“Sobrinho” alega que agiota matou tia, mas para polícia, versão tem “furos”
Carlos Fernandes, suspeito de envolvimento no assassinato Márcia Lugo Ortiz, sustenta versão digna de filme
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Carlos Fernandes Soares, 33, preso na sexta-feira, dia 15, por suspeita de envolvimento no assassinato de Márcia Catarina Lugo Ortiz, 57 anos, sustenta versão digna de filme sobre o ocorrido. Ele alega que a “tia” foi morta ao defendê-lo de homem que trabalha como cobrador de agiota e que depois de testemunhar a execução, foi raptado por dupla, assistiu à desova do corpo e só não revelou nada sobre o crime a ninguém, porque estava sob constante ameaça.
Consta em registro policial que cinco dias depois de Márcia ter sido encontrada morta, em 13 de outubro, Carlos “revelou” a história para uma familiar da vítima. Essa pessoa foi à polícia no mesmo dia e o “sobrinho” se comprometeu a comparecer na delegacia, mas não cumpriu a promessa.
O suspeito de envolvimento no assassinato conta que havia alugado uma Toyota SW4 para, junto com a “tia”, seguir Guilherme Yarzon Ortiz, de 66 anos, atrás de “provas” de que o marido da vítima “colecionava amantes”. Ainda de acordo com a narrativa, na noite do desaparecimento, Márcia estava com ele quando os dois foram abordados por Carlos Henrique Machuca Santareno, o “China”, que trabalharia como cobrador para um agiota com quem Carlos Fernandes tinha dívida exorbitante.
O “sobrinho” relata ainda que não tinha dinheiro para pagar o agiota naquela noite e que Márcia passou a defendê-lo. A situação fugiu do controle e ele “arrancou” com a SW4, momento em que “China” disparou tiro, que atingiu a vítima na cabeça.
Carlos Fernandes contou que o cobrador tinha um comparsa. Naquele momento, “China” o raptou e o obrigou a entrar em carro que era conduzido pelo outro homem. O cúmplice do suposto assassino teria assumido o volante da SW4 e os dois veículos começaram a dar voltas na cidade, até que pararam em ponte sobre o Córrego Imbirussu, na BR-262, onde o corpo de Márcia foi desovado.
Depois de tudo isso, Carlos afirma que passou a ser ameaçado e monitorado para não denunciar “China” e o comparsa.
Versão suspeita – Para a investigação, a versão apresentada por Carlos tem “furos”. “Por que locou carro de luxo para monitorarem o esposo da vítima ao invés de um veículo mais módico, uma vez que ele é declaradamente motorista de aplicativo e até tinha dívidas com agiota? Como cobradores do agiota sabiam de seu paradeiro e, especialmente, por que eles foram abordados se, inclusive, estavam num veículo locado?”, questiona o delegado João Reis Belo, titular da 6ª DP (Delegacia de Polícia) e responsável pelo inquérito, no pedido judicial para prender o “sobrinho” e “China”, ao qual o Campo Grande News teve acesso.
Carlos Fernandes teve outras atitudes suspeitas, conforme investigadores. A polícia levantou que, depois do ocorrido, ele levou o carro locado, que estava sujo com o sangue de Márcia, a um lava-jato e também para consertos na lataria (funileiro) e no estofado (tapeceiro), onde havia um furo que pode ter sido provocado por tiro.
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Além disso, até ser preso na tarde da sexta-feira, dia 15, Carlos não havia procurado a polícia e, de acordo com o registrado em relatório do GOI (Grupo de Operações e Investigações), “fugiu” de todas as tentativas de contato que policiais fizeram. Ele também esteve em Bela Vista do Norte, cidade no Paraguai, e em Ponta Porã, na fronteira, o que deixou a força-tarefa policial empenhada na investigação com os “radares ligados” na possibilidade real de fuga.
Por qual razão Carlos não apresentou o veículo à polícia? Por qual razão, mesmo após insistentemente procurado pelos investigadores, inclusive, com o oferecimento de escolta e proteção, Carlos se esquivou de prestar formal esclarecimento?”, continua João Reis Belo, na petição que resultou na ordem para prender os suspeitos.
O delegado argumentou que as investigações estavam no início e que eram necessárias inúmeras respostas “para fechar esse quebra-cabeça”, por isso, era preciso prender os dois Carlos temporariamente. “Qual seria o agiota mandante da cobrança extorsiva? Quem seria o comparsa de ‘China’? Haveria algum outro motivo a justificar a morte de Márcia sob o domínio de Carlos? Por que Carlos lavou o SUV, consertou o estofado e a funilaria antes de restituí-lo ao locador?”, completa a lista de perguntas.
Por fim, o responsável pelo inquérito também explanou à Justiça que só a prisão de Carlos Fernandes e “China” ajudaria a solucionar o caso, uma vez que os dois, “além do comparsa não identificado, são três personagens que em tese se encontravam diretamente ligados à cena do homicídio, não havendo ainda nenhuma clareza sobre a dinâmica, conduta comissiva ou omissiva de qualquer um deles”.
Defesa – A defesa de Carlos Fernandes Soares entrou com pedido de revogação da prisão temporária nesta segunda-feira (18), argumentando que o cliente “é vítima e não um suspeito de ter cometido o crime de homicídio de Márcia Lugo”.
O advogado Matheus Machado Lacerda alega ainda que Carlos está colaborando com as investigações, uma vez que além de prestar depoimento, entregou o celular à polícia para comprovar sua versão e participou de reprodução simulada dos fatos que narrou.
Lembrou que o cliente, a quem trata como “testemunha-chave”, só não havia procurado a polícia antes, porque estava sendo ameaçado. “Tais ameaças foram feitas através de ligações e conversas via aplicativo WhatsApp, do aparelho celular do requerente, o qual consta apreendido e à disposição do delegado”, anotou na petição.
Reviravolta – Carlos, que por consideração, chamava Márcia de tia, antes de contar a versão sustentada para a polícia, tentou direcionar o foco das investigações para o marido da vítima, Guilherme, que é policial civil aposentado.
Conforme relatado pelo “sobrinho” ao Campo Grande News, na semana em que foi encontrada morta, a dona de casa estava seguindo o marido atrás de “provas” de que ele colecionava amantes. A intenção de Márcia seria expor a infidelidade do marido e anunciar a separação à família depois do aniversário dela, no dia 11 de outubro, o que poderia ser um motivo para matá-la.
A descoberta do paradeiro da Toyota SW4 e dos consertos feitos no veículo mudaram os rumos do inquérito.
Desaparecimento e morte - Segundo o boletim de ocorrência, registrado pelo marido de Márcia às 12h do dia 8 de outubro, a esposa desapareceu por volta das 19h do dia anterior. Guilherme disse que ela saiu a pé da casa da mãe em direção a sua residência, que fica a menos de uma quadra de distância, na Rua Bernardo Franco Baís, Vila Carvalho – região central da Capital.
Uma vizinha contou que a vítima chegou a ser seguida por um SUV preto e ao virar a esquina, por volta das 19h, subiu no veículo. À reportagem, a testemunha, que pediu para ter o nome preservado, disse que Márcia parecia conhecer a pessoa que estava no veículo. “Ela já estava para entrar na casa dela, mas o SUV parou bem na hora e ela começou a conversar com o motorista”, narrou, lembrando que Márcia trancou novamente o portão de casa e entrou no carro.
A mulher foi encontrada morta por volta das 14h40 do mesmo dia do registro oficial do desaparecimento, com um tiro na cabeça. O corpo estava sob ponte no Córrego Imbirussu, em Campo Grande. Havia marcas de sangue no guard-rail da pista.