Em uma semana, 75 famílias trocam apenas endereço de barracos
Agora com água e luz, favela apenas mudou de local
Uma semana após o início da ação para desocupar a favela Cidade de Deus, na região do lixão de Campo Grande, apenas 75 famílias (de um total de 390) foram transferidas para duas áreas, 50 estão no Bairro Vespasiano Martins e outras 25 em um terreno vizinho ao local onde os moradores viviam até a semana passada.
Poucos passos separam o barraco da favela ao “novo” construído no espaço destinado pela Prefeitura para ser oficialmente de cada morador. Enquanto a esperança prevalece entre os que foram tirados da Cidade de Deus para a área com promessa de ser regularizada, os moradores ainda não receberam nenhum documento oficial, garantindo a posse do terreno.
Separados por cores – amarelo, azul, rosa, laranja e lilás – todos dividem dúvidas e sonhos, principalmente o da casa própria. Os moradores que tiveram o barraco marcado com a cor azul são removidos para a área ao lado da favela, se dizem satisfeitos com a mudança. A previsão é de que ainda hoje (14), outras 23 famílias sejam encaminhadas para o local.
Gabriel tem 3 anos e pela primeira vez viu um hidrômetro – aparelho que mede o consumo de água –, que apelidou de “roda roda”. “Ele quer arrancar pra ele. Ficou doidinho com o hidrômetro”, disse a mãe Carolina da Conceição, 34 anos, que se mudou para o terreno na sexta-feira (11), junto com o marido e outros dois filhos de 14 e 9 anos.
Ela é da “turma do azul” - como os moradores se referem a divisão de cores –, e precisou convencer uma assistente social da Prefeitura, para que a filha mais velha e já casada, que também vive na Cidade de Deus, ficasse no área considerada a melhor pelos moradores da favela.
“É porque é perto de onde a gente já morava. Não assinamos nenhum documento, mas estamos confiantes de que vamos ter um terreno. Minha filha ganhou bebê e teve depressão pós parto. Era melhor ela ficar perto de mim, mas falei com a assistente social e consegui”, afirmou Carolina.
A mudança de apenas poucas quadras, gerou alguns transtornos, ela reclama que os poucos pertences estragaram quando foram tirados do caminhão. “Estragou o pouco que eu tinha. Meu guarda roupas e as telhas. Fora isso ficamos até quase meia noite no sereno até construírem uma pecinha pra gente entrar. Meu filho de 14 anos é autista e só comeu na sexta-feira, porque um guarda deu uma marmita pra ele”, reclamou a moradora.
Ainda em dúvida sobre como fazer o banheiro da família, antes de receber orientação, decidiu fazer uma fossa. “Aqui já é melhor, porque é meu. Agora vamos erguer o banheiro, ficar sem não dá”, disse.
Outra moradora já instalada na área azul – ao lado da favela – é Aida Chaves, 43 anos, a primeira a se mudar para o local na sexta-feira (11). “Eu fui a primeira. No fim de semana meus sobrinhos vieram para ajudar a construir o barraco, que já é maior do que o anterior. A televisão está até funcionando”.
Ela comemora por agora ter energia elétrica e água, após quatro anos vivendo na favela e usando ligações clandestinas. “É uma benção. E o kit favela, com a lona eu usei para fazer uma cobertura na frente”. Mas o banheiro também é um problema para ela, que usa o da irmã – ainda instalada na favela. “Eu tenho que ir lá para usar. Não sei se pode ou não fazer fossa”.
A diretora-presidente da Agereg (Agência e Regulação dos Serviços Públicos Delegados), Ritva Viera, acompanhava a instalação dos hidrômetros na manhã desta segunda-feira na nova área ao lado da Cidade de Deus e explicou o que será feito. “Vai passar saneamento básico, mas por enquanto será fossa mesmo, até fazer a ligação”.
Incerteza - Enquanto está tudo azul na área vizinha a Cidade de Deus, para onde devem ser encaminhadas 48 famílias – 25 já estão no local – outros moradores ainda convivem com dúvidas, incertezas e preocupação.
“Estou aflita, não sei quando e para onde eu vou. Tem uma semana que estou com as minhas coisas arrumadas. Tenho medo de sair para ir no posto de saúde pegar meu remédio e não estar aqui na hora da mudança. Vou confiar em Deus, para que tudo dê certo”, disse a idosa Teresa de Araújo, 71 anos, que teve o barraco marcado com a cor amarela.
Mariana Jurubi, 34 anos, é da “turma do azul”, mas ainda não deixou a favela. “Estou com a roupa arrumada para mudar, mas ainda esperando. Acho que a prefeitura deveria dar pelo menos uma cesta básica, já que o lixão está fechado e a maioria das pessoas está sem trabalho. Ninguém tem dinheiro, a gente fica numa situação assim, que só Deus sabe”, afirmou.
No terreno do Vespasiano Martins na frente de alguns barracos já é possível ver marcações com estacas e barbantes. Alguns moradores afirmam que a Prefeitura fez a instalação que seria para iniciar a construção das casas no local.
“Não explicaram muito, disseram que era para a casa”, disse Amanda da Silva, 16 anos, que era da “turma do rosa” e se mudou para a área com a mãe, a irmão e uma sobrinha de 3 anos. “A gente tem esperança da obra parada da creche seja retomada, para colocar as crianças por perto”, disse ela.