Para os pais, interesse de assassinos de Mayara era outro carro da família
"Minha filha lutou no motel igual uma leoa. Ela era linda, foi um tesouro que caiu nas mãos deles e se divertiram com isso".
Os domingos sempre foram sagrados para a família de dona Ilda Cardoso, 50 anos. Era em cada início de semana que ela se encontrava com a filha na certeza do abraço apertado. A troca familiar não ocorreu nesse fim de semana. A filha, a violonista Mayara Amaral, de 27 anos, foi brutalmente assassinada e o corpo jogado, e depois parcialmente carbonizado, na região da cachoeira do Inferninho, em Campo Grande. “Mataram minha filha para roubar um carro”, define a mãe, que aceitou conversar com a reportagem do Campo Grande News no primeiro fim de semana sem a Mayara e revelou a suspeita mais forte dentro de casa: a de que os três homens presos por matar a jovem, entre eles um músico com quem a vítima se relacionava há poucos meses, queriam, na verdade, roubar um veículo Duster modelo 2013 da família.
Completa uma semana hoje do crime. Da filha sobraram as lembranças, a saudade que sufoca e a tristeza de perdê-la tão cedo. Cada vez que toca no assunto, Ilda precisa parar e respirar fundo. As lágrimas escapam, a voz falta e seu rosto ruboriza quando lembra do que aconteceu com a caçula de quatro filhos.
Para a família, faltou respeito com a memória da moça na divulgação e nas suspeitas em torno do caso. Muito se tem falado e apontado, enquanto pouco se tinha ouvido diretamente deles até então sobre o assunto. Logo na chegada para a conversa, os pais e uma irmã de Mayara pediram para que fosse deixada clara a opinião deles sobre a tipificação do crime. “Não acreditamos que foi feminicídio. Independente do gênero, minha filha era um ser humano. Eles queriam o carro”, pontua a mãe.
A família já decidiu que terá um advogado de assistência da acusação no caso, tratado pela polícia como latrocínio e ocultação de cadáver. Está em investigação ainda se houve um estupro antes da morte.
A dona de casa disse que nunca tinha ouvido falar de Luis Alberto Bastos Barbosa, 29 anos, que junto com Ronaldo da Silva Olmedo, 30 anos, matou a violonista a golpes de martelo dentro de um motel, como apontam as investigações até agora. O terceiro envolvido é Anderson Sanches Pereira, 31, que teria ajudado a desovar o corpo. "Não quero saber deles, não me importo. Me importo com a minha filha e o que foi feito a ela".
"Precisava encontrar minha filha viva ou morta" - O combinado de Ilda com as três filhas era sempre começar o dia com uma mensagem de “oi”, algo que faltou no início da terça-feira (25) e despertou a preocupação. Foram diversas ligações sem respostas, até que a noite a amiga que dividia casa com Mayara ligou pedindo notícias dela.
Uma mensagem chegou muito tempo depois, trazendo a suspeita de que o pior havia acontecido. “Logo que eu desliguei o telefone, recebi a mensagem do celular dela falando de uma briga. Nesse momento eu soube que minha filha tinha sido sequestrada ou estava morta”, resigna-se.
O texto citado havia sido enviado pelo celular de Mayara por Luis com a ideia de incriminar outra pessoa. Nesse ponto, no entanto, o corpo já havia sido encontrado, e estava sem identificação.
O desespero se estendeu por toda a noite, entre contatos com a polícia por telefone e a ida à Depac (Delegacia de Pronto Atendimento) do bairro Piratininga. Lá, Ilda recebeu a notícia que tanto temia.
“O delegado me disse que tinha encontrado o corpo queimado de uma mulher e me perguntou se eu conseguiria reconhecer, mas que só tinha alguns pedaços visíveis. Na hora que mostraram a foto do pézinho, eu reconheci que era a minha filha. Eu não queria acreditar, queria achar ela viva”.
“Disseram que minha irmã morreu duas vezes. Na verdade, ela morreu três" - Nas últimas semanas, Mayara utilizava o veículo Renault Duster do pai, e só voltou a dirigir o Gol branco, que foi encontrado em posse de Anderson Sanches Pereira e Ronaldo, dias antes do crime.
“Ela ia deixar o carro dela comigo e pegar o meu na segunda, mas com a correria do ensaio não conseguiu trazer. Foi selvagem o que fizeram, é inaceitável”, comenta o aposentado Alziro Lopes do Amaral, pai da vítima.
O caso chocante levantou debates nas redes sociais e ganhou repercussão nacional sobre sua classificação pela polícia como latrocínio, o roubo seguido de morte, após o desabafo da irmã de Mayara, a jornalista Pauline Amaral, atualmente na Bélgica, na rede social Facebook. Pauliane, primeiro, desabafou afirmando que se tratava de feminicídio e cobrou, principalmente, a apuração da suspeita de estupro. Depois, editou o texto e tirou a palavra feminicídio, com a discussão já em proporções nacionais. O texto teve mais de 46 mil curtidas e 30 mil compartilhamentos.
Ilda, Alziro e a outra irmã da musicista, Giseli Amaral Rosa, 38 anos, que é advogada, refutam a ideia exposta. Para eles, a mais nova de quatro irmãos foi morta porque atrapalhou o objetivo dos acusados, que era roubar o veículo Duster.
"Eles queriam o carro do meu marido, mas quando viram que ela estava com o Gol, decidiram continuar com o plano do mesmo jeito. Respeitamos a bandeira de quem luta pela causa, mas não acreditamos que foi feminicídio. Independente do gênero, minha filha era um ser humano", repete a mãe.
"Escreveram que mataram minha irmã duas vezes, mas na verdade mataram três. Primeiro quando tiraram a vida dela, depois quando tiraram nosso direito de tocar e ver ela pela última vez, com um velório digno. Agora, temos que conviver com comentários e reportagens com coisas que nunca dissemos”, afirmou Giseli.
Toda a repercussão e informações têm causado mal estar e sofrimento para a família, que tenta aprender a lidar com a dor da perda diariamente. “Nós nunca condenamos a polícia, pelo contrário, nós elogiamos o que eles fizeram, reconhecendo o corpo e prendendo os culpados com rapidez. Queremos destacar isso para deixar a memória da minha irmã em paz". Sobre a violência sexual, Gisele adota cautela. "Prefiro esperar os laudos para falar sobre o estupro, mas eu não descarto, eles são monstruosos".
"Eu choro pela polícia ao ver as matérias que estão saindo sobre o trabalho deles. São eles que vão salvar outras Mayaras. Essa bandeira do feminicídio tomou uma proporção que não temos mais como impedir. Nós respeitamos a luta, mas não queremos que a história da Mayara vá por esse lado".
Recomeço - "Minha filha lutou no motel igual uma leoa, mas qual a porcentagem de chances de lutar em um quarto fechado contra dois homens? Ela era linda, foi um tesouro que caiu nas mãos deles e se divertiram com isso", lamenta Ilda.
A saudade e a tristeza que sufocam se misturam com as lembranças de uma menina dedicada, estudiosa e que possuia um talento nato para a música.
"Ela tinha onze anos quando pegou pela primeira vez o violão e tocou todas as notas sozinha. Mayara nasceu violonista. Era caprichosa, e foi por isso que chegou onde chegou. Se ela fosse drogada ou prostituta como disseram, não teria chegado aos 27 anos com o título de mestre. Carro a gente compra outro, minha filha eu não vou ter nunca mais. Estou fazendo terapia, porque sei que tenho que cuidar dos meus outros filhos". Mayara era graduada e mestre e preparava-se para avançar na carreira acadêmica com um doutorado.
No auto de prisão dos três homens presos pela morte de Mayara, a Polícia Civil afirma que eles queriam roubar o Gol ano 1992 e por isso arquitetaram um plano para levar a jovem ao motel, aproveitando-se da relação dela com Luis Alberto. A informação sobre a suspeita dos pais de que o interesse na verdade era a Duster, carro de maior valor, não consta das investigações da polícia, por enquanto.
O caso foi transferido na semana passada para a Defurv (Delegacia Especializada de Roubos e Furtos de Veículo), a cargo da delegada Gabriela Stainle. Ela foi procurada via assessoria de imprensa, mas a informação é de que participava de uma reunião na DGPC (Delegacia Geral de Polícia Civil).