Tema no Enem, trabalho invisível consome 8h por semana a mais de mulheres em MS
São exceções as que não se sentem sobrecarregadas e não reclamem do cansaço; tema foi tratado em redação
"Muito cansada". É assim que chega ao fim do dia a dona de casa, esposa e mãe Maria Aparecida Estevarengo, 33.
Nem teria como ser diferente com quatro filhos para cuidar. É "professora" ao ajudá-los no dever de casa, "cozinheira" na hora do almoço e do jantar e "faxineira" para deixar em ordem a residência da família, que fica no Jardim Panorama, em Campo Grande. Isso sem falar nas outras funções que vai assumindo sem se dar conta.
A rotina dela começa antes das 6h e só termina por volta das 21h. São 15 horas de trabalho sem salário, com rápidos intervalos para descanso.
Questionada sobre o que faria se tivesse menos coisas para fazer e mais tempo livre, Maria responde com silêncio, demonstrando que nunca pensou na possibilidade. Desde que o primeiro filho veio, aos 20 anos, o trabalho e cuidado não remunerados viraram a sua principal ocupação.
O que Maria faz é invisível no Brasil e não dá direito a benefícios, aposentadoria, folga e vira obrigação no contexto cultural de desigualdade na divisão de tarefas entre homens e mulheres dentro dos lares. Isso foi tema da redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) neste domingo (5).
Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2022 dão ideia de como essa desigualdade se apresenta em Mato Grosso do Sul (abaixo). Na média nacional, em 2019, as mulheres dedicavam 10,6 horas a mais do que os homens aos afazeres domésticos e/ou cuidados de pessoas. Em 2022, essa diferença era de 9,6 horas.
"Não ia fazer diferença" - Aos 71 anos, o aposentado José Ronaldo Campos tem a percepção que as mulheres consideram "normal" acumular trabalho não remunerado com um alguma atividade econômica formal ou informal para ajudar na renda da família, e sentir efeitos da sobrecarga.
Admite não ter dividido os afazeres domésticos com a ex-esposa, que era dona de casa em tempo integral. "Eu vivi a vida simplesmente. Você tem uma cultura de como viver e você vai vivendo. Teve anos de inflação, me preocupava mais com dinheiro ou com emprego do que de outra qualquer outra coisa". Ele não reconhece a importância do trabalho não remunerado daquela que foi sua companheira e até prestou assistência após ele sofrer um acidente. "Mulher dentro de casa não ia fazer diferença", afirma.
Maria Luiza Ferreira, 67, é exemplo de mulher que trabalha fora e dentro de casa. É diarista e tem uma filha que já não depende mais de tantos cuidados.
A idosa lembra de quando levava a filha para a casa dos patrões e a deixava num cercadinho. "Não tinha opção. Não tinha creche. Dedicava meu dia quase todo para cuidar dela, da minha casa e da casa onde eu trabalhava", diz.
O marido também trabalhava e ainda trabalha fora. Maria não comenta se tem colaboração satisfatória do companheiro nos afazeres domésticos, só diz estar acostumada com a quantidade de trabalho que tem e que está correndo atrás de se aposentar.
Sobre a divisão do trabalho entre homens na sociedade, ela atesta que é desigual. "Nós trabalhamos muito mais. Entre num ônibus cedinho para você ver: tem muito mais mulher! E a gente chega em casa à noite com mais trabalho 'esperando' para fazer", lamenta.
Geuvani Jesus, 47, também é diarista e tem uma filha adolescente. Ela concorda sobre a mulher trabalhar mais do que o homem. "Se você juntar o trabalho 'para fora' e juntar o trabalho de casa, é muito mais mesmo", fala.
Para piorar, ela criou a menina e sustenta a casa sozinha desde sempre. "Tive que dar conta. Não tive alternativa", finaliza.
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