Clínica clandestina recebia R$ 97 mil ao mês de famílias de dependentes químicos
Defensoria Pública apurou que internos eram dopados, proibidos de sair e humilhados
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Na manhã desta sexta-feira (14), equipe do Campo Grande News esteve no local onde funcionava uma clínica que segundo a Defensoria Pública era uma clínica clandestina, no Bairro Chácara dos Poderes. Hoje, na fachada, existe uma placa em nome de Comunidade Terapêutica Nova Vida, que não estava no local antes e que ainda se apresenta como lugar para acolher dependentes químicos.
Abordado pela reportagem, um funcionário repassou número de telefone do responsável pelo local. Entramos em contato e quem atendeu foi Janilda Nelci Sandim. Ela disse ser esposa do dono da clínica fechada, contou que assumiu o espaço há pouco mais de duas semanas e está trabalhando de acordo com a lei.
Ela admite que o marido continua atuando na comunidade dela, mas apenas como colaborador e não faz parte do quadro societário, nem da direção. Janilda também disse que o marido prefere não se manifestar e que "não é verdade o que foi divulgado" sobre a clínica que ele mantinha.
O caso ganhou repercussão nesta quinta-feira (13), quando a Defensoria Pública emitiu nota à imprensa detalhando denúncias feitas em maio deste ano e uma vistoria no local, constatando situações desumanas como tortura, cárcere privado, abuso na manipulação de medicamentos, instalações insalubres e total ausência de prescrições médicas adequadas.
Na Justiça, a Defensoria conseguiu que a suposta “clínica de reabilitação” para dependentes químicos fosse impedida de receber novos pacientes e ainda removesse publicidade em que oferecia os “serviços”. Foi dado um prazo de 72 horas para o fechamento.
A coordenadora do NAS (Núcleo de Atenção à Saúde), defensora Eni Maria Sezerino Diniz, diz não poder revelar o nome usado pela clínica para não identificar e expor as pessoas encontradas no local, pois o processo tramita em segredo de Justiça. A defensora afirma que os familiares eram enganados sobre os serviços prestados no local e pagavam de R$ 1,5 mil a R$ 1,8 mil por mês pela permanência dos acolhidos no lugar. Por mês, eram pelo menos R$ 97 mil recebidos das famílias.
“Fizemos duas visitas técnicas. Na frente, havia uma ambulância e eles faziam as famílias acreditarem que ali era uma clínica com médicos. Na primeira vez, havia 65 acolhidos e na segunda visita, encontramos 33. Disseram que haviam liberado os que não queriam ficar, mas encontramos outros casos de pessoas recebidas involuntariamente”, disse a defensora.
Além de permanecer no local contra vontade, as pessoas eram vítimas de situações que caracterizam sofrimento psíquico, relacionadas à tortura, abuso na manipulação de medicamentos e instalações insalubres.
Ainda segundo as apurações da Defensoria, as pessoas que não cumpriam as regras sofriam punições como não poder ter contato com a família e eram expostas entre os outros passando por humilhações, sob justificativa de que seriam sanções educativas.
Eles recebiam apenas a visita de um clínico geral, com especialidade em ginecologia, uma vez por mês, conforme os receituários encontrados no local. Havia indícios de super medicação para dopar os acolhidos considerados difíceis. Um deles estava dormindo e não não foi possível acordá-lo.
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"Para nós, as famílias também são vítimas, porque tiveram uma informação de que ali haveria o tratamento médico adequado. Em momento algum, eles foram orientados sob a necessidade de atendimento médico, mas no site da clínica eram divulgadas internações involuntárias e compulsória”, contou a defensora.
A equipe da Defensoria esteve no local no dia 25 de maio e depois no dia 15 de junho. A defensora foi acompanhada de médicos, inclusive psiquiatra. Naquele dia, o proprietário disse à equipe que transformaria o local em uma clínica, como prevê o CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) que consta na Redesim (Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios).
Comunidade Terapêutica - A Comunidade Terapêutica Nova Vida, que agora funciona no local, mantém convênio com a Prefeitura de Campo Grande, que repassa recursos federais para manter 10 vagas por R$ 156 mil aos dependentes químicos encaminhados pela SDHU (Subsecretaria de Direitos Humanos).
"A Comunidade Nova Vida, que tem convênio com a prefeitura, através da SDHU desde 2021, fez essa mudança de endereço há pouco tempo, sem comunicar a Coprad (Coordenadoria de Proteção à População em Situação de Rua e Políticas sobre Drogas), que é a coordenadoria responsável pelo monitoramento", disse a subsecretária de Direitos Humanos, Thaís Helena Vieira Rosa Gomes da Silva.
Ao saber da mudança de endereço, a subsecretária determinou que equipe da Coprad irá hoje (14) à tarde no local para notificar a comunidade Nova Vida sobre a alteração de endereço sem a devida comunicação.
"Daremos um prazo para ela se instalar em local adequado e que atenda todas as normativas, regras e resoluções exigidas", informou. Thaís Helena disse que poderá dar mais informações assim que a equipe da Coprad retornar desse monitoramento.