Tragédia de estupro coletivo de criança exige reação do poder público, diz MPF
Procurador Marco Antônio Delfino diz que caso jogou "luz sobre a situação gravíssima"
O MPF (Ministério Público Federal) se manifestou depois do caso da menina de 11 anos, vítima de estupro coletivo e que foi morta na aldeia Bororó, em Dourados, no último dia 9 de agosto.
A tragédia que gerou comoção jogou, nas palavras do órgão, uma "luz sobre a situação gravíssima" que o MPF tenta trabalhar há anos: a falta de políticas públicas destinadas aos povos indígenas na região da Grande Dourados.
Procurador da República em Dourados, Marco Antônio Delfino de Almeida, diz que as medidas destinadas à prevenção e ao tratamento de drogas entre povos indígenas, já foram devidamente diagnosticadas e demandadas pelos órgãos de segurança pública, e aponta a necessidade de serem implementadas com urgência.
"O MPF espera que esse fato grave promova uma reação dos poderes públicos e que, efetivamente, mais medidas destinadas aos povos indígenas, tanto na área de saúde mental quanto na melhoria das condições de vida da comunidade na área de segurança pública, de alimentação, geração de renda, possam ser igualmente implementadas".
Visita de ministros - Está prevista para o dia 26 de agosto, a vinda dos ministros da Justiça, Anderson Torres e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, além da presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Renata Gil e outras autoridades para diligências na aldeia.
O objetivo é criar um plano de ações com medidas de combate à violência contra esses povos.
Quem vivencia tudo isso de perto, como o capitão da Aldeia Bororo, Gaudêncio Benites, a oportunidade servirá para, mais uma vez, pedir tudo para os políticos de Brasília. “Eles vão vir para ver de perto a situação e ouvir a comunidade. Para Resolver. Só vir para ouvir e ir embora, não adianta. Isso já fizeram. Estamos esquecidos pelo poder público. Vamos pedir de tudo”, afirmou.
Entre as principais reivindicações, estão um posto policial dentro da aldeia e planejamento para combater a venda de bebida alcoólica e drogas no local.
O caso da menina - A menina foi estuprada e o corpo encontrado sobre as pedras. Ela morreu depois de ser jogada do topo do paredão. O local onde o corpo foi encontrado fica na divisa das aldeias Bororó e Jaguapiru, que formam a Reserva Indígena de Dourados. A menina morava na Bororó.
O corpo foi encontrado por familiares, que saíram à procura da menina por ela não ter voltado para casa. A Polícia Civil chegou em cinco envolvidos, um deles o tio da menina que também confessou que estuprava a criança desde que ela tinha 6 anos de idade.
Dos outros quatro presos, apenas um tem 20 anos, os outros três teriam 14 e 16 anos.
Desde 2017, o MPF e as Defensorias Públicas da União e do Estado de Mato Grosso do Sul ajuizaram ação civil pública para que os governos federal, estadual e municipal fossem obrigados a implementar políticas públicas de enfrentamento ao uso de drogas na Reserva Indígena de Dourados.
Na ação, que tramita até hoje, os autores afirmam que órgãos estatais têm sido "omissos quanto aos deveres constitucionais e legais de tutela à vida e à saúde da população indígena de Dourados".
Em 2019, o MPF e as Defensorias chegaram a propor um acordo extrajudicial aos governos federal, estadual e municipal que não foi homologado porque, segundo o MPF, o Governo do Estado informou que a ação que lhe caberia, de implementar e executar as ações específicas referentes à população indígena previstas no Projeto de Prevenção do Suicídio no município de Dourados, bem como as ações apresentadas no Plano Estadual de Políticas Públicas para os Povos Indígenas em Mato Grosso do Sul, dependia de aprovação da Assembleia Legislativa.
Como não houve informação de cumprimento deste requisito, a Justiça Federal concluiu que o Estado do MS não anuiu à minuta do acordo, frustrando-se assim, a tentativa de tratativa extrajudicial.
Índices de violência - A Reserva Indígena de Dourados, onde a aldeia Bororó faz parte, tem a maior concentração de população indígena do país, cerca de 13 mil habitantes.
Para o MPF, a população é tratada com “indiferença hostil”, fundada, na maioria das vezes, em motivos discriminatórios. Entre 2012 e 2014, o Brasil teve taxa média de 29,2 homicídios por 100 mil habitantes. Em Mato Grosso do Sul, a taxa foi de 26,1. Entre os indígenas de MS, este número sobe para 55,9. Já os indígenas da Reserva de Dourados enfrentam uma taxa de homicídios de 101,18 por cem mil habitantes. Os indígenas da região de Dourados morrem por homicídio a uma taxa quase 400% superior aos não indígenas de MS.