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Capital

“Só pensava em não me machucar”, diz policial levada no capô de carro por 1 km

Reportagem deu voz às vítimas para mostrar como sua decisão no trânsito devasta vidas

Aline dos Santos | 05/07/2023 10:13

Era 8 de maio de 2022 e Karis Marques Ferreira dos Santos, então aluna da polícia, achou que seria mais um domingo comum, numa rotina que já cumpria há dois meses. Logo no começo da manhã, de carona com o primo Edson Máximo Romero Junior, saiu de casa para fazer curso na Acadepol (Academia de Polícia Civil), em Campo Grande. Minutos depois, já estava em cima do teto de um veículo, levada por um quilômetro. Da experiência aterrorizante, restaram flashes de memória de que só pensava em descer sem se machucar.

Eu só me lembro de olhar para baixo e procurar um lugar onde eu pudesse tentar descer, sem me machucar mais, sem ser o asfalto. Mas é muito vago. Eu fiquei inconsciente a maior parte do tempo. E mesmo essa memória, parece-me mais um sonho do que uma lembrança”, diz a agente de polícia científica.

Mas não houve jeito, foi encontrada caída no asfalto e com ferimentos. Fazendo um favor para a prima que mora em Corumbá e veio à Capital para o curso, Edson foi arrastado com a motocicleta que conduzia por 19 metros.

Desses segundos, ele não tem lembrança. Mas quando a consciência voltou, já veio o desespero de ver Karis sendo levada no capô do veículo. Tentou se levantar, mas a perna não se movia. Mais tarde, soube que a lesão, que se estendeu por 18 centímetros do pé direito, poderia ser pior: um centímetro a mais para o lado dos dedos, perderia os movimento; um centímetro a mais para o calcanhar, o ferimento seria fatal e não estaria contando sua história.

Em meio a uma epidemia de acidentes, que faz a cidade amanhecer, quase com a regularidade diária, com uma tragédia no trânsito, o Campo Grande News dá voz às vítimas para mostrar como suas decisões na condução de um veículo podem devastar a vida de quem só imaginava ter mais um dia comum.

Vítima, a policial se sente culpada porque o primo lhe fazia o favor de acordar às 5h de manhã para conduzi-la ao curso. Edson conta que se fosse para escolher, só preferia estar sozinho naquele momento, para que Karis não se ferisse.

O caminho dos primos, ocupantes de uma Honda/CG Titan, foi atravessado por um Hyundai I-30, conduzido por Landerson Correia Teixeira na contramão. A moto vinha pela Rua Verdes Mares e foi atingida pelo carro no cruzamento com a Avenida Marechal Deodoro, no Bairro Coophavila.

Landerson fugiu, mas acabou preso em flagrante pela polícia perto do aterro sanitário, na saída para Sidrolândia. O condutor do carro disse que tinha atropelado uma capivara. Recentemente, a Justiça determinou que ele vá a júri por tentativa de homicídio, não prestar socorro e fugir do local do acidente.

"Só acho que foi muito inconsequente em todos os sentidos, do começo ao fim", diz Edson. (Foto: Idaicy Solano)
"Só acho que foi muito inconsequente em todos os sentidos, do começo ao fim", diz Edson. (Foto: Idaicy Solano)

A dor que fica – No acidente, Karis teve um corte na perna direita. O ferimento foi fechado com oito pontos, mas a recuperação levou mais tempo. “Tiver que fazer acompanhamento médico porque uma das feridas era de difícil cicatrização. Levou meses e vários intervalos de antibióticos para cicatrizar”, conta a vítima.

Para Edson, a jornada foi de um ano, numa sequência de cirurgia ainda no dia 8 de maio do ano passado, devido à fratura exposta no pé direito. Depois, vieram 40 sessões de fisioterapia e as dores ao caminhar, amparado por duas muletas. O aniversário de 2022, quando fez 20 anos em 27 de maio, foi no hospital.

O meu pé não é mais o que era. Os dedos ficaram um pouco encurvados, com uma cicatriz bem grande e perdi um pouco do equilíbrio. Num dos primeiros acompanhamentos médicos, o doutor falou que foi uma lesão muito grave. Se fosse um dedo para cima, teria perdido o movimento do pé. Um dedo para cima onde a cicatriz acabou, não teria dado tempo de me socorrer, porque ia sangrar até...”, diz Edson, que olha para o vazio, sem coragem de terminar a frase.

O jovem conta que anda mexido porque esteve recentemente num velório de vítima do trânsito, com a consciência de que faltou pouco para virar estatística. Para ele, as emoções também ficaram contraditórias quando se viu cara a cara com o motorista do acidente.

“Ele estava em uma audiência. Na época, estava de muleta ainda. Achei que ficaria tranquilo, mas na hora fiquei muito nervoso de ver ele lá. Foi um sentimento muito estranho. Mas nunca tive raiva dele. Ele nunca procurou, ajudou. Só acho que foi muito inconsequente em todos os sentidos, do começo ao fim. Não prestou nenhuma ajuda. Lembro da minha prima sendo levada em cima do teto. Foi muito difícil”, conta Edson, que volta a ter voz embargada pela emoção.

Ele segue estudando para concursos na área de segurança pública e a lesão no pé se tornou um desafio a mais para enfrentar o TAF (Teste de Aptidão Física), que inclui corrida e natação.

Edson teve fratura exposta no pé direito e fez um ano de tratamento após acidente. (Foto: Arquivo Pessoal)
Edson teve fratura exposta no pé direito e fez um ano de tratamento após acidente. (Foto: Arquivo Pessoal)

O condutor - Landerson Correia Teixeira, 36 anos, foi preso em flagrante após o acidente, em 8 de maio de 2022. Ao ser abordado pela polícia com o carro amassado, ele alegou que havia atropelado uma capivara. No entanto, a polícia já tinha informações que se tratava do veículo envolvido em acidente.

 No flagrante, o condutor se recusou a fazer o teste do bafômetro, sendo então realizado um TCACP (Termo de Constatação de Alteração da Capacidade Psicomotora). No curso do processo, Landerson negou estar bêbado e disse que tinha ingerido comprimidos de medicação de uso contínuo e que, no dia do acidente, saiu às 5 horas da manhã da casa de uma "conhecida". Landerson obteve habeas corpus no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) e responde ao processo em liberdade.

A defesa vai recorrer da decisão que leva o réu a júri, contrariando parecer do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul). “A defesa, com todo respeito devido ao magistrado do processo, não concorda com a referida decisão e irá sim recorrer da decisão. A defesa não concorda, ainda mais com a brilhante manifestação da promotoria”, afirma o advogado Antônio Cairo Frazão Pinto.

Para-brisa do carro ficou destruído e airbag foi acionado. (Foto: Direto das Ruas)
Para-brisa do carro ficou destruído e airbag foi acionado. (Foto: Direto das Ruas)


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