"Era minha vida ou a dele", alega mulher julgada por matar o marido a facadas
Givaldo da Silva foi morto a facadas em 2017 e teve o corpo jogado às margens da BR-262
Julgada por matar o marido a facadas, a técnica de enfermagem Kátia Regina de Castro, 48 anos, disse que agiu em legítima defesa, em briga recorrente para defender o filho, que havia se assumido gay. A acusação, no entanto, alega que o crime foi cruel, cometido porque ela não aceitava a separação, depois de 22 anos de casamento.
“Ele veio pra cima de mim, era minha vida ou a dele”, disse Kátia, durante depoimento hoje, no julgamento realizado pela 1ª Vara do Tribunal do Juri, em Campo Grande. Kátia Regina está sendo acusada por homicídio qualificado por motivação torpe e ocultação do cadáver.
O crime aconteceu no dia 6 de maio de 2017, na casa da família, no Bairro Coophavila II. A vítima foi o ex-servidor da Agetran, Givaldo Domingues da Silva, morto aos 44 anos.
Na denúncia do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), consta que, um mês antes do crime, Givaldo pediu a separação, após 22 anos de casamento. A intenção era se casar com a mulher com quem mantinha relacionamento extraconjugal.
No dia do crime, perto da hora do almoço, Kátia e Givanildo começaram a discutir e ela o atingiu com diversas facadas. Depois, colocou o corpo em uma carriola e levou até o carro. Cobriu o banco de trás com plástico, colocou o marido no veículo e o levou até uma área de matagal, às margens da BR-262, a 2,8 quilômetros da rotatória da saída para Sidrolândia.
O corpo foi encontrado no dia 11 de maio e, durante a investigação, Kátia confessou o crime. Alegou que o marido não aceitava que o filho, então com 15 anos, fosse gay e teria passado a ameaçar o adolescente. Também exigia a expulsão ou a internação dele, sendo tema recorrente da briga entre o casal.
Defesa – No julgamento, três pessoas foram ouvidas na condição de informante, tendo peso menor em relação às testemunhas, já que tem alguma ligação emocional ou íntima com a ré.
O filho do casal, Luan Castro Domingues da Silva, 21 anos, foi ouvido nessa condição. Contou que o relacionamento com o pai era bom até os 13 anos. Depois que se assumiu gay, diz que começaram os ataques homofóbicos.
“Ele começou com palavras, me xingava de viado, que não aceitava, dizia que ‘filho meu não nasceu para ser gay, nasceu para ser homem’”, contou. “Dizia que ia me matar, fiquei com medo dele fazer alguma coisa, demorei para contar para minha mãe”. Luan relatou um dia de uma agressão física. “Coloquei minha roupa de trans, ele falou que eu não ia sair (...) pegou o cinto e me bateu várias vezes”, contou o rapaz. Em outras ocasiões, diz que era obrigado a ficar no quarto porque o pai “não queria olhar para minha cara”.
Sobre a morte do pai, Luan disse que a mãe contou que o estopim da briga e o crime foi motivado pela homofobia e que em nenhum momento foi falado sobre a separação.
As outras duas informantes também falaram dos atritos familiares por conta do adolescente e o fato de Gilvado Silva não aceitar que o filho fosse gay.
A amiga de Luan, Wanessa Álvares, disse que também se sentiu ameaçada por ser mulher trans e deixou de frequentar a casa do amigo. A sobrinha de Kátia, Jenifer Moreno, contou que Givaldo não aceita o filho e mandava que ele falasse ou andasse “que nem homem”.
A primeira testemunha ouvida durante o julgamento foi Maria Auxiliadora Morena, ex-cunhada de Kátia, irmã do primeiro marido da ré. As duas mantiveram contato, por conta do vínculo familiar com a sobrinha, filha mais velha de Kátia.
Maria Auxiliadora relatou frases homofóbicas que teriam sido ditas por Givaldo em várias ocasiões e que pediu que não as repetisse. “Ele falava que tinha que levar ao médico porque ele [filho] tinha problema”.
Os depoimentos serviram para amparar o relato de Kátia Regina, feito logo depois. Contou que já havia concordado com a separação e que ele continuou morando na casa até que a parte burocrática fosse resolvida.
A técnica de enfermagem diz que as brigas eram comuns, mas somente com agressão verbal. O tema era a orientação sexual do filho. “Ele queria que internasse ou colocasse na rua”, disse Kátia, em depoimento prestado na 1ª Vara do Tribunal do Juri, hoje. “Ele era muito homofóbico, fora de casa ele não falava nada, a gente sofria pressão psicológica”.
No dia da morte, Kátia Regina disse que estava na cozinha, fazendo costela. Na pia, tinha uma faca para cortar legumes. Segundo ela, Givaldo chegou do serviço, bebeu água, colocou o copo na pia e tentou agredi-la a socos. “Eu passei a mão na faca”. Segundo laudo pericial, foram pelo menos seis facadas no tórax e em uma das pernas.
A técnica de enfermagem diz que, para se defender, começou a golpear o marido a esmo. O homem caiu e, com medo da chegada do filho ou da mãe, resolver tirar o corpo dele da casa. “Encapei o banco do carro com plástico, coloquei ele e sai sem rumo”, contou. Depois, limpou a casa e queimou as roupas e o plástico usado no carro. “Me arrependo do que fiz, poderia ter sido diferente, nunca tive a intenção de matar, ele começou a briga, veio me dar um soco na cara e eu me defendi”, justificou.
Teatro - O mecânico Evandro Ferreira Ballo, 36 anos, sobrinho da vítima, foi ao julgamento e contesta a versão de Kátia Regina. “Estão montando um teatro, meu tio levava o Luan para baixo e para cima, não era homofóbico”.
Ballo conta que viu o tio no sábado, pouco antes dele morrer. No domingo, no churrasco da família, na casa da avó, Kátia compareceu e disse que não sabia do marido. “Ela falou ‘deve estar com a outra’”. O homem diz que todos sabiam do relacionamento, mas não conheciam a mulher.
O rapaz diz que Kátia Regina não aceitou a separação como contou. “Quando ele pediu separação, ela partiu para cima dele com um punhal, a filha dela que separou”. Segundo ele, de raiva, teria esfaqueado o colchão.
Ballo diz que a ré demorou a procurar a polícia e registrar o desaparecimento e que ela dizia que o marido estava com a outra. Lembrou que foi Katia Regina quem reconheceu o corpo quando foi encontrado, cinco dias depois. “Ela pediu para que erguessem o pé para ver o sapato, quando viu, começou a chorar”.
Com a investigação e os indícios surgindo, a mulher confessou o crime e, mesmo desconfiando do envolvimento dela, Ballo diz que foi uma decepção. “Era uma boa pessoa, conviveu com a gente por 22 aos, cuidava da minha avó”, lembrou. “Esperamos que ela pague pelo o que fez, já faz 6 anos e nunca foi presa”.