Eleição é criticada por ficar “escondida”, com influência política e religiosa
Novos conselheiros tutelares serão eleitos no dia 1º de outubro, mas não há lista com perfil de candidatos
Marcada para primeiro de outubro, a eleição que vai eleger os novos conselheiros tutelares de Campo Grande é marcada por críticas. As reclamações incluem o aval da Justiça para que candidatos prossigam no pleito (incluindo até um suspeito de agredir criança), a influência de políticos na campanha, a falta de propaganda para esclarecer eleitorado e o fundamentalismo religioso.
Nesse último caso, a preocupação é relativa ao caso concreto de uma menina de dois anos, que chegou morta à UPA (Unidade de Pronto Atendimento Comunitário). A criança morava com a mãe e o padrasto, ambos foram presos. Enquanto o pai, que é casado com um homem, não conseguiu levar as denúncias sobre suspeita de maus-tratos à frente.
“Os pais reclamavam o tempo inteiro que quando chegavam ao Conselho Tutelar eram olhados com certa acepção por ser casal homoafetivo. A minha preocupação é de que muitas vezes esses candidatos não passam na prova, mas conseguem continuar mediante liminar e são eleitos por grupos fundamentalistas. Não estou falando que todo evangélico é fundamentalista. Mas a minha preocupação é que em vez de aplicar a lei de proteção à criança, aplique seus dogmas religiosos”, afirma a presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a advogada Maria Isabela Saldanha.
Ela reforça que não quer ofender ninguém e também frequenta a igreja evangélica, mas se preocupa que o espaço também se torne palco para políticos em busca de eleger um determinado candidato, já de olho em cabos eleitorais para a eleição de vereador em 2024.
Para Maria Isabela, a prefeitura, responsável pela eleição para conselheiro tutelar, falha ao não fazer propaganda intensiva de que terá eleição em primeiro de outubro. Ela relata que as pessoas têm dúvidas sobre se pode votar, quais os locais e quem são os candidatos.
“Tem reclamação de que não há divulgação dos locais de votação. O chamamento para a sociedade votar é muito fraco. Parece que com toda a sociedade votando, você atrapalha a eleição desses grupos já definidos. Os conselheiros, muitas vezes, são usados como cabo eleitoral na eleição para vereador e prefeito”, diz Maria Isabela.
Na última quarta-feira (dia 20), o Campo Grande News divulgou que entre os 117 candidatos ao cargo de conselheiro tutelar, há um técnico de enfermagem denunciado, há três semanas, à polícia por suspeita de agressão a uma criança de 9 anos em um posto de saúde. Outros seis concorrem por decisão da Justiça depois de terem sido considerados inaptos por já terem sido penalizados no exercício da função de conselheiro ou por falta de idoneidade moral.
Para a advogada, há um conflito, porque enquanto a Justiça aponta a presunção de inocência, o edital da eleição exige reputação ilibada.
Membro do Mcria (Fórum em Defesa da Vida das Mulheres e das Crianças do MS), Janice Andrade afirma que falta transparência sobre os candidatos e divulgação da eleição.
“A secretaria que coordena esse pleito deveria dar mais transparência, chamar a população e divulgar sobre a importância de votar. Dá a impressão de que é só para um grupo”. Ela afirma que reclamações foram levadas ao CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente) , mas sem resposta.
A eleição – A votação será no dia 1º de outubro, das 8h às 17h, por meio de urna eletrônica. Podem votar todos acima de 16 anos e que estejam quites com a Justiça Eleitoral. O eleitor só poderá votar se estiver com documento com foto original e título de eleitor.
Em Campo Grande, serão 56 locais de votação. O TRE/MS (Tribunal Regional Eleitoral) disponibilizou 101 urnas eletrônicas na Capital, sendo 19 delas de contingência. Para o Estado todo, o órgão do Judiciário disponibilizará 540 urnas. A totalização dos votos não será feita pela Justiça Eleitoral, que não sabe prever o horário de divulgação dos resultados. A eleição termina às 17h.
No último pleito, realizado em 6 de outubro, somente 3,4% compareceram, somando pouco de mais de 20.166 pessoas. O voto foi em cédula de papel e, naquela data, o eleitor precisou encarar chuva e fila.
Agora, a Capital tem 112 candidatos. Contudo, só é possível ao eleitor ver o número e o nome. Nenhum sistema oferece dados sobre perfil e currículo do postulante.
Contudo, o regulamento admite essa possibilidade, ao prever que "é admissível a criação, pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, de página própria na rede mundial de computadores, para divulgação do processo de escolha e apresentação dos candidatos a membro do Conselho Tutelar, desde que assegurada igualdade de espaço para todos".
Na votação deste ano, serão escolhidas 40 pessoas, os titulares, suplentes e ainda nomes de reserva porque a cidade precisa ampliar o número de unidades.
O salário mensal é de R$ 5,9 mil, além de R$ 354 por plantão de 12 horas, o que pode elevar a remuneração a R$ 10,9 mil. Os eleitos exercerão mandato de quatro anos, no período de 10 de janeiro de 2024 até 9 de janeiro de 2028.
Clique aqui para ver locais de votação e nome dos candidatos
Regras na campanha - Os candidatos podem fazer campanha nas ruas, produzir conteúdo para suas redes sociais, distribuir santinho.
Muitas das vedações são as típicas de uma campanha eleitoral, como a proibição ao abuso do poder econômico, político (financiamento por partido) ou religioso (assim entendido como o financiamento das candidaturas pelas entidades religiosas no processo de escolha e veiculação de propaganda em templos de qualquer religião).
Além do pagamento de propaganda na mídia, distribuição de brindes, como camisetas. No caso dos conselheiros também é vedado o impulsionamento de conteúdo nas redes sociais.
O regulamento publicado pelo conselho também adverte que a Administração Pública não pode ser utilizada, seja por gestores ou mesmo atuais conselheiros que buscam novo mandato. Denúncias poderão ser encaminhadas no e-mail cmdcacampogrande@gmail.com.
Responsabilidades - De acordo com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), são atribuições do Conselho Tutelar e, portanto, dos membros que o compõem, atender crianças e adolescentes com direitos violados ou ameaçados. Além disso, o conselheiro tutelar é responsável por promover o encaminhamento de situações aos pais ou responsáveis, mediante termo de responsabilidade.
Também fazem parte das atribuições dos conselheiros: orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento de ensino, se necessário; e ainda inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente.
Outras funções incluem o pedido de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico. O conselheiro tutelar, diante de um caso denunciado, como de violência sexual, agirá para dimensionar a violação de direito com o objetivo de aplicar a medida de proteção.
A reportagem entrou em contato com o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, mas não recebeu resposta até a publicação da matéria.
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