“Você começa a busca da onde está saindo fumaça”, diz policial em caso Marielly
Sem dar declarações, Hugleice chegou mais cedo, acompanhado dos pais. Ao ser questionado ele disse “estou aqui só para acompanhar”
“Você começa a busca da onde está saindo fumaça”. A declaração é da investigadora da Polícia Civil Maria Campos Mendes, ouvida na tarde desta terça-feira durante audiência do caso Marielly. A policial participou da investigação junto à família desde a data do desaparecimento da jovem e relatou em detalhes como Hugleice virou protagonista na trama da morte da cunhada. Em um primeiro momento, versões contraditórias e depois nervosismo nítido do rapaz ao acompanhar de perto os passos da investigação.
A investigadora e mais duas testemunhas foram intimadas para a audiência no Forum de Campo Grande. Luzimara Medeiros do Amaral e Jeysiane Medeiros do Amaral, do convívio de Jodimar Ximenes Gomes, não compareceram e serão ouvidas em uma nova audiência na cidade de Nioaque.
Sem dar declarações, Hugleice chegou meia hora mais cedo, acompanhado dos pais. Ao ser questionado sobre o andamento das audiências, ele respondeu “estou aqui só para acompanhar”.
A única testemunha ouvida foi Maria Campos, que relatou que foi no sábado, dia 21 de maio, data do desaparecimento, que teve o primeiro contato com a família. A policial foi até a delegacia para resolver outras pendências quando se deparou com a mãe da vítima, Eliana Barbosa, a irmã, Mayara Barbosa Rodrigues, Hugleice e um advogado amigo da família. A investigadora disse que passou o próprio celular para que eles entrassem em contato ainda naquela noite, após registrar o boletim de ocorrência.
“Eu falei me liga que estou à disposição. Mas não ligaram, ele [Hugleice] pegou o meu número. Como ninguém ligou, para mim a moça foi pra casa”, observou.
Na terça-feira seguinte ao desaparecimento, Maria Campos soube do caso através do Conselho da área do Imbirussu e foi até a casa dos familiares. “Quando cheguei, me deparei com eles. O Hugleice disse eu tentei ligar várias vezes e você não atendeu. Mas ele não ligou hora nenhuma. A investigação começou aí. Ele finge que fala a verdade e a Polícia finge que acredita”, contou.
Em seguida a investigadora passou a narrar as versões contraditórias que o cunhado declarava. Uma delas sobre onde ele estava na tarde do desaparecimento. “Ele dizia que permanecia no apartamento, sendo que já tinha a informação de que ele não estava. Deixei ele nervoso com a minha presença e da minha equipe”, disse.
Questionada pelo Ministério Público sobre como soube da gravidez de Marielly, a policial disse que estava junto da família na casa da jovem tomando chimarrão, quando elas foram olhar o quarto de Marielly, para ver se achavam um bilhete ou algo que revelasse o paradeiro dela.
Segundo a policial, elas acharam em uma caixinha dentro do guarda-roupa o resultado da gravidez, acusando positivo, do dia 28 de fevereiro, um pouco de “buchinha” uma planta considerada abortiva e algumas caixas de analgésicos.
Nisso a reação da mãe de Marielly chamou a atenção. “Ela pediu para que não falasse nada sobre a gravidez, porque o pessoal não ia acreditar. Mas eu disse não. Não pode, tem que falar para a Polícia”, argumentou.
Desconfiança em Hugleice - O Ministério Público questionou a testemunha sobre como a desconfiança de um relacionamento caiu sobre o cunhado de Marielly. A resposta foi: por relatos de familiares que contaram à policial, brigas entre Hugleice e a irmã e que havia um “obstáculo” entre eles.
“Ele vigiava todos os passos da cunhada. E ficou bem nítido que ele era o pai pelo que acompanhei dos telefonemas. Foram 18 ligações entre eles e num espaço curto de tempo”, comentou.
Ainda segundo Maria Campos, ao ouvir os colegas de trabalho de Marielly os depoimentos reforçavam cada vez mais o envolvimento de Hugleice no desaparecimento. “No escritório ela sempre estava nervosa ao telefone. Brigava, mandava cuidar da família dele”, conta.
Outra situação onde ficou nítido o nervosismo de Hugleice foi em um sábado a noite, quando colegas de Marielly, alguns de Alto Taquari, no Mato Grosso, estavam reunidos no apartamento da mãe da jovem para fazer panfletagem durante a noite na Capital.
“Ele queria saber o que eu sabia. Nessa noite ele começou a dificultar o contato com a Eliane. Eu tinha que ir para Sidrolândia e disse que não poderia acompanhar. Ele estava nitidamente nervoso. Ele respirava e falava pô Maria, você sabe de alguma coisa”, fala.
Nos dias que se passaram, segundo depoimento de Maria Campos, a mãe de Marielly já não atendia mais às ligações. “Eu perguntava era ele quem respondia. Eu ligava ele atendia e dizia que ela estava chorando, no banho ou dormindo. Com 26 anos de Polícia você começa a prestar atenção nas pessoas”, diz.
Corpo encontrado - Depois que o corpo de Marielly foi encontrado em um canavial na região de Sidrolândia no dia 11 de junho, o comportamento de Hugleice passou a ser de evitar a policial. Segundo relato dela na audiência, ele chegou a dizer no IML “Maria campos está no meu pé, preciso sair daqui”, no dia em que o corpo chegou a Campo Grande.
No mesmo dia, a policial havia pedido à família um chinelo de Eliana para comparar com o que foi encontrado no canavial. Os pares tanto de Marielly como o da mãe tinham um detalhe em comum.
Ainda no IML, quando Maria Campos chegou, Hugleice foi embora. Por telefone, conforme a policial, ele deu a justificativa de que precisava ir porque o sogro estava passando mal. “Ele mal olhou para o corpo e disse que não é não”.
Outro ponto destacado pela testemunha foi a reação da mãe durante a investigação. “Ela dizia, doa a quem doer, quero que você descubra o que aconteceu com a minha filha. Custe o que custar”, comenta Maria Campos.
Para a policial, este relato e o fato de no início da descoberta, a mãe querer esconder a gravidez chamou a atenção. “A Marielly não tinha motivo de esconder uma gravidez desse jeito. Ela recebia pensão, estava na faculdade, trabalhava”, afirma a investigadora.
Entre os questionamentos da Defesa de Hugleice, o advogado José Roberto Rodrigues da Rosa perguntou se a investigadora estava efetivamente autorizada a participar da investigação, já que não é lotada na Delegacia Especializada de Homicídios, que conduzia o inquérito. A policial afirmou que sim, o tempo todo.
“É comum participar e eu estava desde a hora que meu superior autorizou. Eu sou policial em âmbito nacional”, respondeu.
O segundo questionamento foi quanto ao modo de trabalho de Maria Campos, já que em muitos trechos do depoimento ela dizia que tomava chimarrão com a família de Marielly. “É de praxe infiltrar, viver o momento da família. Porque ela nem sempre diz tudo o que precisa saber”.