"Toni", ex-advogado pedófilo pegou 42 anos, mas está em casa
Preso em 2009, em Dourados, ele armazenava fitas de vídeo com estupros de meninas
A quinta-feira 19 de novembro de 2009 foi o dia “D” para equipe da Polícia Civil de Dourados, a segunda maior cidade de Mato Grosso do Sul. De posse de mandado de prisão, os agentes de segurança pública saíram logo cedo para colocar atrás das grades o advogado Antônio Paulo de Amorim, o “Toni”, então com 53 anos. Era o “Dia Mundial de Prevenção ao Abuso Infantil” e a ação tiraria das ruas maníaco capaz de gravar a si próprio falando em “pedofilia gostosa”.
Flagrado em seu escritório, onde também morava, no Centro douradense, “Toni” tinha vídeos pornográficos de “embrulhar o estômago”, com garotas de 11,13 anos, mais de uma no mesmo ambiente. Eram fitas cassete, com filmagens feitas usando câmera portátil, por ele mesmo, além de filmes pornográficos baixados da internet.
O procurado confessou-se pedófilo desde o fim da década de 1990. Feitas as contas, abusava de meninas havia mais de 10 anos.
Para uma das vítimas identificadas, dava valores entre 10 e 15 reais, depois de tê-la assediado no caminho para a escola. Outra garota sofria a violência com autorização da mãe.
No meio do material armazenado, foi encontrado vídeo produzido no ano de 1997. As cenas de abuso sexual de garotas mal saídas da infância provocaram nojo em quem teve de assistir. Em menos de dois meses de apuração, após denúncia anônima, havia fartas provas contra o profissional do Direito.
Há frases impublicáveis ditas pelo pedófilo no material recolhido.
Fora de ação - Um ano depois, em novembro de 2010, "Toni" foi condenado a 42 anos de reclusão. A sentença abarcou infrações repetidas a cinco artigos do ECA (Estatuto da Criança do Adolescente): estupro de vulnerável, produção e exposição de conteúdo de sexo envolvendo crianças e adolescentes, contracenar com menores de idade em contexto sexual, armazenar material do tipo e submeter as vítimas à exploração sexual.
O escândalo foi imenso. Tão rumoroso a ponto de trazer à cidade a CPI da Pedofilia, do Congresso Nacional, presidida pelo hoje ex-senador Magno Malta. Audiência pública sobre o assunto aconteceu na Câmara de Vereadores local. A CPI, passados quase 3 anos, produziu 14 propostas para endurecer as leis contra pessoas como o advogado pedófilo de Dourados.
Quando veio a sentença aparentemente pesada contra ele, a sensação foi de alívio na comunidade. Era menos um malfeitor à solta.
“Corta” para 2021 – Expulso pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Antônio Paulo de Amorim não é mais advogado. Nem detento. Em pleno “Maio Laranja”, dedicado ao combate à pedofilia, a “Capivara Criminal” descobriu que o condenado está em prisão domiciliar, deferida pela Justiça sob a justificativa de risco de contrair covid-19.
Conforme a investigação jornalística, o ex-advogado ficou encarcerado, mesmo, só até 2015, pelos crimes derivados da prática de pedofilia. Dos 42 anos da condenação em primeiro grau, o quantitativo final acabou em 30 anos.
Com os descontos por trabalho e leitura, juntando o benefício por "ótimo" comportamento e as possibilidades legais de progressão de regime, deu seis anos de cadeia, somando a fase de prisão preventiva.
A partir daí, passou a cumprir pena no regime semiaberto.
O MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) tentou manter o apenado em regime fechado, ao pedir a realização de exame criminológico.
O perito concluiu, avaliando a gravidade justamente do primeiro crime, que o reeducando estava apto a retornar ao convívio social e a progredir para o regime mais brando (semiaberto)", traz documento processual.
Para ter “descontos” na pena, chamados legalmente de remissão legalmente, Antônio Paulo trabalhou. E no mesmo lugar cometeu novo ato ilegal.
Em 2017, prestava serviços em cartório de Dourados. Nessa época, acabou voltando ao regime fechado, acusado e condenado por coagir colega de detenção para que alterasse depoimento comprometedor contra Rogélio Vasques Vieira, ex-diretor do presídio semiaberto de Dourados, envolvido em inúmeras irregularidades na administração da prisão.
Conforme consta dos autos, para coagir o outro preso, “Toni” usou de seus conhecimentos em Direito e ainda do posto obtido no cartório onde atuava com autorização judicial, desde 2016.
Pegou dois anos de detenção por isso, voltando ao sistema intramuros na PED (Penitenciária Estadual de Dourados), a maior prisão sul-mato-grossense. Terminada essa pena, retornou ao semiaberto, em fevereiro de 2020. Em março deste ano, foi para a prisão domiciliar.
Pela decisão judicial concedendo o benefício, assinada pelo magistrado Eguiliell Ricardo da Silva, o sentenciado vai ficar nessa situação até julho deste ano. Depois, haverá nova análise sobre o retorno ao semiaberto, onde pode ficar livre durante o dia e dormir no cárcere à noite.
Escolha literária - A vida carcerária de “Toni” revela que, para encurtar seu tempo de condenação, ele também procurou ler livros.
Participou do Projeto Círculo de Leitura Redescobrindo Sonhos e obteve aprovação em 1 resenha literária referente à obra "Tráfico de Anjos", informa trecho de despacho sobre Antônio Paulo de Amorim.
Curiosamente, ou não, a temática de “Tráfico de Anjos”, de Luz Puntel, é sobre crimes contra a infância. O personagem principal é repórter investigativo interessado em descobrir os meandros de rede sequestradora de bebês.
A leitura dessa obra rendeu a Antônio Pedro a remissão de 4 dias da pena, agora cumprida em casa.
Nunca negou – Depois de preso pela Polícia Civil, o pedófilo não teve como negar os fatos, tamanho o acervo de gravações em primeira pessoa. Admitiu o fetiche, porém atribuiu ao amor um dos relacionamentos.
Com ela não é crime", declarou sobre adolescente de 13 anos, à qual chamava de namorada.
No processo judicial, sua defesa se calcou na tentativa de invalidar as provas e procedimentos. Primeiro houve alegação de falta de representação legal das vítimas, rejeitada pela magistrada responsável pela ação penal, Dileta Terezinha Sousa Thomaz, titular da 1ª Vara Criminal na época, atualmente desembargadora do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).
Depois, a tentativa foi de anular o trabalho inquisitorial sob o argumento de vazamento do conteúdo para a imprensa. Igualmente, a resposta foi negativa.
Por fim, os advogados de Antônio Paulo atribuíram ilegalidades às buscas de provas realizadas, mas também não tiveram êxito.
Houve pedido, até, para cursar presencialmente Turismo, em universidade pública, depois de passar no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), ainda em 2013. O requerimento para saída do presídio chegou até o STJ (Superior Tribunal de Justiça), onde foi confirmado o não.
A título de explicação: pedofilia, a atração libidinosa por meninos ou meninas, não é tipificada como crime. É patologia, passível de tratamento por meio de terapias medicamentosas e comportamentais. Quem não procura ajuda, para controlar os impulsos, pode acabar se transformando em infrator às leis, ao atacar crianças e adolescentes.
Como proteger? – Se passaram 12 anos do caso relatado nesta edição da coluna. E o risco de crianças serem alvos de maníacos sexuais tem ingredientes mais complexos ainda, em razão do acesso fácil à internet, às redes sociais. No mundo difuso e sem limites da internet, abusadores em potencial encontram terreno fértil.
Titular da Depca (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente), em Campo Grande, a delegada de Polícia Civil Marília de Brito lida com o problema em sua rotina. Na semana passada, esteve entre os responsáveis pela operação "Araceli", desencadeada no dia 18, "Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes", quando foram feitas 20 prisões só em Campo Grande de condenados por infrações penais nessa área.
“No âmbito cibernético, a criança e o adolescente devem sempre ser alertados de que qualquer pessoa pode estar do outro lado da conversa”, pontua a delegada.
Existem pedófilos se passando por meninas, por exemplo, para conseguir manter relações virtuais com garotos. É importante, afirma a policial, ter diálogo aberto e constante sobre os perigos da internet, e sobre os benefícios também.
“As experiências nesse ambiente devem ser acompanhadas pelos responsáveis sempre”, registra.
Não deixar a criança sozinha, dentro do quarto, sem supervisão e estabelecer limites para o convívio virtual ajuda a proteger de abusadores sem rosto e sem nome.
Observar de perto os filhos e suas reações é, também, prevenção.
Sinais psicológicos da criança, um apego a determinada pessoa, uma repulsa, uma certa depressão, sinais de automutilação, conversas em caráter depressivo, alterações comportamentais, são todos sinais de algo errado, entre elas a possibilidade de algum abuso e violação de direitos”, ensina a autoridade policial.
Qualquer denúncia de abuso contra crianças pode ser denunciada pelo Disque 100.
(*) Marta Ferreira, que assina a coluna “Capivara Criminal”, é jornalista formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), chefe de reportagem no Campo Grande News. Esse espaço semanal divulga informações sobre investigações criminais, seus personagens principais, e seu andamento na Justiça.
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(Esse texto foi editado às 13h50 para acréscimo de informação)