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Capital

Guerra particular do PCC leva a júris mais longos da atualidade em Campo Grande

Com violência extrema, a facção usa ação consorciada para promover tribunais do crime na cidade

Aline dos Santos | 15/09/2022 11:04
Inicio do julgamento dos acusados de decaptar Rudnei da Silva Rocha, o Babidi, em 2018. (Foto: Arquivo)
Inicio do julgamento dos acusados de decaptar Rudnei da Silva Rocha, o Babidi, em 2018. (Foto: Arquivo)

“Nois não quer que faz vídeo, nois não quer que faz nada não... Só chega lá... tira uma foto ali... de preferência com a cabeça em cima da barriga”. 

“Picotar é o de praxe, meu mano... se caso der, se não der só arranca a cabeça ali, tá tranquilo”. 

Captadas na operação Echelon, deflagrada pelo Ministério Público de São Paulo em 2018, as ordens para a execução de Rudnei da Silva Rocha, o Babidi, em Campo Grande, detalham a engrenagem do tribunal do crime, em que a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) impõe pena de morte a seus faccionados.

Marcado pela barbárie e ares medievais, essa modalidade de crime só faz crescer na Capital no correr dos anos, leva a júris populares que adentram a madrugada e costuma ser encarado pela sociedade como uma “guerra particular”. Nas gravações, a ordem para não ter vídeo almeja não produzir provas contra si mesmo. Agora, os julgamentos paralelos são realizados por meio de vídeo chamadas, sem armazenamento de arquivos.

Muro pichado com PCC: A facção criminosa divide cidade por regiões. (Foto: Henrique Kawaminami)
Muro pichado com PCC: A facção criminosa divide cidade por regiões. (Foto: Henrique Kawaminami)

Neste aprimorar de estratégias, a opção do tribunal do crime é fazer um consócio de criminosos, cada um participa de determinada etapa, dificultando chegar aos mandantes, que, em geral, estão nos presídios, sob a tutela do Estado.

Subdivido em várias lideranças, chamadas de sintonias, o PCC reúne pessoas que não se conhecem para concretizar um tribunal do crime. Basicamente, o faccionado delatado, em geral por associação ao rival Comando Vermelho, é levado do seu bairro para outra região da cidade.

A vítima é atraída por convite de um amigo, mas acaba sendo interceptada por uma segunda pessoa. Ambos vão para o imóvel de outro faccionado, a cantoneira, onde um grupo já espera para a conferência. Aí, abre-se espaço para a defesa, num julgamento que pode se arrastar por dias.

“O método de colocar pessoas que não se conhecem é para evitar vazamento. Não tenho como dizer o que não sei, você evita a vulnerabilidade na cadeia de tráfego de informações”, diz o  titular da DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídio), delegado Carlos Delano.

Quando o desfecho do tribunal do crime é a desova do corpo em terreno baldio, a investigação no local se mostra pouco produtiva, a considerar que a execução aconteceu noutro ponto da cidade.

“Muito frequentemente, o local de desova não pode nos trazer nada de muito relevante. Na investigação, a gente parte da cena do crime para depois avançar sobre a vítima, motivação e autoria. Neste caso, a rigor, a gente não sabe a cena do crime”, afirma Delano.

A apuração avança então para o perfil da vítima, que acaba revelando as conexões com a facção. Como as pessoas envolvidas no tribunal do crime não se conhecem, a investigação é complexa. Parte-se premissa bem vaga, como de que a vítima foi levada num carro de cor x.

Carlos Delano é titular da Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídio. (Foto: Marcos Maluf)
Carlos Delano é titular da Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídio. (Foto: Marcos Maluf)

É garimpo. Você procurar na cidade um carro vermelho, que pode ser Gol, pode ser Fiesta. É um trabalho artesanal”, diz delegado.

Júri popular na madrugada – Quando o tribunal do crime chega ao Tribunal do Júri, a Justiça de Campo Grande precisa realizar as mais longas sessões de julgamentos, diante da quantidade de réus. Os trabalhos começam às 8h e terminam às três horas da matina do dia seguinte.

Com cerca de 1.600 júris na 2ª Vara do Tribunal do Júri, o juiz Aluízio Pereira dos Santos afirma que a opção é para que o conselho de sentença não precise passar dias incomunicável, aumentando os custos para a Justiça com hospedagem e alimentação.

“Casos de tribunal do crime são seis, sete, nove, dez réus. Depende muito de cada processo. Para não ficar moroso, a gente acaba estendendo. Mas era júri para durar até quatro dias. Imprime-se uma celeridade, com esforço extra da acusação e da defesa, até terminar na madrugada”.

Júri em 2022, de réus acusados de matar outro desafeto do PCC, o "Fininho". (Foto: Henrique Kawaminami)
Júri em 2022, de réus acusados de matar outro desafeto do PCC, o "Fininho". (Foto: Henrique Kawaminami)

Por envolver também organização criminosa, os casos têm no mínimo quatro réus. Outra estratégia para dar celeridade é desmembrar a ação.

“Já ocorreu de fazer cinco júris sequenciais da mesma vítima, com três réus em cada ação. A gente desmembra para não ficar uma semana julgando. Os tribunais dos crimes têm aumentado bastante há sete anos, antes não tinha isso. Mas tem aumentado muito. E, normalmente, são crimes cruéis”, diz o magistrado.

Lembrando que os mandantes já estão no sistema penal, o juiz avalia que o Estado não está presente nos presídios. “Quando não existe lei, quem faz as leis são os homens. Existe uma proteção do Estado genérica, mais para evitar fuga”. Ainda segundo o magistrado, a Justiça protege a vida, apesar de reinar um senso comum de que “matou quem não presta ou já foi tarde”.

Juiz da 2ª Vara do Tribunal do Júri, Aluízio Pereira da Silva, (Foto: Henrique Kawaminami)
Juiz da 2ª Vara do Tribunal do Júri, Aluízio Pereira da Silva, (Foto: Henrique Kawaminami)

Não interessa para nós se a vítima também era faccionada. A Justiça protege a vida e todo ser humano, por ruim que seja, assaltante, faccionado, ele tem que ser protegido pelo Estado. É um ser humano, que tem mãe, que tem pai, que tem família”.

No último dia 9, após 16 horas de julgamento de membros da facção criminosa , três dos sete acusados de matar e decapitar Rudnei da Silva Rocha, o “Babidi”, de 22 anos, foram condenados .

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