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Capital

Adolescentes da maior Unei de MS aprendem na escola a ver novo futuro

Teatro, atividades e futebol ajudam no desafio de formar novos jovens, longe do crime e das drogas

Paula Vitorino | 25/10/2012 18:04
Apresentação de projetos envolve alunos em diversos temas.
Apresentação de projetos envolve alunos em diversos temas.

Com poesia de Manoel de Barros, teatro e música, os alunos apresentam as lições de meio ambiente e saúde adquiridas ao longo do último bimestre. A disciplina é igual a de qualquer escola, mas os estudantes são especiais: adolescentes que cometeram alguma infração; e o prédio é cercado por grades e cadeados.

A escola estadual fica dentro da maior Unei (Unidade Educacional de Internação) do Estado, a Dom Bosco, em Campo Grande. Os adolescentes ficam internados na unidade até cumprirem a medida socioeducativa aplicada como punição pelo ato infracional praticado.

A apresentação de projetos temáticos é rotina em todo término de bimestre na escola, que atualmente conta com 56 matriculados – são 67 internos na Unei. É o momento que os alunos têm para mostrar o que aprenderam sobre a temática ministrada em sala de aula.

É também a hora em que eles são o centro das atenções: professores, direção e os demais alunos param para assistir as apresentações.

“Ah, eu gosto de participar das atividades. A gente procura fazer tudo que a professora propõe para ter um bom comportamento”, diz o jovem de 19 anos que é um dos principais protagonistas das produções. Ele é interno há seis meses por tentativa de homicídio.

Alunos de 14 a 19 anos, cursando entre a 1ª série do ensino fundamental e as séries do ensino médio, se tornam protagonistas de boas lições nos teatros. Vale até “se vestir” de lixeira, com TNT colorido, para ensinar a utilidade de cada cor dos recipientes ou interpretar junto com a “árvore dos sonhos”, montada na parede de uma das salas.

É claro que os demais companheiros não perdoam as brincadeiras e aproveitam para tirar sarro dos micos alheios. Mas o aplauso é garantia no final.

“Eles gostam de se ver nos vídeos, de apresentar seus trabalhos”, diz a diretora Mary Estela Miranda.

Em encenação, adolescentes se
Em encenação, adolescentes se

A maioria dos trabalhos é apresentada com teatros exibidos em vídeos, que ajudam a diminuir a vergonha do “ao vivo” e permitem eternizar a atuação.

“Há 2 anos começamos a utilizar bastante os vídeos. Tínhamos o problema de chegar no fim do bimestre e na hora da apresentação àqueles que começaram o trabalho já não estavam mais com a gente. E também diminui a vergonha de vi na frente apresentar”, explica.

Quando se trata de uma escola dentro da Unei, a rotatividade dos alunos é diferente, já que o tempo de permanência dos adolescentes é alterado de acordo com a infração cometida e a avaliação do juiz, feita a cada 3 meses. O tempo máximo de internação é de 3 anos.

“A gente procura seguir um calendário normal, pra que mesmo se ele saia amanhã possa pegar sua transferência e continuar os estudos em uma escola fora daqui, normalmente”, diz um dos professores.

Com isso, os projetos temáticos ainda funcionam como alternativa para superar a rotatividade, já que é possível uma avaliação diária dos alunos com as atividades práticas, que ainda contribuem para o maior envolvimento dos adolescentes.

Árvore dos sonhos convida adolescentes.
Árvore dos sonhos convida adolescentes.

Educar - Em nome da educação, os crimes, erros, vícios, famílias desajustadas e toda a triste realidade que os levaram até a internação é, não esquecida, mas deixada do lado de fora das salas. O que importa ali é o aprender no presente, para o futuro.

“A maioria participa e tem um bom relacionamento com os professores. Eles enxergam na escola uma alternativa diferente para o futuro, fora da internação”, diz a diretora.

Para muitos dos internos, a escola na Unei significa a volta para as salas de aula depois de meses e até anos de abandono dos estudos. Adolescentes que chegam analfabetos funcionais ou até mesmo sem saber ler e escrever completamente. Jovens que pararam de estudar ainda no ensino fundamental, trocando as aulas pelas drogas – na maioria dos casos.

“Eles chegarem sabendo ler já é uma vitória. A maioria chega aqui depois de muito tempo sem estudar. Nosso desafio é despertar de novo esse desejo neles”, diz.

Em uma das aulas, a professora ensina um garoto de 14 anos os nomes dos países e cidades, mostrando com quais letras eles são iniciados. Ele é um dos meninos que ainda precisa ser alfabetizado.

“Eu gosto mais de matemática e português. Dá para aprender”, acredita o garoto, que parou de estudar na 5ª série. Ele cumpre medida por participação em sequestro.

O juiz da Vara da Infância, Juventude e Idoso, Roberto Ferreira Filho, ressalta que é só por meio da educação que a situação dos adolescentes infratores pode ser mudada.

Apesar das carências do sistema de atendimento à adolescentes infratores, o juiz frisa que o Estado é um dos poucos que tem escolas dentro das Uneis e isso “é um grande avanço”.

Dois livros com histórias e poesias escritas por internos da Unidade já foram publicados. Este é o segundo.
Dois livros com histórias e poesias escritas por internos da Unidade já foram publicados. Este é o segundo.

Você é capaz - A formação desses adolescentes vai além da parte intelectual ou profissional. Os jovens precisam ser estimulados a aprender valores e a acreditar que são capazes. Trabalhando a auto-estima, os educadores mostram que existe uma opção diferente, longe das drogas e crime, para o futuro.

“Nós procuramos estimulá-los, mostrar que eles são capazes, que conseguem fazer qualquer atividade proposta”, diz a diretora.

Nas apresentações das atividades em público, a diretora diz que os jovens também são preparados para o mercado de trabalho. Eles são estimulados a saber se posicionar em público, falar e se apresentar em uma entrevista de emprego, por exemplo.

O juiz Roberto lembra que o adolescente está em processo de formação, então, dependendo da maneira e do meio em que é estimulado pode aprender a desenvolver seu “lado bom” ou seu “lado ruim”.

“Além da profissionalização, os cursos ajudam a levantar a auto-estima e fazer com que o adolescente saiba que tem condições de mudar de vida. Que existe outra realidade”, frisa.

Além da escola regular, cerca de 30 adolescentes da Unei Dom Bosco participam dos cursos profissionalizantes de vendas e operador de computador. As atividades são oferecidas em parceria com o Senac para as Uneis do Estado, por meio do Programa Nacional de Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).

Educação física – Mas se as atividades em sala merecem aplausos, é na quadra que está a paixão em comum dos garotos: o futebol.

Eles conhecem bem os dias e horários da mais aguardada aula: Educação Física, que acontece duas vezes por semana.

“A gente passa conteúdo teórico em sala também, mas eles gostam mesmo é do futebol. Pode até ter outro esporte junto, mas não conquista tanto”, diz o professor da disciplina, Diego Vidal.

A paixão pelo esporte é tanta que virou até motivo para princípio de tumulto entre os adolescentes, no dia 20 de setembro. A revolta aconteceu porque o professor ficou doente e precisou faltar ao serviço.

“É um direito deles e por isso às vezes querem de qualquer forma, não entendem. Mas não pode ser assim. A gente conversa muito e acaba ficando tudo bem”, diz.

Entrada das alas das Uneis.
Entrada das alas das Uneis.

Segurança – Enquanto apita a partida de futebol, o professor que trabalha há 2 anos na Unidade fala sobre a sensação de trabalhar em uma unidade de internação. “Eu falo que tenho mais medo lá fora do que aqui dentro. Me sinto mais seguro aqui”, garante.

O prédio da escola é cercado com grades e os portões de acesso tem cadeados. O objetivo é impedir "pontos de fuga" durante a aula. A Educação Física é na quadra, que fica ao lado, em um espaço mais "livre". A segurança fica por conta de alguns agentes que acompanham ao redor as atividades.

Mas uma das principais medidas de segurança está na separação das alas. Todas as atividades acontecem de forma separada: um turno é para a ala A e outro para a B.

A direção explica que a separação é fundamental, já que existem rixas entre integrantes das alas que começaram ainda na rua e são levadas para dentro da Unidade. Ainda existe uma ala chamada de medida protetiva, onde os adolescentes recém chegados são analisados e àqueles que não podem ficar em nenhuma das outras alas são colocados até conseguir transferência. O espaço é pequeno e o acesso restrito.

A diretora da escola ainda frisa que independente das medidas rotineiras de segurança, os professores são estimulados a ir além e trabalhar a afetividade com os adolescentes, criando confiança.

Mas ainda assim o conflito entre educar e a infração ainda acontece. No último dia 16, três adolescentes fugiram da Unidade durante uma das aulas profissionalizantes. Em junho, uma professora foi feita refém durante uma tentativa de fuga.

Por ser uma unidade socioeducativa, os agentes não podem usar armas. O juiz diz que em último caso é permitido utilizar algum instrumento de contenção que seja menos violento – como por exemplo o cassetete.

Ele ainda esclarece que a prioridade é zelar por um atendimento humano dentro da Unidade, que gere respeito e educação na convivência.

“As pessoas precisam entender que quando existe um tratamento humano, decente, a chance de ter uma recuperação é maior. Quanto mais embrutecido for, mais chances desse adolescente sair pior. Não significa passar a mão na cabeça, mas oferecer um tratamento digno”, conclui.

Por conta disso, ele afirma que as Uneis precisam de mais agentes e profissionais que uma unidade prisional comum. “Na Unei o interno circula muito mais pela unidade. Eles vão pra escola, curso. É diferenciado o tratamento, mas falta efetivo para atender a demanda”, diz. O problema da falta de funcionários é comum em todas as Uneis do Estado.

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