Morte de Carla é 7º feminicídio do ano em Campo Grande
Assassino confesso, o vizinho da jovem Marcos André, de 21 anos, um estranho para ela, está preso preventivamente
A morte de Carla Santana Magalhães, 25 anos, cujo assassino confesso foi preso nesta semana, foi enquadrada como feminicídio pela Polícia Civil e a tipificação acatada tanto pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) quanto pela Justiça, embora com características diferentes do que se está acostumado. Não envolveu um ex-namorado ou companheiro, nem o costumeiro histórico de escalada de violência doméstica.
Mas o enquadramento está previsto na lei e, assim, configura o sétimo registro desse tipo de crime em Campo Grande em 2020.
Em seis meses, considerando que Carla foi morta no dia 30 de junho, a cidade tem mais casos de assassinatos de mulheres com a característica de feminicídio do que em todo o ano passado. Em 2019, foram cinco nos 12 meses. Percentualmente, na metade do ano, já há aumento de 28%.
Agressor próximo - Dos sete casos de janeiro a junho deste ano, em cinco os “feminicidas” - palavra que ainda não existe na língua portuguesa mas já faz parte da linguagem coloquial - são pessoas com quem as vítimas tinham relacionamento e, em geral, tentavam o rompimento.
Os dois casos que saem desse roteiro envolvem um filho esquizofrênico que matou a mãe, a golpes de facão, em março, mas em contexto de violência familiar. Agora, há a morte de Carla, que foge à essa regra. Ela e a família não conheciam o perpetrador, morador na vizinhança havia 9 meses.
"O Código Penal, quando incluiu o feminicídio como uma das qualificadoras do crime de homicídio, elencou duas possibilidades que podem ser enquadradas como feminicídio: homicídio contra mulher em contexto de violência doméstica (o mais comum dele é o do marido que mata a esposa ou namorada) e o feminicídio preconceito, que ocorre quando não há vínculo de parentesco ou relação doméstica entre os envolvidos, mas o motivo do homicídio se deu pelo fato da pessoa ser mulher”, explica a delegada de Polícia Civil Bárbara Bárbara Camargo Alves, que atua na Deam (Delegacia de Atendimento à Mulher), unidade responsável por quatro dos inquéritos sobre ilícitos penais dessa natureza este ano.
Outros três inquéritos foram conduzidos pela DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídio), por terem sido registrados inicialmente como desaparecimento.
Titular da unidade, o delegado Carlos Delano, enquadrou o servente de pedreiro Marcos André Vilalba Carvalho por homicídio duplamente qualificado, por recurso que tornou impossível a defesa da vítima e feminicídio praticado por menosprezo à condição de mulher.
Desprezo pela mãe - Quando ouvido pela Polícia Civil, o assassino confesso respondeu com a palavra “vagabunda”ao ser indagado sobre a mãe. Além disso, reclamou de ter sido “esnobado” por Carla em data na qual passou por ela e não recebeu de volta a devolução de cumprimento.
A extrema violência com que cometeu o assassinato, com cinco golpes de faca no pescoço e ainda um ferimento chamado "esgorjamento", um corte profundo de lado a lado, além da evidência de violência sexual, indicam a crueldade com que Carla foi tratada, mesmo depois de morta.
O entendimento do delegado foi acatado pelo promotor de Justiça Douglas Oldegardo dos Santos, ao manifestar favorável ao pedido de prisão, mas ele não apreciou o fato em si, e necessidade de tirar das ruas o acusado. Para ele, havia a “imperiosa necessidade de preservar a paz da comunidade local, evidentemente abalada com as ações desta natureza, fato este que, sem dúvida, afeta aquela situação de tranquilidade que a comunidade deseja para si”.
O magistrado para quem a solicitação foi distribuída, Aluízio Pereira dos Santos, da 2ª Vara do Tribunal do Júri, deferiu a preventiva e anotou a presença da “aparência de delito”.
“O caso versa, ao que indicam as investigações até então apuradas, sobre feminicídio, contexto fático que o Código Penal e demais Leis Especiais, principalmente, a Lei dos Crimes Hediondos, vêm tentando reprimir e erradicar”, observou a autoridade do Judiciário.
Com o réu preso, agora são 10 dias para conclusão do inquérito. A tipificação pode mudar tanto nessa fase quanto depois, na denúncia pelo promotor ou mesmo quando o magistrado for avaliar se leva o servente de pedreiro ao júri popular.
Marcos André não constituiu defesa ainda.
Confira abaixo todos os casos de mortes de mulheres ligadas à condição feminina neste ano em Campo Grande?
Carla Santana Magalhães, 26 anos: sequestrada na porta de casa, o Bairro Tiradentes, no dia 30 de junho, e encontrada morta, na esquina da mesma rua, no dia 3 de julho, com sinais de tortura e violência sexual.
Situação: Assassino confesso, Marcos André Vilalba de Carvalho, preso preventivamente. Inquérito em andamento.
Maria Graziele Elias de Souza, 21 anos, sumiu dia 13 de abril, foi achada morta no dia 19 de abril, à beira de rodovia BR-262.
Situação: Autor, Lucas Pergentino, preso desde 25 de abril, já transformado em réu pela Justiça, após conclusão do inquérito policial e denúncia do MPMS.
Graziela Pinheiro Rubiano, de 36 anos, sumida desde 5 de abril. Corpo nunca foi achado.
Situação: Autor, Rômulo Rodrigues Dias, preso desde 19 de abril. Já transformado em réu pela Justiça, após conclusão do inquérito policial e denúncia do MPMS
Maxelline da Silva dos Santos, 28 anos, morta pelo ex-guarda municipal, durante churrasco entre amigos, em 5 de março. O assassinou também matou um amigo dela e baleou a esposa dele, no Jardim Noroeste.
Situação – O autor, Valtenir Pereira da Silva, de 34 anos, está preso, foi afastado da Corporação e aguarda julgamento.
Antonia Sales, 72 anos, assassinada pelo filho, a golpes de facão, no Conjunto Habitacional Universitário, região sul da Capital, no dia 9 de março.
Situação – Autor, Adão Alves de Sales, de 45 anos, está preso. É réu e aguarda julgamento.
Regiane Fernandes de Farias, 39 anos, baleada no trabalho, uma floricultura no Carandá Bosque, no dia 18 de janeiro, no início da manhã.
Situação: Autor, Suetônio Pereira Ferreira, 57 anos, está preso à espera de julgamento. O processo ainda está na fase de produção de provas, como por exemplo quebra de sigilo telefônico do réu.
Em todos esses casos, a previsão legal é de realização de júri para definir se o réu é culpado ou não, caso o magistrado responsável pronuncie o acusado, ou seja, entenda que há provas para ele ser julgado. A pena para feminicídio, é de 12 a 30 anos de reclusão.