Denúncia contra juiz e oito advogados mostra venda de decisão por R$ 100 mil
Já uma negativa, etapa necessária para entrar com recurso no TJ, custaria R$ 20 mil
Denúncia contra o juiz afastado Aldo Ferreira da Silva Júnior e oito advogados mostra um efervescente balcão de negócios na Vara de Sucessões de Campo Grande, com cobrança de R$ 100 mil por uma sentença favorável ou R$ 20 mil para negar um pedido, que dependia de decisão para ingresso de recurso no TJ/MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).
A terceira ação do MP/MS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) tem 16 denunciados, incluindo pecuaristas, empresário e psicóloga. O documento aponta a solicitação de vantagens indevidas, um pedágio, para advogados inventariantes e herdeiros.
A estratégia era retardar o andamento processual, um desleixo que poderia ser atribuído a mero entrave da máquina jurisdicional, mas revelou-se, conforme a acusação, “proposital e criminoso”.
Num dos espólios, um dos herdeiros, que também foi denunciado pelo Ministério Público, revela que fez pagamento de R$ 100 mil por uma decisão favorável. Alertado pelos advogados de que o juiz “gostava de dinheiro” ele autorizou que seus quatro representantes negociassem com o magistrado. A intenção do herdeiro era impedir obra em terreno no bairro Tiradentes, em Campo Grande, que havia sido locado com autorização de sua irmã.
De acordo com a denúncia, nos dias 17 de agosto e 7 de outubro de 2016, Aldo solicitou vantagem indevida a quatro advogados do mesmo escritório, de Campo Grande.
“Consistente no valor em dinheiro de R$ 100 mil, a fim de que fosse deferido pedido para interrupção da obra nos imóveis, ou R$ 20 mil a fim de que despachasse na autos negando o pedido, viabilizando, com isso, a possibilidade de recurso ao Tribunal de Justiça, vale dizer, para que movimentasse o inventário que mantinha dolosamente parado, sem impulso oficial”.
Durante a inspeção nas Varas de Sucessões, o herdeiro disse a dois magistrados que pagou R$ 100 mil que seriam repassados ao juiz. Em depoimento ao Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado), disse que os R$ 100 mil foram de honorários, mas confirmou ter recebido decisão favorável antes de Aldo entrar de férias.
Segundo a denúncia, quebra de sigilo bancários dos quatro advogados denunciados comprova que o herdeiro transferiu R$ 100 mil, fracionados em quatro depósitos de R$ 25 mil, em 7 de outubro de 2016. Na mesma data, foi publicada decisão do juiz Aldo Ferreira da Silva Júnior para demolição da construção e suspensão de obras.
“Registra-se que, embora a decisão estivesse datada de 26 de setembro de 2016, o que indica que teria sido redigida nesse dia, ela só foi liberada no sistema SAJ na data de 7 de outubro de 2016, data do pagamento da propina solicitada”.
Venda de fazenda – Noutro processo de espólio, a venda de uma fazenda em Rio Nego foi retardada porque o juiz tentava vender o imóvel para outras pessoas, mediante pedágio de R$ 250 mil, aponta a denúncia. Diante da desistência dos potenciais compradores, ouvidos pelo Gaeco, a fazenda foi vendida ao comprador inicial, que estava negociando com os herdeiros.
Em outra ação, a primeira decisão do juiz demorou dois anos e nove meses. Conforme o Ministério Público, após uma das partes pagar R$ 60 mil.
Magistratura, pecuária e veículos – Segundo a denúncia, o patrimônio do magistrado vinha do seu exercício profissional, pecuária e veículos. Realizada em outubro do ano passado, a operação Espada da Justiça apreendeu cheques emitidos por Aldo na residência de Pedro André Scaff Raffi, apontado como sócio oculto do magistrado. Foram encontradas anotações como “Jesus vai pagar” e “Troca para Jesus”.
Jesus Silva Dias, condenado por tráfico de drogas, é tratado na ação como “homem do Aldo”. Ele compareceu a uma concessionária de veículos, onde o juiz tinha comprado carro e deixado dois cheques de R$ 20 mil, para resgatar um dos documentos, pagando a quantia em dinheiro vivo.
A ação também cita que o magistrado procurou testemunhas para que elas mudassem o depoimento dado durante procedimento administrativo feito pela Justiça para apurar a sua conduta.