Adolescentes, principalmente meninos, buscam no carro status de poder
Psicólogo e Polícia Civil revelam que incidência de adolescentes no volante é maior na classe média e alta, que pegam o carro dos pais para “se mostrar”
Ter um veículo e mostrar que consegue dirigir, ser independente, enquanto os outros colegas da mesma idade “pegam carona”. Segundo o psicólogo Renan Soares Junior essa relação estabelecida pelos adolescentes entre o veículo e o status de poder é o que leva a maioria a pegar o carro, como aconteceu no acidente deste sábado (19).
A combinação perigosa terminou na morte de um menino de 15 anos, que estava com outros 6 adolescentes e um carro conduzido por um deles, também de 15 anos. Quatro garotos continuam internados, sendo dois em estado grave.
De acordo com a delegada da DEAIJ (Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e Juventude), Maria de Lourdes Cano, só nos últimos três meses foram 97 flagrantes de menores na direção. Ela ainda revela que a maior incidência é entre a classe média e alta, que pegam o carro dos pais para “se mostrar”.
Outra característica da infração é a maioria ser do sexo masculino, já que o número de meninas adolescentes notificadas dirigindo é quase nulo. As garotas representam apenas 5% entre os adolescentes que foram pegos dirigindo e participam do programa sócioeducativo para adolescentes infratores no trânsito - Premi Jr., desenvolvido pelo Detran/MS (Departamento Estadual de Trânsito).
“Para o menino, o veículo tem ligação direta com o prestígio entre as mulheres e ele se acha o máximo porque dirige. É como se fosse uma arma, na relação de poder e respeito que o homem estabelece”, constata a delegada.
De acordo com o relatório do Premi Jr., cerca de 90% dos adolescentes afirmaram acreditar que vão ter mais respeito e poder se dirigirem um carro.
Preparados para o volante desde a infância - Mas o fascínio e a familiaridade com os veículos começam ainda na infância, dentro da família.
A delegada ressalta que se o adolescente pegou o carro é porque algum ensinou a dirigir ou emprestou o carro. “Os pais que tem chácaras e fazendas ensinam os filhos a dirigir nas estradas rurais, geralmente”, diz.
Ela também afirma que os pais tinham conhecimento de que os filhos utilizavam os carros na maioria das ocorrências.
O psicólogo Renan alerta que os pais ensinam os filhos a dirigir e depois não querem que eles peguem os carros. “Como que você ensina o adolescente com 14, 15 anos a dirigir e depois fala que ele só pode pegar o carro quando tiver carteira? É claro que na primeira oportunidade ele vai querer mostrar que sabe dirigir”, frisa.
Ele também chama a atenção para o fato da direção estar presente na cultura desde a infância. “Principalmente os meninos já tem o primeiro contato com a direção na infância. Ganham mini-motos, bugs e vão crescendo querendo veículos que os acompanhem”, diz.
Álcool - A combinação menor de idade e direção fica ainda mais perigosa quando combinada a ingestão de bebida alcoólica e alta velocidade. No caso do acidente deste sábado, existe a suspeita de que os adolescentes estavam acima da velocidade permitida e bebendo, já que foram encontradas ao menos 4 garrafas dentro do veículo.
“Não é incomum a combinação com o álcool, até por ser uma substância aceita pela sociedade e consumida em larga escala”, diz o psicólogo. Cerca de 50% dos adolescentes do Premi Jr. ingeriram bebida ao pegar o volante.
Ele também frisa que quando o adolescente bebe assume dois comportamentos de risco. “Juntam-se dois comportamentos arriscados, uma substância que vai traze efeitos colaterais e a direção de um veículo, que ele ainda não recebeu a preparação adequada”, diz.
A motivação para correr o risco é a auto-afirmação, mostrar que sabe fazer e consegue. “Ele busca emoções fortes, o que é muito presente na adolescência. Ele quer mostrar que sabe fazer direito e não vai lhe acontecer nada. O agravante é que esse comportamento acaba se estendendo na fase adulta”, frisa.
Punição - A delegada explica que a lei de trânsito não prevê punição criminal para o adolescente pego dirigindo, mas que devido ao aumento desse tipo de infração o menor é conduzido para assinar termo na delegacia.
O veículo é apreendido e o proprietário recebe multa. Se o adolescente tiver causado acidente, vai receber advertência ou a pena de prestação de serviço, como participar do programa Premi Jr. do Detran. Em casos de morte, o menor pode ser processado e ter a apreensão pedida pela Justiça.
O programa do Detran funciona desde 1996 atendendo uma média de 50 adolescentes por semestre, que recebem acompanhamento psicológico por 2 meses. Eles também vão para as ruas para observar a atitude de outros infratores no trânsito e as conseqüências.
A partir do próximo ano o projeto também deve contar com visitas aos setores de traumatologia dos hospitais e depoimentos de vítimas de acidentes.
“O objetivo é que o adolescente veja as reais conseqüências da sua infração”, explica o psicólogo.