União em acampamento aproxima até mesmo quem nunca se viu
Após dias sob tendas e barracas, famílias com mesmo ideal afirmam que não vão deixar de lutar
Desde o final da eleição, várias manifestações têm levado pessoas para frente dos quartéis militares. Neste sábado (12), o Campo Grande News teve acesso a toda a estrutura montada em frente ao CMO (Comando Militar do Oeste) e conversou que dezenas de pessoas que após esses últimos dias já se consideram uma família.
Muito organizados, eles cumprem regras estabelecidas nos mesmos valores, com pilares na religião, na liberdade e na família. “O nosso movimento não vai acabar. Se isso que passamos hoje aqui não ser suficiente para levantar o povo do sofá, não tem mais nada que possamos fazer. Não tem nada mais grave do que uma eleição roubada. Na próxima podem ser eles que terão o resultado diferente”, disse um empresário que está há quase duas semanas acampado com a família e só se identificou como Júnior.
O único motivo pelo qual estão ali é para protestar contra a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os participantes alegam que nos últimos dias até mesmo ex-petistas estão participando do manifesto, que tem aumentado com a adesão de mais pessoas.
“Eu vim de Rochedo e cheguei aqui no dia 2 de novembro, às 7h. Trouxe minha filha de 4 anos e estamos aqui acampados porque queremos limpar o sistema. A luta é pelos meus filhos e meus netos. Não vou deixar este país virar comunista. Em toda minha vida nunca vi isso que está acontecendo. As pessoas estão nas ruas porque elas acreditam que podem mudar o país”, disse outro manifestante que não quis se identificar.
Nenhum integrante da mobilização quis se identificar, por temer retaliação. Apesar da decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de punir os participantes dos atos e até aplicar multa de R$ 100 mil, todos são unânimes em dizer que nunca cogitaram deixar o local. “Estou com meu caminhão parado aqui há dias. Mas prefiro tomar um prejuízo do que ser algemado no futuro”, afirmou homem que se apresentou apenas como Lucas.
Outro colega disse que se sente culpado pela situação. “Enjoamos de esperar. A minha consciência está pesada de não ter feito isso antes. Vamos ficar até o fim, porque é algo que acreditamos. Queremos uma resposta concreta do que houve nas eleições e a segurança jurídica que hoje não temos”, enfatizou.
Eles não aceitam doações em dinheiro ou pix. Todas as refeições servidas no local são de produtos doados por voluntários. Apesar de ter 300 famílias fixas acampadas no local, por dia são servidas mais de 2 mil refeições.
“É o mesmo tratamento para todos. Sabemos que tem gente que vem aqui só para comer. Mas não nos importamos. E quando sobra doamos para entidades, como o Cotolengo. As pessoas trazem doações de forma espontânea. E o que aprendi aqui foi sobre comunhão. Gente que nem conhecia e que eu dava a chave do meu carro, com confiança”, destacou um dos organizadores de uma das tendas que fornece refeições.
Dentre as histórias que ele lembra, está a de uma senhora que comeu o churrasco da carne doada por eles. “Agora toda manhã ela traz água e pão. Chegamos a assar em um dia 1,2 toneladas de carne. E vamos continuar fazendo isso, independente do que a pessoa acredite”, acrescentou.
Alguns horários são cumpridos à risca no local. A cada 1h o hino nacional é tocado. Alguns participantes param, colocam a mão no peito e cantam com os olhos cheios de lágrimas. Na mesma mobilização, todos os dias, tem um terço dos católicos às 16h e um culto evangélico às 22h30, em frente ao CMO. Bebidas alcoólicas também são expressamente proibidas. A reportagem não encontrou nenhum manifestante tomando cerveja, por exemplo. A partir das 22h o som é desligado no local.
No carro de som, durante à noite, sobem manifestantes que querem falar sobre o desejo de liberdade da nação. Se o comentário feito no microfone é algo que os integrantes do movimento não gostam, é respeitado o pedido e mudado o assunto. Foi possível acompanhar também o depoimento de dois bolivianos, que retrataram as dificuldades que o país deles passa após um governo de esquerda ter assumido.
Entre um discurso e outro, uma pessoa entregou um dinheiro que encontrou no meio da multidão. “Quem for o dono pode vir aqui e pegar”, disse o homem que estava com a palavra, destacando a honestidade. Desde o começo da mobilização também não foi registrada nenhuma briga. Quem dorme no local diz que é seguro. “Estamos em paz. Em frente ao Exército, passa polícia toda hora aqui. Não temos medo”, assegurou outro acampado.
No entanto, a comunicação entre eles tem sido orgânica e os celulares com grupos de whatsapp são evitados como forma de contato entre os participantes. “Sabemos que estão nos vigiando. Aqui todo mundo está se ajudando. Só queremos o bem do país. O Exército vai resolver isso”.
No dia 15, feriado de Proclamação da República, o grupo espera reunir 200 mil pessoas em frente ao CMO. No acampamento não há uma liderança que fala por todos, pois todos se consideram iguais e seguem firmes apenas com a fé e a crença em Deus.