Inspeção flagra chalés para dependentes químicos com trancas e cadeados por fora
MPF conduz inspeção após denúncias, com apoio de vários setores da Assistência Social e da polícia
Dependentes químicos eram trancados com cadeado pelo lado de fora, o que caracteriza cárcere privado, conforme flagrante feito na manhã de hoje (3) na Clínica Fazendinha.
RESUMO
Nossa ferramenta de IA resume a notícia para você!
Uma inspeção na Clínica Fazendinha, em Campo Grande, motivada por denúncias de cárcere privado e trabalho forçado de dependentes químicos, revelou condições insalubres, como fossa séptica entupida e poucos banheiros. Enquanto a procuradora afirma que se trata de uma inspeção periódica, a clínica contesta a abordagem, alegando prejuízo ao tratamento dos pacientes. Testemunhos divergem sobre as condições da clínica, com alguns internos relatando rotina severa e outros afirmando satisfação com o local. A investigação destaca a problemática das comunidades terapêuticas, muitas vezes alvo de denúncias devido à falta de regulamentação e recursos públicos para o tratamento de dependentes químicos.
Alvo de inspeção do MPF (Ministério Público Federal), o local abriga mais de 100 usuários de drogas e álcool, no bairro Chácara dos Poderes e possui uma estética de “chalé rústico”, com salas luxuosas. Mas ao olhar mais de perto, foi possível ver que a fossa séptica estava entupida e os internados dividiam poucos banheiros e sem portas. O grupo também era vigiado por câmeras.
Essa ação, que recebeu apoio da Defensoria, Vigilância Sanitária, 3ª Delegacia de Polícia Civil e até Ministério Público do Trabalho, que veio após denúncias de cárcere privado e de que os internos eram obrigados a trabalhar na construção de mais alojamentos no chalé. Em todas as portas dos quartos, lotados de beliches e com identificações escritas em fita crepe, havia trancas para cadeados.
"É uma inspeção e todas as casas de acolhimento estão sujeitas a fiscalizações periódicas. Posteriormente, em pelo menos uma semana, vamos emitir um relatório do que foi encontrado, consolidada", explicou a procuradora da República e Regional do Direito do Cidadão em Mato Grosso do Sul, Samara Dalloul.
Por alguns momentos, os responsáveis pela clínica demonstraram estar insatisfeitos com o tipo de abordagem. "O Estado fica numa posição muito confortável, de vir aqui dar carteirada, fazer o quer, abrir o nosso portão, expor pacientes que estavam no meio do tratamento de desintoxicação", defende Roberto Chaparro, psicólogo da clínica.
Ele classificou a ação como prejudicial ao tratamento dos dependentes químicos. "A questão é a forma que foi feita, porque cria um comportamento de manada, que vai influenciar o dependente químico, que ele tem uma série de padrões comportamentais que se repetem. Tem muitas famílias ligando para a gente desesperadas, que a pessoa vai para casa é importunar, a esposa importunar, a mãe importunar filho. Teve gente aqui que já saiu e já foi aqui no Noroeste usar drogas", lamentou.
Foi apurado que a Clínica Fazendinha começou a funcionar este ano, sendo inaugurada com solenidade e a presença de autoridades. Há vários chalés de madeira, com ar-condicionado ou ventilador para circular o ar.
“Comecei esse trabalho com dependentes químicos porque tive um filho que passou por isso, eu sei a dor que as drogas causam nas famílias”, chegou a contar a proprietária da clínica, Bia Arraes.
As famílias pagam cerca de R$ 1,8 mil mensais pelo tratamento, e também compram alimentos além das refeições fornecidas pela instituição.
Denúncias - Um interno chegou a contar que após um atrito com outro jovem, ficou afastado do grupo e teve que tomar medicação que o manteve dormindo dois dias. Foram muitos os relatos de uma rotina severa e exaustiva, poucas oportunidades de acesso aos familiares. Consta que a visitação ocorria uma vez por mês em frente à clínica, sem os parentes terem a chance de verificar a estrutura. Contatos telefônicos seriam autorizados a cada 15 dias.
Há quem defenda - Edson Arguelho Souza, de 36 anos, disse que está na clínica pela segunda vez. Em uma primeira internação ficou três meses, decidiu sair, voltou a usar drogas e decidiu a internação de forma espontânea. Ele afirmou que se sentia feliz no local e via covardia no tom das denúncias.
Para ele, há amor da proprietária, a quem se referiu como madrinha. O rapaz apontou que no local há tratamento adequado e que os dependentes químicos por vezes manipulam familiares para conseguir deixar a internação, o que acredita ter ocorrido ali, desencadeando a investigação.
Outras investigações - Não é de hoje que comunidades terapêuticas são alvos de investigações. Em Campo Grande, o Ministério Público Estadual mantém inquéritos e até ações na Justiça. Com a insuficiência de oferta de serviços públicos, estruturas ligadas a igrejas ou mesmo ex-dependentes acabam recebendo pessoas que precisam de ajuda para se recuperar.
Há pouco mais de um mês, outra comunidade na Chácara dos Poderes foi alvo de uma ação de autoridades. Após a vistoria, uma equipe de inspeção federal recomendou o fechamento da comunidade Filhos de Maria. No local, foram encontrados pacientes dopados, vivendo em alojamento considerado insalubre e degradante.
Foi aberto inquérito para apurar denúncia de cárcere privado, lesão corporal e sequestro e um relatório recomendou ao TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) a reavaliação da ordem de internação em relação às pessoas que estavam no local. Além da iniciativa voluntária dos internos, muitos são levados por ordem judicial, atendendo a pedido das famílias em busca de vaga para internação compulsória custeada pelo poder público.
Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais.
Confira a galeria de imagens: