Jovem chegou a se arrastar de dor em terror causado por droga na rua
Relato de rapaz de 23 anos abre os olhos para uma realidade de quem se sente "um nada" perambulando
Com 13 anos de idade, ele tinha o que chama de “tudo” em “um quase berço de ouro”: família, amigos, afeto e estudo. Porém, um dia, dez anos depois, acordou com uma dor horrível em todo o corpo e precisou se arrastar pelo chão para sair do lugar. Era a dor física de uma mente que não se lembrava do que havia ocorrido para estar assim. Não era o único problema. A dor emocional veio junto.
O relato é de um jovem de apenas 23 anos, que viveu na rua por dois anos, entre idas e vindas a um hospital psiquiátrico e três comunidades terapêuticas. Tudo isso porque lá atrás, dez anos antes, conheceu o álcool, depois a cocaína, o crack, entre outras drogas.
Ele prefere não expor o nome, mas aceita contar como foram os dias na rua para quem está interessado em saber sobre a rotina dos que vivem sob a dependência química.
Eles fazem parte de um universo de mais de mil pessoas em situação de rua, em Campo Grande. Esse é o número de atendidos na última ação coordenada pelo TRF (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), neste mês.
O terror
Ele viu coisas que classifica como “aterrorizantes”: pessoas morrendo, sendo espancadas, torturadas até quase morrer, um amigo ser eletrocutado em um transformador. Além disso, dormia com medo de ser atacado ou confundido por alguém querendo matá-lo, pediu dinheiro a estranhos e furtou, quando não conseguia um “bico” para ter dinheiro para comprar droga.
Quando passa o efeito da droga é horrível a dor física e emocional. Um dia, tive que me arrastar de tanta dor. Quando você está sob o efeito da droga, você machuca seu corpo, anda sem parar descalço, no sol, e depois você sente a dor no corpo todo. É horrível", conta.
Era assim: ele ficava desaparecido, a família ia atrás. Foi internado no Hospital Nosso Lar para desintoxicação, saiu, voltou, foi para uma comunidade terapêutica, saiu, foi para a rua de novo, passou por outras comunidades, foi para rua novamente e foram dois anos assim. Agora, está há dois meses em uma nova comunidade.
Por várias vezes, ele usa de novo os termos “desaparecido” e “aterrorizante”. Nas mãos e nos braços, tem marcas de quando deu socos na porta tentando sair do hospital.
"Estouraram meus nervos. Os médicos operaram na Santa Casa”, lembra. Nos braços, tem também algumas tatuagens e no olhar a esperança de seguir firme nessa comunidade por, pelo menos, um ano.
Conseguindo passar por essa fase, vai começar a realizar sonhos: voltar a cursar a faculdade, ter uma família, ser bem-sucedido, ter um casal de filhos e dar a eles o melhor, nas palavras dele. O apoio da família tem sido muito importante, ele destaca.
Ele sempre lembra das pessoas caridosas que também encontrou na rua.
Cheguei a passar oito dias sem dormir. Comia e bebia, porque tinha pessoas caridosas que iam levar comida. Eu ficava na Vila Nhanhá, Itamaracá e Tiradentes. Já tomei banho no córrego da Avenida Ernesto Geisel", lembra.
A doença
Ele explica o que muita gente não sabe quando entra no “mundo das drogas” ou quando tem um parente dependente. É quase uma aula resumida com base na experiência dele.
Tenho uma doença que é progressiva. A porta de entrada, na minha opinião, não é a maconha. O álcool é pior e me levou às outras drogas. Tenho que me tratar e seguir com acompanhamento, participando dos grupos de NA (Narcóticos Anônimos) a vida toda para eu não recair. Estou feliz que aqui nessa comunidade me adaptei melhor. É a primeira vez que fico por dois meses”, comenta o jovem, na Comunidade Terapêutica Cadri.
O tratamento
A vaga dele é mantida por recurso de política pública da Rede de Assistência do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. A Prefeitura de Campo Grande direciona todos os meses R$ 1 mil para o atendimento de cada pessoa nas comunidades, o que equivale a R$ 300 mil por mês e R$ 3,6 milhões anualmente, conforme a SDHU (Subsecretaria de Direitos Humanos).
A rede pública oferece um sistema de internação em um Caps (Centro de Atenção Psicossocial), que não tem a estrutura de um hospital, mas faz internação, e mantém 300 vagas em Comunidades Terapêuticas, geridas por entidades, muitas delas fundadas por dependentes químicos em recuperação que há anos estão longe das drogas.
Nelas, os dependentes em tratamento fazem atividades para manter o local em boas condições, como limpeza e jardinagem, mas faltam voluntários para oferecer mais opções para preparar essas pessoas para o mercado de trabalho. As comunidades também têm vagas privadas, geralmente.
Em Campo Grande, a taxa de recuperação de dependentes químicos não chega aos 15%. Para especialistas, como o psiquiatra Marcos Estevão dos Santos Moura, faltam leitos de internação e investimentos em um tratamento que possa vislumbrar uma eficácia maior, como ocorre em raros locais no mundo, incluindo o Estado do Colorado, nos Estados Unidos, por exemplo. Lá, o paciente é acompanhado por dez anos.
Narcóticos Anônimos
A maioria das Comunidades Terapêuticas baseia-se nos ensinamentos dos Narcóticos Anônimos. Em Campo Grande, os interessados em conhecer o trabalho, sejam dependentes ou seus familiares, podem entrar em contato pelo WhatsApp (19) 3255-6688 ou pelo número 0800 888 6262.