hoje”, avalia ele.

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