Clínica Carandá não cumpre prazo da Vigilância e pede fim da interdição
De 41 pacientes que precisavam ser removidos, apenas três receberam alta e os demais permanecem internados
Sem outra unidade psiquiátrica de internação que atenda planos de saúde e pacientes privados em Campo Grande, a Clínica Carandá tem até amanhã para cumprir medida imposta pela Vigilância Sanitária Estadual para transferir ou remover os 41 pacientes da instituição, que estavam internados até dia 5 de abril. Neste dia, o local foi interditado e impedido de receber novos assistidos.
Sem conseguir transferi-los, o hospital mantém 38 internados - três receberam alta e estão com a família - e acionou a Justiça para anular a interdição, considerada arbitrária e abusiva. Através de mandado de segurança, a defesa pede que “afaste os efeitos total da interdição aplicada, ou ainda que seja permitido a internação de urgência, e a manutenção dos atuais pacientes, quais não tem outro local para serem realocados”.
No mandado, a clínica alega ser a única instituição capaz de internar pacientes particulares e oriundos de convênios e que mesmo tentando liberá-los conforme prazo da Vigilância, não foi possível porque “não há leitos na rede estadual, pública ou privada”.
Além disso, alega que, se mantida interdição, pessoas ficarão sem assistência e até nas ruas. A clínica “será obrigada a dar alta administrativa e colocar todos os pacientes à disposição dos familiares, inclusive deslocando os mesmos para a via urbana, pois não poderá permanecer com os pacientes em seu estabelecimento conforme determinação da impetrada”.
Parecer do médico responsável, Paulo Márcio Bacha, indica que a tentativa de transferência e alta foi frustrada porque “os paciente se recusam de forma espontânea a serem realocados em outras unidades” e que foram buscados leitos em outras instituições, mas “sem sucesso”.
A Vigilância Sanitária tem notificado a clínica desde março do ano passado devido a diversas irregularidades e nesse período, foi identificada “piora progressiva de inúmeras irregularidades classificadas em grau crítico na qualidade e segurança dos processos de trabalho, em especial relacionado à segurança da prescrição, dispensação administração de medicamentos e exposição a risco de superdose de medicação sujeita a controle especial”, conforme notificações.
Em outubro de 2022, houve a interdição cautelar, que foi questionada na Justiça e decisão liminar permitiu que o local permanecesse em funcionamento. Já em fevereiro deste ano, nova inspeção da Vigilância liberou a clínica para atendimento normal, isso após apresentação de plano de adequação junto ao órgão.
Depois da desinterdição, no final de março, a Vigilância foi novamente inspecionar o espaço e detectou situações ainda mais graves, com menos funcionários atuando do que no ano passado, falta de mais medicamentos, e o pior, pacientes com acesso livre a cigarro e isqueiros, além de desequilibrados e instáveis.
Durante inspeção, equipe presenciou desentendimento entre dois pacientes alterados, onde uma paciente relatou a falta de medicação, justificando a instabilidade dos pacientes”, cita análise da Vigilância.
A falta de trabalhadores para atender os mais de 40 pacientes também foi relatado, já que são apenas quatro para todos os internados, causando risco a eles e aos poucos empregados.
O dimensionamento inadequado, falta de medicamentos nas unidades assistenciais ou de internação e a falta de funcionários (quadro insuficiente ou deficitário de equipe de enfermagem e de farmácia hospitalar) reforçam a situação evidenciada de risco iminente à saúde e integridade física dos pacientes psiquiátricos internados, considerando inclusive que os funcionários presentes (equipe composta quase que exclusivamente por mulheres) são insuficientes para contenção física de pacientes instáveis ou alterados”.
Denúncias – A situação vai ao encontro do que o Campo Grande News tem relatado desde o final do ano passado, quando funcionários e ex-funcionários denunciaram a clínica por falta e atrasos de pagamento. Também foi trazido à reportagem informação de que os trabalhadores estavam faltando ao serviço por não terem recursos para colocar gasolina ou pagar passe de ônibus.
Quanto a isso, a clínica acusa que a interdição aplicada pela Vigilância é uma das causas, já que a empresa já estava em crise financeira quando foi adquirida pelos atuais donos – Etalívio Fahed Barros e Ricardo Ricarte de Oliveira – em novembro de 2020, quadro que se agravou com as notificações e interdições.
“(...) a empresa quando foi adquirida estava passando por uma grave crise financeira, possuindo um deficit milionário, e assim estava sendo planejado toda a restruturação financeira para liquidar com as despesas em aberto” e “a sobrevivência financeira da empresa, depende exclusivamente das internações hospitalares, quais são sua única fonte de renda, e mediante estes recebimentos, é capaz de gerir aproximadamente 80 funcionários, além de manter atendimento médico para aproximadamente 40 pacientes internados de longo prazo”.
Entretanto, segundo a clínica, durante a interdição do ano passado, esta “ficou proibida de fazer novas internações, sua receita caiu mais de 90%, gerando um rombo ainda maior em sua condição financeira, inclusive com o atraso salarial”, o que foi agravado por decisão da Justiça do Trabalho, em dezembro, que bloqueou as contas para pagamento de dívidas trabalhistas.
Assim, afirma que a situação foi causada pelos atos da Vigilância. “Todo este caos causado pela conduta da impetrada, prejudicou o pagamento de seus fornecedores e colaboradores, levando ainda ao bloqueio de seus faturamentos para pagar verbas trabalhistas”.
Mais alegações – Para a Clínica Carandá, a atual interdição não tem base e afirma que os problemas apontados como críticos, como falta de medicamentos e funcionários são “ itens meramente burocráticos” e reafirma que “a situação financeira da empresa se agravou nos últimos meses em razão desta interdição praticada anteriormente pela impetrada, impedindo a empresa de fazer novas internações por mais de cinco meses, reduzindo drasticamente a receita, bem como prejudicando os investimentos a serem implementados na estrutura”.
Também relata que o órgão estadual “decidiu punir” a clínica não por conta de irregularidades sanitárias específicas, mas “por causa do histórico da impetrante, que já havia sofrido com a interdição por outro abuso ilegal da impetrada”.
Por fim, diz que a Vigilância não teve bom senso ao interditar o hospital por não ter dado novo prazo para adequações e por causa disso, “a impetrante está neste momento, com diversos pacientes aguardando vaga hospitalar e que necessitam de atendimento médico, além de se ver obrigada a transferir todos os atuais pacientes”.