Com 2 tentativas de suicídio por dia, Saúde recorre à telemedicina e acolhimento
Os homens são os que mais se matam, enquanto as mulheres são as que mais tentam
Um dia. Essa é a medida usada nessa reportagem para colocar em números um drama imensurável. A cada 24 horas, duas pessoas tentam se matar em Campo Grande. Já a cada quatro dias, a cidade registra um suicídio. Na linha de frente, surgem medidas como telemedicina e ressignificar na procura por novo sentido.
No ano passado, 89 pessoas se suicidaram em Campo Grande. Outras 1.010 tentaram se matar. Esse segundo número pode ser ainda maior, pois os dados ainda não foram consolidados. No ano de 2020, foram registrados 77 suicídios e 1.198 tentativas. As estatísticas são da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde).
A saúde pública também se depara com as faces. Os homens são os que mais se matam, enquanto as mulheres são as que mais tentam. Eles, em geral, não procuram ajuda médica; enquanto elas se mostram mais propensas a buscar socorro.
“Faz parte da natureza feminina buscar mais ajuda, falar mais, demonstrar que precisa de auxílio. O homem tem padrão mais machista. Uma tendência masculina de que se procurar ajuda vou ser fraco. Ele é mais violento, tenta suicídio com arma de fogo, arma branca, enforcamento, joga o carro em alguém. A mulher utilizar meios de tentativa menos letais, como ingestão de comprimidos”, afirma o médico psiquiatra Eduardo Gomes de Araújo, da rede pública de saúde mental de Campo Grande.
Aos que atentaram contra a própria vida, cabe tratamento médico, acolhimento, cuidado de não estigmatizar o paciente e nada de passar sermão. “O estigma social é muito grande. A gente precisa ressignificar esse processo, um dia de mudança. Você sobreviveu, vamos fazer diferente”, diz o especialista.
Ele lembra que, antigamente, as pessoas que tentavam se matar eram confrontadas com conselhos do tipo “olha como sua família é bonita”, “tem tanta gente querendo viver”. “Isso acaba intensificando o senso de inadequação do indivíduo. É preciso fazer o contrário. Considerar esse indivíduo como alguém que está precisando de ajuda.”
A estrutura - Em Campo Grande, a porta de entrada mais comum para o paciente que tenta se matar são as unidades de urgência e emergências. “Sabendo disso, a equipe reguladora do fluxo de psiquiatria entra em contato todos os dias com as unidades. O paciente é consultado por um profissional dessa equipe”, afirma Eduardo Araújo.
O modelo escolhido é o da telemedicina, depois de se constatar que a equipe não conseguiria passar pelas 11 unidades de urgência e emergência no decorrer do dia.
“A telemedicina é eficaz e conseguimos atender todas as unidades. Se deixasse esse paciente para ser avaliado dois, três dias depois, há o risco de ele tentar novamente”, destaca o médico.
Na sequência, o paciente é atendido pelo Caps (Centro de Atenção Psicossocial), que conta com seis unidades em Campo Grande. O atendimento é ambulatorial e internação, essa última exclusiva para os casos mais críticos.
A tentativa é de que o paciente crie vínculo com o tratamento, pois a estatística assombra. A chance de uma nova tentativa de suicídio no primeiro mês é alta: 50%. O atendimento inclui o paciente e a família.
“Os seis Caps estão portas abertas. Não precisa ser regulado. Se estiver com sofrimento psíquico, pensando em morte, pode procurar um Caps direto. Os medicamentos também são gratuitos. Não tem todos que gostaríamos de ter. Mas temos uma quantidade considerável. São antipsicóticos, antidepressivos, ansiolítico, estabilizador de humor, tudo via SUS.”
A rede pública também conta com ambulatório de prevenção de suicídio do CEM (Centro de Especialidades Médicas).