Há 1 ano, mãe liga quase todo dia para delegacia que investiga morte de filho
Eder foi morto com um tiro no peito em dezembro de 2019 e até hoje ninguém foi preso pelo crime
Foi um dia comum, de almoço na casa da mãe, quando Eder disse: "vamos tirar uma foto, Baixinha"? O filho media 1,72m de altura, a "Baixinha" tem 1,49m. "Essa é a foto mais linda que tenho", diz hoje. O registro tirado no meio do ano passado é a imagem que Edmeia Brites Ferreira, de 58 anos, escolhe para ilustrar a saudade que sente de Eder Henrique Brites Ferreira Coenga. Prestes a completar um ano do assassinato do filho, artisticamente conhecido como a drag queen Apollo Black, dona Edmeia ainda questiona 'por que, meu filhote? Ele era muito amoroso'.
Na entrevista, a mãe prefere escrever do que falar. "Não consigo, só choro", justifica. "Depois dessa tragédia, não vivo mais. Eu conto os dias. É uma saudade que dói, que arde. Se começo a pensar, parece que vou enlouquecer. Foi uma covardia o que fizeram, não deram a ele nem o direito de se defender", desabafa.
Eder tinha 27 anos e foi morto com um tiro no peito na noite do dia 20 de dezembro de 2019, no Bairro Santa Fé, atrás do Shopping Campo Grande. Até hoje não tem ninguém preso pelo crime.
"Sabe que eu ligo na delegacia quase todos os dias pedindo uma solução? Sei que nada vai trazer meu menino de volta, mas saber, de fato, quem foi e o por que eu vou saber. Tem uma delegada que pegou o caso, vai olhar tudo e me ligar. Eles estão investigando, não pararam e eu não posso desistir", se apega a mãe.
O caso está sendo investigado na 3ª Delegacia de Polícia Civil da Capital e o inquérito segue em andamento. Segundo a delegada Christiane Grossi, uma testemunha deve ser ouvida nos próximos dias. "A conclusão depende dos resultados periciais, foram solicitadas novas diligências", ressalta. A morte de Apollo está entre os 400 inquéritos que estão em investigação na delegacia.
Vazio - Carinhoso, a ausência de Apollo deixou um vazio insubstituível na família. Pedindo para não ser identificada, a irmã de Eder explica que tem receio até hoje de dizer algo. "Afinal, tem um assassino à solta e não sabemos quem seja", argumenta.
"Quando existe alguém preso, a gente até vê o caso acelerar, mas o pior é a burocracia que existe no País. Não entendo como que tendo filmagens da situação nada resolve? Mas quero acreditar na capacidade da nossa Polícia, que eles tenham toda a sabedoria necessária para dizer o que ocorreu e que o culpado tenha a justiça do homem", sentencia a irmã.
Sobre a saudade, o sentimento é compartilhado por todos que conviviam seja com o Eder ou a drag Apollo. "Tem sido difícil lidar com ela. Meus sobrinhos sentem muita falta dele, foi tirado de nós um pedaço tão grande que nada supre o vazio deixado em nossos corações", completa a irmã.
Apollo Black, a drag queen interpretada por Eder era uma das mais queridas e experientes da cena LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) de Campo Grande. Ele concorreu no concurso Drag Star MS 2018 e foi eleito a melhor drag queen do Estado.
Professor e produtor de eventos, Deko Giordan, de 36 anos, fala que o sentimento é de tristeza pela perda de um grande amigo, além do excepcional artista misturado com o de revolta pela impunidade do assassino. "A gente vê tantos crimes serem solucionados tão rapidamente pela polícia, mas, neste caso, não temos nenhuma resposta, nenhuma direção. É impossível que não existam respostas, não pode ser um crime sem solução. A gente só quer justiça", apela.
Amigo, Bruno Peter dos Santos Caetano, de 26 anos, compartilhou palco, histórias e risadas quando também se montava e virava a drag Lunna. "Sabemos que em nenhum momento saber o culpado vai trazer meu amigo de volta, mas é importante termos senso de justiça. Essa pessoa tirou de nós alguém muito importante. É triste ver a falta de buscas por respostas, então o mínimo que esperamos é que a justiça prevaleça", clama.
Procurado pelo Campo Grande News, o subsecretário de Políticas Públicas LGBT, Leonardo Bastos fala que a pasta tem como estratégia dentro do enfrentamento a qualquer violência o trabalho da recém-criada comissão especial processante para apurar e acompanhar casos na esfera administrativa, assim como monitorar a resolutividade dos crimes. "Não tínhamos ainda, dessa forma, um órgão que pudesse acompanhar o andamento das investigações", explica. A comissão foi criada pelo Decreto 15.334 de 20 de outubro deste ano.
"Estamos numa discussão avançada com a Secretaria de Justiça e Segurança Pública, através da Polícia Civil, para que tenhamos uma delegacia em Campo Grande com a atribuição de apuração dos crimes de LGBTfobia", enfatiza Leonardo.
No mês em que se completa um ano da morte do filho, a mãe prefere falar dos sonhos que Eder conseguiu realizar aos que foram sepultados com ele. "Um dos sonhos realizou: foi o de comprar sua casa própria. Nos últimos meses antes da tragédia, ele queria que fôssemos morar com ele, mas aqui em casa somos muito barulhentos, crio três netos, eu falava pra ele que seríamos expulsos", recorda Edmeia.
"Fui mãe e pai dos meus filhos. O Eder foi muito amado por mim e pelos sobrinhos. A irmã do meio o tinha como filho. Trabalhador, ele dedicava a vida à loja Renner, não tinha hora para entrar nem para sair e eu nunca o ouvia reclamar".
Ele estava na casa da mãe, passando uns dias, quando o assassinato aconteceu. Por ser próximo do shopping onde Eder trabalhava, o final de ano estava sendo passado ali, para ficar mais perto da loja.
O crime - Eder foi morto com um tiro no peito, por volta das 19h na Rua Frederico Soares, no Bairro Santa Fé, em Campo Grande. Segundo testemunhas, o atirador estava em uma moto. A vítima seguia para a casa da mãe após ter saído do emprego, no Shopping Campo Grande. O Corpo de Bombeiros e o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) chegaram a ser acionados, mas Eder morreu no local.
Pela proximidade de casa e com o chamado imediato dos bombeiros e do Samu, a mãe ainda faz um agradecimento. "Agradeço a Deus pelo corpo do meu filho não ficar jogado muito tempo. Poderia ser pior", enxerga.