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Capital

Relato visceral de legista choca plateia e arranca lágrimas de pai durante júri

Cascudo ou sufocamento em colchão: métodos de padrasto contra Sophia podem ter causado morte, afirmou médico

Por Anahi Zurutuza, Bruna Marques e Ana Beatriz Rodrigues | 04/12/2024 13:55
Fabrício Sampaio Morais de Paiva, perito médico legista da Polícia Civil, durante depoimento; réus, Stephanie e Christian à esquerda da imagem (Foto: Henrique Kawaminami)
Fabrício Sampaio Morais de Paiva, perito médico legista da Polícia Civil, durante depoimento; réus, Stephanie e Christian à esquerda da imagem (Foto: Henrique Kawaminami)

O último depoimento da manhã desta terça-feira (4), quando são julgados Christian Campoçano Leitheim, de 27 anos, e Stephanie de Jesus da Silva, 26, padrasto e mãe, acusados de matar a menina Sophia Ocampo, aos 2 anos de 7 meses, foi bastante difícil de ouvir. Para o médico legista responsável pela necrópsia no corpinho frágil da criança, no dia 27 de janeiro de 2023, termos técnicos ajudam a esclarecer o que aconteceu. Mas, para os leigos – jurados e plateia –, não foi fácil saber como a violência empregada contra a garotinha deixou marcas no corpo dela.

RESUMO

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O julgamento de Christian Campoçano Leitheim e Stephanie de Jesus da Silva, acusados de matar a filha de 2 anos, Sophia Ocampo, revelou detalhes chocantes sobre a violência que a criança sofreu. O médico legista Fabrício Sampaio descreveu as lesões que indicavam tortura física e sexual, incluindo um trauma raquimedular na coluna cervical e hemorragias. O depoimento do legista e os áudios apresentados pela acusação mostraram que o padrasto ensinava a mãe a asfixiar a menina como forma de punição, evidenciando a crueldade do casal. A investigação sugere que Sophia foi espancada até a morte após uma vida de abusos, com o apoio da mãe, que também participou das agressões.

Os detalhes viscerais daquele exame arrancaram suspiros da plateia, que tentava digerir verdades difíceis de engolir. O pai de Sophia, Jean Ocampo, não suportou e chorou em vários momentos. Ao lado dele, o marido, Igor Andrade, também não aguentou e deixou que a indignação transbordasse pelos olhos. Os réus não esboçaram muita reação.

Na tarde do dia 26 de janeiro de 2023, Sophia deu entrada na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Bairro Coronel Antonino, no norte de Campo Grande, já sem vida. Inicialmente, a mãe, que foi até lá sozinha com a garota nos braços, sustentou versão de que ela havia passado mal, mas “de cara”, a inspeção médica encontrou lesões pelo corpo, além de constatar que a morte havia ocorrido horas antes da chegada ao local.

O atestado de óbito apontou que a garotinha morreu por sofrer trauma raquimedular na coluna cervical (nuca) e hemotórax bilateral (hemorragia e acúmulo de sangue entre os pulmões e a parede torácica). O laudo necroscópico também mostrou que a criança sofria agressões há algum tempo e tinha ruptura cicatrizada do hímen – sinal de que sofreu violência sexual.

Para a investigação policial e o Ministério Público, Sophia foi espancada até a morte pelo padrasto, depois de uma vida recebendo “castigos” físicos e tortura psicológica, quase sempre com o aval da mãe, quando não era ela quem cometia as agressões.

O depoimento – Fabrício Sampaio Morais de Paiva, perito médico legista da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, começou respondendo a perguntas da acusação sobre os sinais de estupro encontrados na criança.

Explicou que Sophia tinha o hímen – membrana que fina que cobre parcialmente a entrada da vagina – rompido, o que indica que a menina foi violentada. A ruptura era antiga, de mais de 21 dias, mas na ocasião do exame, a região íntima da criança estava inchada e avermelhada, sinal de “manipulação genital recente”.

Respondendo a um dos integrantes da bancada da acusação sobre que tipo de ação humana poderia provocar a ruptura himenal, o legista disse: “a própria penetração pênis-vagina e no caso de uma criança, um objeto ou a introdução de um dedo”. Mais tarde ele reforçou que as lesões externas – inchaço e vermelhidão – indicavam manipulação da região “de no máximo 2 dias” antes do exame.

Para não restar dúvida, o promotor José Arturo Iunes Bobadilla Garcia questionou o médico se o rompimento do hímen poderia ter acontecido acidentalmente, na hora do banho, por exemplo.

“Muito difícil, porque para a gente visualizar o hímen a gente tem de colocar o paciente ou o cadáver numa posição ginecológica e incidir luminosidade, além de fazer uma manobra nos grandes lábios, porque é uma estrutura interna”, afirmou Fabrício Sampaio.

Marcas no corpo de Sophia em registros feitos pela mãe e pelo pai biológico; garotinha teve a perna quebrada com chute do padrasto, segundo a investigação (Fotos: Reprodução)
Marcas no corpo de Sophia em registros feitos pela mãe e pelo pai biológico; garotinha teve a perna quebrada com chute do padrasto, segundo a investigação (Fotos: Reprodução)

Violência escancarada – “O corpo fala”, diz o ditado usado pelos profissionais da Medicina Legal. Em vida, Sophia era silenciada com violência, conforme demonstrou a investigação policial e do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), mas pelas lentes do médico legista, a pequena teve voz. O corpinho inanimado denunciou o quanto sofreu.

O médico descreveu como começou o exame necroscópico. Detalhes e mais detalhes que não cabem aqui registrar, mas um trecho da narração chocou. A que explica a causa da morte.

“Ao manipular o pescoço dela, tínhamos uma grande torção, virava em torno de 360 graus. Um trauma extenso. Abrimos o pescoço e observou-se o trauma na coluna cervical”, afirmou Fabrício Sampaio.

Na sentença de pronúncia, o juiz Aluízio Pereira dos Santos, que preside o julgamento, já havia destacado o pormenor de deixar qualquer um sem ar. Para mandar o casal a júri, ele trouxe trecho do depoimento do legista em juízo, de maneira a grifar a crueldade aplicada contra a vítima. Veja:

Trecho da sentença de pronúncia do juiz Aluízio Pereira dos Santos (Foto: Reprodução)
Trecho da sentença de pronúncia do juiz Aluízio Pereira dos Santos (Foto: Reprodução)

A acusação fez questão de exibir ao júri áudio em que Christian “ensina” Stephanie calar a filha. O método é asfixia. “Dá uns tapão nela, aí você vira a cara dela pro colchão e fica segurando porque aí ela para de chorar. É sério. Parece até tortura mais [sic] não é, porque aí ela fica sem ar para chorar e para de chorar. Entendeu?”, orienta o padrasto, calmamente. Veja:

O médico passou então a ser questionado sobre se métodos empregados por Christian contra Sophia, como cascudos – também admitidos por ele em troca de mensagens com a mãe da criança – e o sufocamento contra o colchão, poderiam ter provocado o tal trauma raquimedular na coluna cervical. E o especialista foi enfático em responder “sim”.

“Pode. É uma agressão que é na anatomia da região, a energia pode se propagar, ainda mais sendo uma criança, pode ocasionar, sim, dependendo da intensidade, pode sim”, disse quando a promotora Lívia Carla Guadanhim Bariani questionou sobre os “cascudos”.

Perguntado, Sampaio respondeu que a lesão fatal também pode ter sido provocada pela prática da “receita” de Christian para “fazer parar de chorar” – a asfixia como técnica. “Poderia, porque vai fazer um peso na cabeça, na coluna cervical e região, e pode fazer uma lesão, considerando que é uma criança bem mais frágil. É bem possível”.

O júri – O julgamento pela 2ª Vara do Tribunal do Juri será realizado em dois dias, para que as 12 testemunhas arroladas por acusação e defesas sejam ouvidas, além dos réus e a argumentação dos advogados e da promotoria.

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