Criação de abrigo público para animais é contestada pela prefeitura da Capital
Pedido do MP é que haja local público para acolher bichos e, enquanto não há, que haja auxílio a quem abriga
Campo Grande tem mais de 4 mil cães e gatos abrigados em cerca de 80 locais independentes do poder público atualmente, segundo levantamento da Comissão de Defesa e Direito dos Animais da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso do Sul). A maioria dos bichos sofreu maus-tratos e foi abandonado à própria sorte por estar doente, ter sido atropelado, estar prenhe ou, inevitavelmente, envelhecido.
O número quase dobrou desde que a comissão colaborou, há um ano, com estudo que embasou pedido liminar do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) feito à Justiça em ação civil pública protocolada em maio, para que a Prefeitura da Capital crie um centro municipal de acolhimento a cães e gatos e, enquanto isso não for feito, regulamente programa para ajudar financeiramente organizações e protetores que cuidam voluntariamente dos animais.
A Justiça indeferiu esse pedido e, na sequência, a prefeitura apresentou contestação a ele. O principal argumento é que as medidas exigidas são "juridicamente impossíveis", já que não há previsão orçamentária para elas, que, inclusive, teriam custo alto aos cofres públicos.
O Município teria que tirar de "um lugar para por em outro", conforme alega sua Procuradoria-Geral. "Pois sem previsão legal e sem previsão na lei orçamentária, assim, caso deferida a medida ora pleiteada, o ente público teria que retirar recursos já legalmente destinados a outras áreas, como por exemplo educação, saúde, saneamento básico, previdência e infraestrutura, para poder dar cumprimento ao pedido feito [...]".
A ação judicial segue em trâmite. O MPMS ainda não se manifestou após a contestação.
Responsabilidade - Embora tenha implantado a Subea (Subsecretaria Municipal do Bem-Estar Animal) e começado a promover plantões para castração este ano, a medida não é satisfatória por não acompanhar a taxa de natalidade dos animais e por haver muitas outras necessidades além dessa, na avaliação da presidente da Comissão de Defesa e Direito dos Animais da OAB/MS, Adriana Carvalho.
O bem-estar animal é responsabilidade inquestionável do poder público. Ele é que tem que buscar os meios para promovê-la. O que não pode haver é tantos animais na casa de pessoas comuns, que os mantêm com recursos pessoais e precisam de mais de 10 toneladas de ração por mês para alimentá-los em Campo Grande. Visitei pessoalmente 40 abrigos e, em levantamento da comissão, constatamos que 90% dos protetores são independentes e mantêm os cuidados com animais mediante doações, que são de valores simbólicos. Há quem tire do próprio benefício de prestação continuada para dar conta de cuidar deles", afirma Adriana Carvalho.
A presidente da comissão lembra a Constituição Federal obriga o poder público, tanto o municipal quanto o das outras esferas, a promover a saúde animal. Em relação à não previsão de recursos, como argumentou a Procuradoria do Município, ela rebate:
A causa animal é questão de saúde pública, então, precisa estar no orçamento. Como exemplo disso, temos que a leishmaniose é uma doença presente em muitos cães da Capital e já levou pessoas à morte. Outro ponto é a saúde mental dos protetores, que não conseguem ficar indiferentes às necessidades dos animais, se endividam e têm problemas familiares por abrigarem até 100 animais na própria casa. Essas duas questões que citei são, sim, de saúde pública", argumenta.
Protetora - Kelly Macedo, fundadora da OSC (Organização da Sociedade Civil) Cão Feliz, confirma que ser protetor de animal em Campo Grande requer muita coragem e criatividade para conseguir recursos. Ela abraçou a causa há 10 anos.
Atualmente, há 152 cães e gatos no abrigo da Cão Feliz e 86 em lares temporários, onde ficam provisoriamente até serem adotados ou vagar espaço na sede. Eles consomem 40 quilos de ração por dia.
O maior valor em doação mensal é de R$ 500 recebidos de uma empresa. Um valor simbólico perto dos gastos com alimentação, produtos de limpeza, curativos e cuidados veterinários. Parte dos animais não andam, tiveram patas amputadas e foram salvos da eutanásia.
"Se o ser humano a gente não joga na rua e não pratica a eutanásia, por que fazer isso com um animal?", questiona Kelly. Ela acredita que o poder público oferecer assistência em abrigo "que não funcione como depósito" para os bichos e um hospital público, seria o cenário ideal e a realização de um sonho de todos os protetores.
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