O dia em que a vida parou e Virgínia perdeu um filho e o marido
“A hora que eu chego aqui, tem fotos. Não sei se eu estou errada, mas eu dou bom dia, é um jeito de matar a saudade”. Ela desabafa recontando os passos do filho e do marido no dia 5 de maio. Os relatos são no presente a todo o momento e levam a crer, para quem desconhece a tragédia, que os dois estão vivos.
A casa de Virgínia Ramires, 40 anos, parece que parou no tempo. Os quartos continuam do mesmo jeito, o carro está na garagem e as roupas dos homens da casa no armário. As duas cadelas vêm receber a equipe e pedem carinho. A menorzinha, que era de Luiz Vinícius, fica o tempo todo por perto, pedindo carinho.
Virgínia tenta explicar que elas também sentem saudades. Ela sobreviveu ao acidente que matou o marido e o filho, não por ter resistido aos ferimentos, mas por sobreviver desde então à saudade e a dor de perder a família toda em um acidente de trânsito.
Luiz Carlos de Souza Silva, 47 anos, e Luiz Vinícius Ramires Silva, 12, foram atingidos por uma EcoSport dirigida por Manoel do Carmo Castro, 49 anos, no dia 5 de maio, enquanto andavam de bicicleta na ciclovia. O motorista não tinha habilitação e admitiu que não sabia dirigir.
“Ele sempre anda quando chega da escola e eu fico olhando para ele. Ele me dizia para de ficar olhando que eu não sou bebê”, conta a mãe hoje, após o acidente. Julgar o verbo no passado é se render a dor de nunca mais ver o filho.
Aos finais de semana os três saíam para andar de bicicleta, naquele dia o menino não queria sair, mas foi para responder a uma brincadeira do pai, de que ele estava gordinho e precisava se exercitar.
“Era para eu ser atropelada porque eu estava mais perto. Ele entrou dentro da ciclovia e saiu carregando todo mundo”, relembra.
Os três vinham pela ciclovia na mesma direção. Pai à frente, mãe no meio e o filho por último. No momento do acidente, segundo relatos de Virgínia, eles estavam parados, esperando umas pessoas passarem, para então andar de bicicleta.
O barulho e a cena de ver o carro subindo a ciclovia fizeram com que a mãe só prestasse atenção no filho. “Eu não percebi que ele tinha atropelado meu marido, lembro só da perninha do Vinícius sendo jogada. Quando virei meu filho estava sendo jogado pelo carro, eu fiquei mais focada no Luiz Vinícius”.
Os minutos seguintes ao acidente foram de desespero. Até hoje, quase três meses depois a mãe mostra a angústia que viveu naquele dia. “Fiquei tão apavorada que saí igual doida porque não vi onde foi jogado. Ele caiu em cima de concreto eu gritava ele pelo nome e ele não acordou”.
Os dois foram levados em estado grave para a Santa Casa. Três horas depois de dar entrada o pai morreu. O filho sobreviveu por dois dias, dando esperança ao coração de Virgínia.
“No dia eu vi bastante sangue, mas eu pensei que ele ia sair dessa. Demorou 3h e ele teve uma parada. O acidente também perfurou o pulmão. Quando veio a notícia eu não queria receber e nem dar ao pior inimigo”.
O domingo e a segunda-feira foram de dor e sofrimento. Virgínia precisou dividir-se entre o luto e a esperança de ver o filho sair vivo da tragédia. Na segunda-feira, ela já saiu da casa da mãe com um aperto no peito.
“Sabe quando você vai sentindo alguma coisa, eu pensava que só queria chegar logo lá. Ele tinha uma santinha no pescoço e no dia do acidente tiraram. Eu mostrei a santinha pra ele e disse que eu estava ali. Eu sei que ele me ouviu, mas quando a assistente social falou a senhora só tem ele? Não, eu comecei a gritar, não acredito que meu filho também”.
Perder o filho e o marido na porta de casa fez com que a mãe deixasse onde a família morou por 16 anos. Agora Virgínia passou a morar com a mãe e só vem a casa limpar e dar atenção às cachorras.
O carro que era do marido continua lá. Pelo trauma ela não pensa em tirar carteira de motorista e não quer ver, tão cedo, a única bicicleta que saiu inteira naquele dia.
“Fiquei sem chão como estou até agora. Eu não consigo acreditar, eles saíram daqui para morrer lá. Se eu soubesse, se adivinhasse que ia acontecer... Eu falei pro Luiz Vinícius ficar, alguma coisa fez ele querer não ir, mas depois ele foi...”
Com a televisão ligada, Virgínia leva a equipe até o quarto e mostra a última foto tirada do menino. Pelos noticiários, a mãe sempre acompanhou o drama das famílias que viveram a dor que hoje ela compartilha.
“Nunca imaginei que naquele dia, de repente minha vida ia mudar. Eu sempre via muita gente que perdeu filho, marido, eu até chorava junto, mas nunca pensei que ia acontecer comigo. Eu queria que ele se colocasse no meu lugar, ele destruiu a minha família”.
Manoel foi indiciado por homicídio doloso, por ter assumido o risco de matar ao dirigir em alta velocidade e sem carteira de motorista. Pelo crime, ele pode ir a júri popular.
“Ele ainda falou que não estava correndo, mas como se ele arremessou longe e bem alto o meu filho? Ele estava correndo demais”, questiona.
Virgínia, que agora entrou para as estatísticas de acidentes de trânsito, vê o tráfego agora com olhos de quem vê crueldade.
“Está muito violento, ninguém tem paciência, não respeita sinal. Não pensa no que significa um carro, quando está lá dentro é uma arma que está na sua mão. Eu não tive raiva do motorista, o que fica na minha cabeça é que se ele falou que não sabia dirigir, porque pegou o carro? Ele estava com uma arma na mão e matou meu único filho e meu marido e ficou por isso mesmo”.