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Capital

No "Novo Carandiru", teve quem investisse R$ 12 mil em apartamento invadido

Obra foi paralisada em 2002 e construtora firmou contrato de comodato em 2009, que foi descumprido

Por Silvia Frias | 13/05/2024 12:37
Condomínio Nova Alvorada, no Bairro São Jorge da Lagoa (Foto: Juliano Almeida)
Condomínio Nova Alvorada, no Bairro São Jorge da Lagoa (Foto: Juliano Almeida)

Na Rua Polônia, o prédio de apartamentos do Condomínio Nova Alvorada ficou no tijolo, sem reboco ou pintura, cruzado por dezenas de fios que ligam os moradores à gambiarra na energia elétrica. Inicialmente cedido em contrato de comodato, hoje, é a moradia de dezenas de famílias que tem prazo de até 60 dias para sair do local, sob risco de a reintegração de posse ser feita com auxílio de força policial.

A contagem mais recente, segundo apurado pelo Campo Grande News, é que 18 famílias morem nos 16 apartamentos e na edícula construída nos fundos do imóvel. Na parte interna, o gasto feito por eles, conforme listagem na ação de reintegração de posse, varia de R$ 3 mil a R$ 12 mil, com instalação de piso, pias, bancadas e melhorias no banheiro e outras reformas.

O imóvel é da Construtora Degrau, a mesma empresa que disputa na Justiça a posse do Residencial Atenas, na Mata do Jacinto, outro conjunto de apartamentos inacabado, que ficou conhecido como “Carandiru”, e foi alvo de operação policial em junho de 2023. Agora, a empresa enfrenta batalha judicial pelo que parecer ser o "Novo Carandiru".

O Condomínio Nova Alvorada, com área de 2.317,50 m², começou a ser construído em 1997. A partir de 2002, com a paralisação da obra, ficaram pelo caminho 16 apartamentos semiacabados, além de edícula localizada nos fundos do imóvel. Os trabalhos foram suspensos por conta das dificuldades financeiras da construtora, que chegou a decretar falência em 2003.

Na ação de reintegração de posse, protocolada pela empresa, consta que, no dia 17 de setembro de 2009, a construtora firmou contrato particular de comodato com dona de um lava a jato, hoje com 38 anos. O acordo é um “empréstimo” que não pode ser substituído e deve ser devolvido ao final. Segundo a advogada Hilda Priscila Correia Araújo, no acordo, a mulher deveria manter o lugar limpo e em ordem.

Moradores investiram no apartamento, com pinturas e reformas (Foto: Juliano Almeida)
Moradores investiram no apartamento, com pinturas e reformas (Foto: Juliano Almeida)

O acordo se manteve sem alterações até 24 de janeiro de 2014, quando a Construtora Degrau encaminhou notificação para a desocupação do imóvel em prazo de 30 dias. Com cancelamento do decreto de falência, em junho de 2012, a intenção era retomar o projeto.

Segundo a advogada, a mulher teria pedido prazo maior para sair do local, o que foi concedido. O tempo passou sem que nada mais fosse definido, até que, em março de 2016, o outro locatário que morava na edícula construída nos fundos do condomínio, informou à construtora que os apartamentos haviam sido invadidos. A construtora alega que a autora “transferiu a terceiros a posse que até então vinha exercendo”, ou seja, vendeu a transferência sem ter direito legal dos imóveis.

Ainda segundo a ação, a advogada foi ao local e verificou várias alterações na edificação, além de sete perfurações profundas no solo, em volta do prédio, abertas para instalação de fossas. Em maio daquele ano, ainda tentou reintegração extrajudicial, mas o prazo de 30 dias não foi cumprido. A ação de esbulho, turbação e ameaça foi protocolada na 6ª Vara Cível de Campo Grande.

Bancada e bar em um dos apartamentos que, agora, serão desocupados (Foto: Juliano Almeida)
Bancada e bar em um dos apartamentos que, agora, serão desocupados (Foto: Juliano Almeida)

Em 2017, os moradores do condomínio recorreram à Defensoria Pública e uma audiência pública foi realizada em setembro, sendo acordado prazo de 15 dias para identificação de todos os ocupantes para assinatura de Termo de Acordo.

Mas o impasse seguiu sem consenso. Em outubro daquele ano, a Defensoria Pública alegou que a construtora abandonou o imóvel, não sendo uma ocupação recente, “pois alguns dos requeridos estabeleceram sua moradia há aproximadamente nove anos”.

Na contestação, o defensor público Ildo Barreiro alegou que “diante do abandono do imóvel, os requeridos adentraram-no e passaram a ocupar os apartamentos como se donos fossem”. Também afirmou que o imóvel estava em estado de abandono, sendo ponto de usuários de drogas. Para a defensoria, os novos moradores deram destinação social, com ocupação legítima do local.

A ação continuou tramitando, com identificação de novos moradores. Nova audiência foi marcada para 2022, sem acordo. Naquele ano, a Justiça pediu que o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) se manifestasse, por se tratar de posse coletiva de imóvel urbano.

Em setembro de 2022, o promotor Renzo Siufi, da 35ª promotoria da Justiça, avaliou que a construtora comprovou a posse do imóvel, com base até pelo depoimento de uma das moradoras, de que todos ali tinham consciência de que não eram donos dos apartamentos.

O MPMS se manifestou pela reintegração de posse, mas requereu que a empresa fosse condenada a pagar indenização os réus pelas benfeitorias realizadas, como reboco, pintura e instalação de portas e janelas.

No dia 10 de fevereiro de 2023, o juiz da 6ª Vara Cível Deni Luiz Dalla Riva avaliou que o “esbulho praticado pelos réus é questão incontroversa”, sendo comprovado que o imóvel pertence à construtora.

Deferiu a reintegração de posse e negou o pagamento da indenização pedido pelo MPMS. “Ressalta-se (...) que são necessárias as benfeitorias que têm por finalidade conservar o bem ou evitar que este se deteriore (art. 96, § 3º doCC), o que não revela ser a hipótese de realização de contrapiso, colocação de portas e janelas, realização de reboco interno de paredes, instalação de vasos e pias, dentre outros, porquanto tem por escopo, apenas e tão somente, facilitar o uso do bem (...)”. Foi concedido prazo de 30 dias para saída dos invasores, sendo o ultimato em 60 dias, após o trânsito em julgado da ação, sob pena de cumprimento com emprego da força policial.

O juiz ainda determinou que a prefeitura de Campo Grande fosse oficiada da decisão, para que pudesse viabilizar por meio das secretarias, moradia provisória e digna “às famílias que forem desabrigadas”.

Os moradores ainda insistiram e contrataram advogado, na tentativa de evitar o despejo. O recurso foi julgado pela 2ª Câmara Cível, sendo negado em setembro de 2023.

Em fevereiro deste ano, a Construtora Degrau informou no processo que a decisão transitou em julgado, ou seja, sem chance de recurso, em 30 de outubro de 2023, pedindo que a reintegração fosse cumprida. “Requer também, a ordem expressa, que se necessário o senhor oficial requeira o auxílio da Policia Militar para fazer a presente intimação dos atuais ocupantes do local, para a desocupação voluntaria no prazo estabelecido”.

Em abril deste ano, o mandado de reintegração foi expedido pela 6º Vara Cível, com a ordem a ser cumprida. O comunicado é o que chegou às mãos dos moradores do condomínio, agora, temerosos pelo fim do prazo.

Gastos feitos por moradores foi listado em ação de reintegração de posse (Foto/Reprodução)
Gastos feitos por moradores foi listado em ação de reintegração de posse (Foto/Reprodução)

São 60 dias até que deixem o imóvel, onde investiram para que se tornasse moradia. Na ação, uma lista mostra o quanto alguns gastaram no local: “(...) banheiro todo azulejado, box de vidro, pia de banheiro com armário de mármore, vaso, porta sanfonada, janela veneziana, pia de mármore com bancada cozinha, piso nas peças, grafiato na parede da cozinha (...) Avaliação: R$ 12 mil”.

A reportagem entrou em contato com a prefeitura para saber qual a medida será tomada para sobre moradores e aguarda retorno para atualização do texto.

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